sexta-feira, março 29, 2024

Paneladas

Como o leitor deve saber, a Lei Maria da Penha (11.340/06) foi criada para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher no âmbito familiar. Entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

Desde então, homens que cometem qualquer tipo de agressão ao sexo feminino no âmbito doméstico e familiar estão sendo presos, com poucas exceções. Às vezes, a lei é atualizada, sempre com o intuito de amedrontar ainda mais os possíveis agressores. Pena que a rigidez da legislação não é suficiente para manter vivas as mulheres. E na ânsia de matar, os homens andam extrapolando. Passaram a usar não importa o quê. Desde as tradicionais facas de cozinhas a garrafas, soquetes de alho e, pasmem, panelas de pressão.

Foi o que aconteceu em Barra Mansa. Ao que se tem notícia, só neste ano duas mulheres foram agredidas – uma até a morte – por seus companheiros que usaram utensílios de cozinha como arma. O primeiro foi em fevereiro. Luana Silva da Cunha, 35, por pouco não perdeu a vida ao ser atacada pelo ex-marido com um soquete de alho. A mulher, moradora da Boa Vista I, ficou com o rosto desfigurado e teve que ser internada às pressas. Para trás, além das marcas psicológicas, ficaram as marcas de sangue espalhadas pelos cômodos da casa, um retrato explícito da violência. 

Vanessa Sabino, 30, não teve a mesma sorte que Luana. No sábado, 20, enfrentou a fúria de Moisés Augusto Dias de Oliveira, que, inconformado com o fim do relacionamento entre os dois, a atacou usando uma panela de pressão. Não satisfeito, já que a moça ainda respirava, o agressor tentou terminar o serviço usando garrafas de vidro quebradas. Antes de ir embora, ele teria agredido a enteada de 14 anos. “Fomos brutalmente agredidas”, depôs, em estado de choque, a adolescente.

Vanessa ficou 11 dias internada na Santa Casa de Misericórdia com traumatismo craniano, fraturas na face e suturas no crânio. Não resistiu. Uma amiga da vítima explicou que Vanessa ainda morava com o agressor, mas já havia demonstrado interesse em sair da casa, mas não tinha condições financeiras para tanto. “Ela não aguentava mais morar na mesma casa que ele, estava sendo muito humilhada”, contou pedindo para não ser identificada. 

Ciente do desejo de Vanessa ir embora, Moisés, tomado por uma fúria insana, teria agredido a ex-companheira e depois fugiu.  Foi encontrado, a partir de uma denúncia anônima, na casa de uma tia, na Califórnia, em Barra do Piraí e vai responder pelo crime de homicídio qualificado. 

Esses e tantos outros casos – muitos nem sempre são contabilizados – motivaram a GM Priscila Rocha a criar, com o aval da prefeitura de Barra Mansa, a ‘Patrulha da Mulher’. E, desde a sua criação até hoje, o projeto conseguiu resultados positivos, salvando algumas mulheres de uma morte trágica provocada por namorados, maridos, ex-maridos e até amantes. Até o momento, já foram feitas 180 rondas em todos os bairros, inclusive nos distritos. A iniciativa possibilitou atendimento a 20 mulheres em situação de violência doméstica, sendo que três delas registraram ocorrência na 90ª DP. Os casos de necessidade de atendimento específico foram encaminhados para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). 

Em uma entrevista exclusiva ao aQui, Priscila Rocha contou o que tem visto nas ruas e dentro das casas de pessoas do seu círculo íntimo. “O que motivou a ideia de construir a Patrulha da Mulher foi presenciar situações de agressões a pessoas próximas, e perceber que a forma como o sistema trata essas vítimas é ineficaz. Ver o sofrimento alheio, sem poder fazer algo, me incomodava bastante”, contou.  

Ainda de acordo com Priscila, ela mesma já sofreu algum tipo de ataque por partes dos homens que culturalmente se acham superiores às mulheres. “Toda mulher já passou por algum tipo de assédio e já sofreu de alguma forma por conta do machismo. Eu não sou diferente delas. Porém, aprendi a lidar com a questão, aprendi a responder, a identificar a violência e a me defender. E é isso que toda mulher deveria aprender, porque todas nós passamos ou vamos passar por isso em algum momento da vida”, afirmou com amargura.  

Priscila contou que a quantidade de mulheres pedindo socorro beira ao absurdo. Em um mês de atendimento, segundo dados da Guarda Municipal, a Patrulha da Mulher recebeu 20 chamados. “Nem todos eles geraram registros na delegacia devido aos limites da lei, porém todos eles tiveram atendimento especializado, evitando que a situação dessas mulheres se agravasse”, explicou Priscila, salientando que teve casos em que a Justiça foi feita antes que o pior acontecesse. “Nesse período foram feitos quatro novos registros na delegacia, uma prisão por descumprimento de medida protetiva e uma prisão em flagrante de delito. Vê-se que boa parte dos casos só se torna público quando chega ao limite, ou seja, quando gera lesão corporal ou morte. Mas sabemos que antes disso acontecer, outros tipos de agressões já vinham ocorrendo, como violência psicológica, patrimonial, moral. Essas violências costumeiramente ficam ocultas”, dispara.  

Quando questionada sobre o fato de os homens barramansenses usarem preferencialmente utensílios de cozinha para matar, Priscila encontrou no meio do inexplicável e do injustificável uma possível teoria. “Eu não sei dizer exatamente, talvez exista uma resposta com embasamento científico pra isso, porém desconheço. O que posso pensar é que a cozinha é um local onde a mulher costuma passar boa parte do seu tempo quando está em casa, talvez por isso os objetos mais próximos e disponíveis para que o homem cometa a agressão estejam lá”, teorizou. 

Para a idealizadora da Patrulha da Mulher, facilitar o porte de armas para o cidadão comum pode ser um risco iminente para as mulheres. Pode até disparar os números de feminicídio. “Flexibilizar não quer dizer necessariamente que todo mundo vai passar a ter arma em casa, basta olhar os valores do armamento e as dificuldades que a Polícia Federal continua colocando quando se tenta ter a posse de uma arma. Mas vamos supor que baixem os valores do armamento e facilitem a ponto de uma grande parcela da população ter armas em casa. Nessa situação hipotética, poderíamos dizer que sim, haveria uma possibilidade das agressões piorarem, até porque quando há um desentendimento entre um casal a ponto de culminar na agressão física seguida de lesão corporal, a morte, que seria o ápice do resultado, não ocorre, na maioria das vezes, pela ineficácia do meio empregado”, ponderou Priscila, indo além. “Sabe-se que causar a morte de uma pessoa com as próprias mãos exige um esforço bem maior quando comparado a uma arma de fogo”. 

Mesmo facilitando o acesso da mulher ao socorro especializado, a Patrulha não é capaz de operar milagres. Para Priscila, só a Educação e mudanças de consciência podem pôr fim à cultura do medo, do estupro e da morte. “É preciso começar pela educação. Os jovens são os maiores multiplicadores. Neles devem ser concentrados os esforços para que haja uma mudança cultural, para que a violência não seja naturalizada, para que nossas mulheres consigam identificar e se defender das agressões para que os homens não reproduzam os valores violentos das gerações passadas. Vai ser através deles que novas gerações serão formadas e capacitadas para enfrentar esses males”, disse. 

Priscila fez outro alerta. Dessa vez às próprias mulheres.  “A forma de fazer isso (mudar a cultura machista) se dará através do empoderamento feminino e da desconstrução do machismo que existe tanto em homens quanto em mulheres. Mas sobre o hoje, o agora, podemos lutar para que políticas públicas sejam criadas e mantidas, com o intuito de combater e prevenir a violência contra a mulher. Também podemos reavaliar nossas atitudes e julgamentos. Estendendo a mão para quem sofre violência, estimulando essas pessoas a procurarem ajuda, evitando julgamentos”, pontua. 

A guarnição da Patrulha da Mulher é composta por dois GMs e um PM, e, necessariamente, um agente tem que ser do sexo feminino. O serviço pode ser acionado pelo Whatsapp (24) 98147-9229, ou pelo telefone de plantão da Guarda Municipal (24) 3028-9339.

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