Por Vinícius de Oliveira
Prestes a completar seis anos no Brasil, o Uber, um dos principais aplicativos de transporte de passageiros, continua gerando polêmica onde se instala, como em Volta Redonda. E, por mais que os motoristas de táxi convencional se esforcem, a gigante do setor mantém e ganha espaço a cada dia. Na cidade do aço, números extraoficiais dão conta que existem quase duas mil pessoas trabalhando como motorista de aplicativo, inclusive vindo de cidades da Baixada Fluminense. O que muitos passageiros não sabem é que a guerra pelas ‘corridas’ esconde armadilhas, principalmente nos horários de pico e, agora, quando chove.
A discórdia entre taxistas e uberistas não é nova. Começou quando a empresa criou a controversa tarifa dinâmica, um mecanismo adotado também por outras empresas do ramo, que encarece as viagens pelos aplicativos nos horários de pico, como por volta do meio-dia ou no final da tarde. Ou ainda nos dias de chuva – e olha que tem chovido diariamente na cidade do aço. Segundo passageiros, o valor cobrado pelos motoristas de Uber mais do que dobrou nos primeiros meses de 2020.
Um dos motoristas de táxi, que preferiu não se identificar, foi quem fez a denúncia. Segundo ele, a tarifa dinâmica, antes uma forma de colocar mais motoristas disponíveis nas ruas, virou um meio de exploração dos passageiros. “Aqui na cidade (Volta Redonda), a Uber tem aumentado o preço (quando chove, grifo nosso) em 140%. Essa mancha vermelha no aplicativo (ver foto) mostra aí: 2.4 de aumento”, reclamou o denunciante, mostrando o que seria o orçamento de uma corrida do Aterrado até a Vila Santa Cecília, que não leva mais do que 10 minutos para ser concluída. “A corrida ia ficar em R$ 14,97 quando o preço normal seria R$ 6”, completou. Ou seja, ficaria R$ 8,97 mais cara.
Ele foi além. Explicou que uma corrida com o mesmo trajeto e horário, ou seja, com chuva, sairia pela metade do preço se fosse por uma das cooperativas de taxi de Volta Redonda. “No aplicativo da Cooperaço, a corrida sairia mais em conta. Ficaria em R$ 9, e sem a tarifa dinâmica. Essa é a tarifa dinâmica da Uber”, explicou de forma irônica. “Quando a Cooperaço cobrava 10% na bandeira 2, a população chiava. Hoje a Uber cobra 140% nos horários de pico e chuva. Olha a situação”, comparou. “Essa é a inovação e tecnologia que a Uber trouxe. Um absurdo! A população está sendo roubada e ninguém toma providência”, completou, revoltado.
As denúncias não param. Ainda de acordo com a fonte, a situação fica pior quando o trajeto é intermunicipal. Para exemplificar, o motorista simulou uma viagem pela Uber entre Volta Redonda e Barra Mansa, às 18h24min. A tarifa dinâmica apontada pelo aplicativo mostrava que seria cobrado do usuário um valor 370% mais caro do que o normal. “Imagina se o táxi aderir à tarifa dinâmica também?”, questionou, em tom de indignação.
Procurados, uberistas negam o valor abusivo. “Realmente existe a tarifa dinâmica nos horários de pico, mas não significa que dobra de preço. Por exemplo: se aparece o indicativo de 3,7, significa que a corrida terá um acréscimo de 3,7% e não 370%”, tentou explicar um deles. “E mesmo assim, o usuário, caso considere o valor abusivo, tem a alternativa de esperar que o valor abaixe ou mesmo recorrer a outros aplicativos”, ponderou.
O motorista da Uber ouvido pelo aQui fez questão de dizer que muitos taxistas, embora reclamem da concorrência, até chegam a usar o aplicativo quando precisam se deslocar. “Um dia levei um passageiro até uma oficina mecânica. Chegando lá, reparei que ele foi buscar o carro que ele usa para trabalhar em uma cooperativa de táxi. Ao invés dele acionar os carros da sua cooperativa, que também disponibiliza aplicativos, ele preferiu usar os serviços da Uber, justamente porque é mais barato”, crê.
Vale lembrar que a Uber, já há algum tempo, omite a informação aos usuários no que se refere à tarifa dinâmica. “Atualmente, só motoristas cadastrados pela Uber conseguem ver essa porcentagem. Os usuários não recebem mais essa notificação, apenas o valor integral da corrida”, esclareceu o motorista da Uber ouvido pelo jornal, lamentando o ocorrido. “Realmente isso parece uma desvantagem para o passageiro, mas esse mecanismo faz com que mais motoristas se interessem pela viagem e se coloquem à disposição, aumentando o número de carros. Ou seja, no fim das contas o passageiro sai ganhando”, argumenta.
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A animosidade entre motoristas de taxi convencionais e uberistas é antiga em Volta Redonda. Desde que a plataforma ganhou espaço, taxistas tentaram, de todas as formas, impedir que eles circulassem, sem sucesso. Hoje, segundo uma fonte, existem cerca de dois mil uberistas (incluindo quem circula por outros aplicativos) rodando pelo município. Existem até motoristas oriundos da Baixada Fluminense que, para fugir da concorrência em suas cidades, passam a trabalhar o dia todo em Volta Redonda”. “Afetam os motoristas de táxis e concorrem com os Ubers locais”, compara a fonte.
Para tentar evitar a invasão de motoristas de fora, o prefeito Samuca Silva se viu obrigado, em 2018, a tentar regularizar o serviço de Uber. “Não queremos, de forma alguma, inviabilizar o serviço de Uber e outros aplicativos na cidade. É o contrário: o que queremos é justamente liberar legalmente o uso de aplicativos. É importante lembrar que a lei aprovada no Congresso Nacional determina que é obrigação dos municípios regulamentar esse serviço, justamente para dar mais segurança e garantia aos usuários, que é o que faremos: uma regulamentação que garanta qualidade, segurança e que priorize quem é de Volta Redonda”, argumentou Samuca em entrevista no final do ano passado.
Regularizar a atuação dos motoristas dos aplicativos não está sendo fácil. A principal norma para que todos possam atuar livremente em Volta Redonda, de que o motorista cadastrado seja morador da cidade do aço, como mostramos, não é cumprida. “Eles (uberistas) deveriam pressionar a empresa (Uber) a não permitir que um cadastrado no sistema saia de Nova Iguaçu e passe o dia todo em Volta Redonda fazendo concorrência aos uberistas locais”, argumenta um deles. “Eles nem conhecem a cidade, tendo que usar o Waze para levar o passageiro”, ironiza.
Para não ficar atrás na briga por uma corrida, a Cooperaço, depois de 39 anos reinando absoluta no mercado voltarredondense, se viu obrigada a se reinventar. Desde o ano passado, ela disponibiliza um aplicativo como alternativa ao Uber, praticando preços semelhantes à empresa estrangeira. O desconto chega a 30%, diz a propaganda da empresa. “Nós taxistas pagamos diversos impostos, somos submetidos a cursos e regras que não existem para os motoristas dos aplicativos, o que torna os nossos custos muito superiores. Então temos que buscar alternativas para continuar oferecendo para a população um transporte de excelência como a Cooperaço sempre ofereceu, com carros de luxo e motoristas bem treinados”, argumentou Clóvis Barbosa da Silveira, presidente da cooperativa em entrevista a um jornal local.
Ilegalidade
Outra prática que vem sendo adotada por motoristas de Uber em Volta Redonda – de usar um adesivo brilhante no vidro do carro para identificá-lo como veículo de aplicativo (ver foto) – pode estar com os dias contados. É que a secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana tem recebido queixas tanto de passageiros quanto de motoristas de táxis convencionais. “Eles não podem fazer isso. É ilegal. Eles só podem pegar passageiros através dos aplicativos”, dispara Maurício Batista, titular da pasta.
Maurício vai além. Destaca que ao pegar passageiros como se fossem táxis comuns (muitos chegam a fazer ponto na rodoviária), os uberistas podem estar cometendo outra ilegalidade. “Usando o carro sem passar pelo aplicativo, ele não são repassam a comissão da corrida à Uber. A estratégia de usar um penduricalho (ou adesivo) do Uber é ilegal, isso não foi regulamentado”, sentencia o secretário, prometendo promover, ainda em março, uma grande operação contra a prática. “Ou é táxi ou é Uber, ser os dois ao mesmo tempo não dá”, dispara, coberto de razão.
Os passageiros dos carros de aplicativos também estão denunciando que os motoristas passaram a recusar viagens para vários bairros, principalmente os da periferia. “Não estão aceitando viagens para a Vila Brasília. Às vezes, nem para o Retiro”, desabafa um leitor do aQui, explicando como funciona o sistema. “Eu pedi a corrida pelo Uber. Como o motorista não via pra onde eu ia, ele me perguntou o destino pelo chat. Respondi que era para o Retiro e ele cancelou a corrida. Tentei com outro motorista, e aconteceu o mesmo. Ele queria saber o destino. Como não respondi, ele abortou a viagem, o que prova que estão selecionando os bairros de Volta Redonda”.