Metendo a colher 

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Vinicius Oliveira

Conforme o aQui adiantou na edição passada, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) apresentou na quinta, 30, com direito a solenidade especial, a 14ª edição do Dossiê Mulher, um levantamento que trata de todas as formas de violência sofrida pela mulher fluminense com apontamentos específicos sobre o tema. A série de estudos, com 110 páginas, revela uma realidade angustiante: de que nada mudou. As mulheres continuam sendo estupradas, ameaçadas e agredidas – dentro e fora de suas casas – e os agressores, quase sempre, são os maridos.

 

Ciente de que os governos são os principais responsáveis por tentar modificar esse quadro desastroso, a secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, Idosos e Direitos Humanos de Volta Redonda (Smidh) resolveu se mexer e encabeçar a campanha ‘Em briga de marido e mulher, como meter a colher’. 

Antes preocupada apenas em oferecer cursos de maquiagem para as vítimas da violência doméstica, a titular da pasta, Dayse Penna, foi convencida pelas circunstâncias de que a questão é bem mais séria e se faz necessário buscar medidas preventivas. Inclusive, a secretária levou a discussão para uma audiência pública, realizada na terça, 30, na Câmara de Vereadores.   

 

Após os pronunciamentos dos integrantes da mesa, iniciando pelo presidente da Casa, vereador Edson Quinto, Dayse apresentou um vídeo institucional mostrando as ações e serviços oferecidos às mulheres da cidade do aço. Citou os programas e abordou as campanhas e oficinas humanas desenvolvidas nesses três últimos anos, mencionando como exemplos as propostas “Eu me amo, eu me protejo”, que promove, gratuitamente, aulas com técnicas de artes marciais no Centro de Artes Marciais (Ceam), no Ginásio Amaro Inácio, no Retiro, para elas aprenderem a se defender dos possíveis agressores, e  a campanha deste ano, “Em briga de marido e mulher, como meter a colher”. “Temos que nos envolver sim, porque da nossa ação poderemos salvar vidas”, justificou.   

 

Depois que os convidados falaram sobre a importância da audiência, relatando o aumento dos casos de feminicídio no país, houve a participação do público com perguntas. A presidente da OAB Mulher, Carolina Partitucci foi a primeira. “Nós precisamos ouvir mais a sociedade, saber de fato o que está acontecendo, porque as leis existem para combater esta violência. Eu quero agradecer a Dayse Penna, porque em todas as palestras que temos realizado, a secretária tem sido uma grande parceira da OAB Mulher neste trabalho de prevenção, de denunciar e combater a violência contra a mulher”, destacou. 

 

Cerca de 160 pessoas participaram da audiência. E a maioria das mulheres elogiou o tema escolhido. “Vamos ter informações, conhecimentos de como lidar e nos preparar para enfrentar esta situação de violência”, disse a psicóloga Sara Cristina Izidorio Machado. Em nota, o prefeito Samuca Silva se manifestou acerca do tema. E disse que repudia qualquer ato de violência contra a mulher: “Políticas Públicas através da conscientização da sociedade vão evitar a violência contra a mulher, seja psicológica ou física. Combater a violência é dever de todos e para isto temos a Lei que pune. Na nossa gestão, investimos na capacitação das mulheres, na conquista da geração de rendas e na defesa dos seus direitos, abrindo oportunidades de trabalho, concursos públicos, para que a mulher tenha a sua profissão e conquiste o seu espaço no mercado de trabalho”, destacou Samuca. 

O dossiê 

O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro escolheu o dia 30 de abril, Dia Nacional da Mulher, para o lançamento da 14ª edição ininterrupta do Dossiê Mulher, analisando os principais crimes sofridos por elas no estado. Nesta edição, os delitos analisados foram: homicídio doloso, feminicídio, tentativa de homicídio, tentativa de feminicídio, estupro, tentativa de estupro, lesão corporal dolosa, ameaça, assédio sexual, importunação ofensiva ao pudor, ato obsceno, dano, violação de domicílio, supressão de documento, constrangimento ilegal, calúnia, difamação, injúria e aplicação da Lei Maria da Penha.  

 

De acordo com o ISP, nessas análises foram observadas que a violência contra as mulheres se manifesta de diversas formas e garante que estaria presente em todas as classes sociais, etnias e faixas etárias. Tem mais. Mostra que a violência é um dos fatores estruturantes da desigualdade de gênero, deixando de ser vista como um problema de âmbito privado ou individual para ser encarada como um problema de ordem pública.  

 

O Dossiê Mulher mostrou que em quase todos os delitos analisados, as mulheres representam mais da metade do total de vítimas. Nos crimes de estupro contra mulheres em 2018, 72% ocorreram dentro de casa, o que equivale a 45% dos agressores serem pessoas do convívio da vítima (companheiros, ex-companheiros, pais, padrastos, parentes e conhecidos) e 70% das vítimas tinham até 17 anos. Essas informações confirmam a ideia de que as mulheres estão mais vulneráveis à violência sexual no âmbito privado do que nos espaços públicos. 

 

Nos crimes contra a vida, 7,1% (350) do total de vítimas de homicídio doloso no estado do Rio no ano passado eram mulheres, e companheiros e ex-companheiros foram responsáveis por 12,3% dessas mortes. Quando é analisado o feminicídio, observa-se que, a cada cinco dias, uma mulher teria sido vítima de feminicídio no estado em 2018 e companheiros e ex-companheiros foram os autores de 56,4% dessas mortes – sendo que em 62% dos casos, o local da ocorrência foi na própria residência da vítima. 

 

Em relação à violência física, a lesão corporal dolosa é o crime que compreendeu o maior número de vítimas mulheres – foram 41.344 mulheres vítimas, ou quatro mulheres foram agredidas por hora no ano passado. Entre os autores do crime, 70% eram pessoas do convívio da vítima e 60,2% desses casos aconteceram dentro de alguma residência. 

Estudos 

Na seção “Outros Olhares” do dossiê, o artigo de Afonso Borges e Jonas Pacheco (Instituto de Segurança Pública) analisa o conteúdo das denúncias referentes à violência contra a mulher recebidas pelo Disque Denúncia. De acordo com as ligações feitas para a Central de Atendimento (212253-1177), das denúncias realizadas em 2018, 69% citava companheiros, ex-companheiros e parentes próximos como os autores das violências, e, em 35% das vezes, havia a presença dos filhos da vítima no local do fato. Além disso, em 1/3 das vezes o local do crime era a residência da própria vítima. 

 

Em relação à identificação das regiões com o maior número de denúncias, destacam-se os bairros da Zona Oeste da Capital (Campo Grande, Bangu, Santa Cruz, Taquara, Pedra de Guara-tiba) e locais da Baixada Fluminense (Posse, Vilar dos Teles, Comendador Soares, Belford Roxo e Duque de Caxias). 

As informações divulgadas no Dossiê têm como fonte o banco de dados dos registros de ocorrência da Secretaria de Estado de Polícia Civil relativos ao ano de 2018, disponibilizado pelo Departamento Geral de Tecnologia da Informação e Telecomunicações (DGTIT).