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Tiro no pé

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Luciana Rodrigues: “Esse aí (Diário do Vale) é inimigo”

Os dados do ISP-RJ (Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro) não deixam dúvidas. Nos três primeiros meses de 2019, houve um aumento no número de assassinatos em Volta Redonda. Ponto final, sem discussão, afinal o órgão é oficial. Só que a comandante do 28o Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Luciana Rodrigues de Oliveira, resolveu comprar briga com o jornal Diário do Vale por ter publicado os dados, em um canto de página, sem estardalhaço. Chegou a taxar o jornal de inimigo da Polícia Militar. Pior: fez ameaças à equipe do diário, nas entrelinhas, é claro. Foi um tiro no pé.

 

O ataque da oficial, que está há pouco mais de 100 dias à frente do Batalhão do Aço, aconteceu em um grupo de WhatsApp mantido pelo 28o BPM para se comunicar com os profissionais da imprensa da região. “A luta é diária, é difícil, trabalhamos muito, nosso efetivo (do 28º) tem prendido vários (bandidos), fazem (os PMs) várias apreensões, tiram armas das ruas quase todo dia! Aí vem uma matéria (do Diário do Vale, baseada em dados oficiais, grifo nosso) dessa e mancha a nossa imagem e acaba com todo o nosso trabalho”, desabafou Luciana.

 

Logo a seguir, a tenente-coronel deixou claro que via o Diário do Vale como um inimigo da Polícia Militar. “Ou a imprensa está do nosso lado ou contra nós. Não aguento mais ficar pedindo a repórter para retificar matérias. É muito triste saber que temos inimigos na sociedade”, escreveu, para completar: “Porque esse aí (Diário do Vale) é inimigo”, disparou, sem atentar para o perigo que sua afirmação podia provocar entre os integrantes da sua tropa, formada por cerca de 600 PMs.  

 

O engraçado é que, até prova em contrário, nenhum dos jornalistas do grupo teria contestado a postagem de Luciana no próprio grupo. Mas o jornalista Aurélio Paiva, que é o diretor-presidente do Diário do Vale, não perdeu tempo e revidou, soltando uma Nota Oficial onde deixou claro que discordava da postura da comandante do 28º BPM, Luciana Rodrigues de Oliveira. “Os números divulgados pelo jornal estão no site do Instituto de Segurança Pública que, repita-se, é órgão do Governo do Estado do Rio de Janeiro”, destacou, referindo-se aos números que desagradaram à oficial da Polícia Militar. “Mas o Comando do 28º Batalhão sequer questiona os dados. Questiona, apenas o fato do jornal tê-los divulgado. E o ameaça como ‘inimigo’. Mais: diz até cogitar não passar mais notícias a nenhum outro veículo de Imprensa”, completou Aurélio, que foi além.

 

“A gravidade do fato está não apenas na tentativa de estabelecer uma censura velada ao jornal e aos outros meios de comunicação. Mas no fato do comando de uma instituição estatal armada declarar o jornal como “inimigo”. A postura do Diário do Vale – assim como tem sido a da Imprensa da região – é de colaborar com as autoridades policiais nos limites do interesse público. A relação tanto com a Polícia Civil quanto a Polícia Militar sempre foi de respeito”, pontuou. “Mas jamais de subserviência de nenhuma das partes”, disparou.

 

Na Nota Oficial, Aurélio Paiva também atacou a figura da comandante do 28º Batalhão da Polícia Militar. “A frase do Comando da PM – “ou a Imprensa está do nosso lado ou contra nós” – é de uma prepotência jamais vista na região. O lado da Imprensa é o dos fatos. Se a criminalidade subir, o jornal divulga. Se cair, divulga também. Simples e básico assim”, avaliou. “Isto posto, o Diário do Vale repudia a sua colocação como “inimigo” pelo comando do referido batalhão, lamenta as ameaças veladas de censura e aguarda as providências necessárias para que tal fato não se repita e seja apurado”, concluiu. 

 

Luciana acusou o golpe, e logo tratou de publicar uma nota oficial de retratação. Foi uma nota curta e grossa, parecendo ter sido feita às pressas, inclusive com alguns erros. Um que chamou atenção foi ter se dirigido ao diretorpresidente do Diário do Vale simplesmente como Aurélio, bem informal para um documento oficial da corporação.    

“Peço desculpas ao Sr. Aurélio do DIÁRIO DO VALE e a todos do referido jornal, pelos transtornos causados, informo ainda que esta comandante prima pela verdade e que o papel da imprensa é a divulgação dos dados verdadeiros”, disse.

Tudo piorou

A sorte da comandante do Batalhão do Aço é que o Diário do Vale publicou os números de Volta Redonda só em relação aos homicídios e tentativas de homicídio. Se fosse publicado o relatório completo do ISP, com os números para todos os crimes registrados, Luciana ia ficar muito mais que brava. É que, praticamente, todos os índices pioraram.

 

No período entre janeiro e março de 2019, foram registrados 23 homicídios e 47 tentativas de homicídio, contra 20 e 24, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano passado. Estes foram os números publicados pelo Diário do Vale que enfureceram a comandante. Mas, além disso, os roubos de rua passaram de 90 para 120 no mesmo período, um aumento de 30%. O roubo de carros passou de 6 para 20, ou seja, mais que triplicou. Detalhe: todos esses dados são oficiais. Fazem parte dos chamados Indicadores Estratégicos de Segurança – usados pela secretaria de Estado de Segurança Pública para avaliar a atuação das forças de segurança em todo o estado do Rio.

 

Outros índices com aumento, no mesmo período, foram o de roubos a estabelecimentos comerciais – de 5 para 23; roubo a residências – de 2 para 6; roubo a transeunte – de 74 para 81; roubo de aparelho celular – 10 para 31; roubo de carga – nenhum em 2018, e três até março de 2019; roubo em coletivos – 6 para 8. No total, os roubos em geral tiveram aumento de 61,3%, de acordo com os dados do ISP-RJ. Considerando só as ocorrências registradas em março – na comparação entre 2018 e 2019 – o aumento foi de 82,4%.      

 

Tem mais. Considerando que o mês de abril ainda não tinha acabado, os números atualizados mostram que a violência continua em alta: nas últimas duas semanas foram pelo menos cinco homicídios e seis tentativas de homicídio em Volta Redonda, todos com armas de fogo.

 

Na região, o quadro não é diferente. Em todas as cidades sob a responsabilidade do 28o Batalhão da Polícia Militar (Volta Redonda, Barra Mansa, Pinheiral e Rio Claro), os índices pioraram. Apesar do número de homicídios ter aumentado pouco – de 32 para 34, no período comparado – as tentativas de homicídio aumentaram 28,6% – passando de 63 para 81 – e os roubos no total passaram de 182 para 305 ocorrências (67,8% de aumento). Ou seja, não tá fácil pra ninguém.

Por fora

Algumas fontes com trânsito no 28o Batalhão da PM, ouvidas pelo aQui na condição do anonimato, dizem que a culpa não é só da PM: a intervenção militar no estado do Rio teria ajudado a piorar muito os índices de violência no interior, já que os marginais passaram a migrar para as pequenas cidades, teoricamente menos policiadas. “O 28o é um bom batalhão para se comandar. Em tese, seria tranquilo e ela (comandante) veio pensando que seria fácil ficar à frente do Batalhão do Aço. Só que a intervenção, para o interior, foi terrível”, diz a fonte citando o caso de Angra dos Reis, que virou um inferno.

 

A mesma fonte garante que a tropa do 28º não aceitou as mudanças feitas por Luciana desde que chegou. “Ela mudou muita coisa no policiamento, concentrou os PMs que fazem RAS (Regime Adicional de Serviço, a hora-extra da PMERJ), mudou horários e a forma de se inscrever. Ela é mal vista, esvaziou as companhias para aumentar o efetivo em Volta Redonda, pois o número de mortes aumentou muito. Todos reclamam dela”, disse, lembrando que não quer ser identificada por temer represálias. “Ela já deveria ter saído por conta da piora dos índices e das insatisfações da tropa”, pontuou.

 

Sobre o caso ‘Diário do Vale’, a fonte entende que a repercussão foi péssima. Mas fora do quartel. “Os praças – soldados, cabos e sargentos – não deram muita bola para o que ela escreveu, não. Essa declaração mostra como ela nem pesquisou sobre a região, sobre como é o Batalhão do Aço”, opinou.

Tenente afastada

Há quem entenda que a bravata da comandante do 28o BPM também teria sido motivada por um caso que pegou a todos de surpresa. Foi o da tenente Suellen Bazoni Seródio, que chegou a comandar interinamente a 2a Cia do 28o Batalhão, em Barra Mansa.

Ela foi afastada das funções, ao ser investigada por um suposto envolvimento com traficantes e bicheiros da cidade do aço, junto com outros policiais do batalhão.
A investigação – feita em sigilo pelo comando do 28o Batalhão, com apoio da Corregedoria da PM – teria encontrado mensagens enviadas por WhatsApp entre Suellen e pessoas que seriam traficantes do Eucaliptal, e ainda com contraventores do jogo do bicho, onde ela, teoricamente, estaria dando detalhes sobre operações da Polícia Militar.

A tenente foi alocada para o setor de Relações Públicas do 28o assim que a tenente-coronel Luciana assumiu o posto, no início do ano. Após o anúncio das investigações, ela foi afastada do Batalhão. “O Comando do 28º BPM achou oportuno afastar, além da principal suspeita, outros oficiais com o objetivo de permitir uma melhor elucidação do caso”, disse a Polícia Militar em nota oficial.

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