Reza a lenda que os “pés-rapados” surgiram no século retrasado. Eram pessoas muito pobres, nem cavalos tinham. Aos domingos, para assistir à missa e rezar por dias melhores, tinham que se deslocar a pé e chegavam, quando chovia, com os pés sujos de lama. Na porta do templo, tinham que “rapar” (raspar, limpar) os pés antes de entrar. Havia até pedaços de metal fincados na entrada que serviam para os cristãos mais humildes fazer a “rapagem” e não sujar o chão sagrado. A expressão ‘pé-rapado’ atravessou os séculos, e ainda hoje é usada pelos mais antigos para definir alguém que não tenha posses.
É o caso de alguns dos candidatos a vice-prefeito de Volta Redonda, que declararam ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não terem nenhum bem. Nada de nada. A declaração de bens é obrigatória, mesmo que não haja nenhum rigor ou regulamentação de como ela deve ser feita. O político pode, por exemplo, declarar que não tem nenhum bem. Mas por sua conta e risco, porque, apesar da falta de regras, a declaração pode ser checada pela Justiça Eleitoral, e em caso de inconsistência nos dados, o candidato pode ter seu registro cassado.
Entre os candidatos a vice na cidade do aço, há os dois extremos: milionários e pés-rapados. Neste último caso está a vice de Alexandre Martins (PSB), a contadora Jussara Ferreira (PDT), que informou ao TSSE não ter nadica de nada. O vice de Mônica Teixeira, Lázaro Mendonça, ambos do PSTU, também se encontra nessa categoria. Lázaro, além de não declarar qual é sua profissão, informou à Justiça Eleitoral não ter nenhum bem a declarar.
Por ironia ou coincidência, o jornalista Alexandre Lucas – vice na chapa do candidato mais rico das eleições de 2020 em Volta Redonda, o professor universitário Alexandre Habibe, do Partido Comunista do Brasil, que declarou ter mais de R$ 2,1 milhões – teria que limpar os pés para entrar nas igrejas, caso vivesse há séculos atrás. Na sua declaração, Alexandre (PC do B) garantiu ao TSE não ter nenhum bem.
Em Volta Redonda há ainda uma situação diferente, onde o vice é muito mais rico que o cabeça de chapa. Estamos falando do vice de Dayse Penna (Pros), o empresário Ademar Esposti (PSL). Com um patrimônio declarado à Justiça Eleitoral de R$ 1.492.976, ele coloca no bolso como troco as posses de Dayse, que informou ter um dote de R$ 416.128,25. O empresário, que é evangélico, possui vários prédios residenciais e comerciais (quatro no total), casas (cinco no total), e um apartamento, além de deter participação no capital de várias empresas. Veículos, Esposti só declarou uma GM Zafira Elite, ano 2007/2008, avaliada em R$ 30 mil.
Milionário e Zé Rico
Mas o caso de Dayse e Esposti não é o único. O engenheiro Hermiton, do Republicanos, declarou ao TSE possuir R$ 190,3 mil em bens, enquanto seu vice, o médico Jair Nogueira (Republicanos) informou possuir o nada modesto patrimônio de R$ 1.650.689,50. Na lista de Jair, somente três imóveis – uma casa em Volta Redonda, no valor de R$ 312,5 mil, um apartamento no Rio de Janeiro, avaliado em R$ 930 mil, e lotes de terra em Madaguari (PR), avaliados em cerca de R$ 117 mil. Além disso, Nogueira tem várias aplicações financeiras, participações em empresas, incluindo cotas da Unimed Volta Redonda, no valor de R$ 119 mil, e três veículos: um Renault Duster, 2012/2013 (R$ 34 mil), um Citroën C4 Cactus Feel, 2019/2020 (R$ 70 mil); e um Ford Ka, 2009/2010 (R$ 21 mil).
Outro caso de vice endinheirado aparece na chapa do PSol, partido radical de esquerda, onde Anderson Xavier, professor do ensino médio, aparece com quase dez vezes o patrimônio da candidata a prefeita Juliana Carvalho, professora de ensino médio: enquanto Juliana declarou R$ 29,7 mil, Anderson informou ter um patrimônio de R$ 272,3 mil, que inclui um apartamento (avaliado em R$ 259,4 mil, e financiado pela Caixa Econômica Federal), um Palio EX 1.0 – ano não informado – que valeria R$ 9,4 mil, e R$ 3,5 mil em uma conta corrente.
Caso parecido é o da chapa do PSD, onde o candidato Paulo Baltazar declarou ter R$ 58,8 mil, enquanto sua vice, Alice Colina, declarou possuir patrimônio de R$ 225 mil, com direito a uma casa própria, de R$ 200 mil, e duas cadernetas de poupança, que somam R$ 25 mil.
Outra vice que é mais endinheirada que a cabeça de chapa é Nena Dupré (PV), que declarou R$ 712.050 à Justiça Eleitoral – incluindo um apartamento no Rio de Janeiro avaliado em R$ 700 mil e uma caderneta de poupança com pouco mais de R$ 12 mil. Cida Diogo (PT), que completa a chapa, declarou ao TSE possuir R$ 554.203,29. A história se repete também na chapa do vereador Granato (Solidariedade), que informou possuir R$ 473.332, enquanto seu vice, o empresário Geraldinho do Gelo declarou ter um patrimônio de R$ 524,7 mil, incluindo alguns imóveis – um apartamento de R$ 200 mil e um terreno, com um galpão, quatro apartamentos (mais R$ 200 mil), além do capital total de uma empresa (R$ 67,8 mil) e três veículos, sendo uma I/Hafei Towner, 2010/2011 (R $22,9 mil); um GM Classic LS, 2011/2012 (R$ 16,5 mil); e um Chevrolet Corsa, 2000/2001 (R$ 12 mil).
Na chapa do Avante, o titular Benevenuto Santos tem quase cinco vezes o patrimônio do vice Jorge Badé: o primeiro declarou R$ 675.010 ao TSE, enquanto o último informou um patrimônio de R$ 143.684,23. Os bens de Badé incluem um apartamento, em Volta Redonda, de R$ 20,8 mil, um apartamento em Cabo Frio, de R$ 118.450,23, o FGTS depositado na Caixa Econômica Federal (R$ 1.434), e uma linha telefônica, avaliada em R$ 3 mil. Será que isso ainda existe e valeria tanto assim?
Na chapa “independente” do PT, encabeçada pelo aposentado Cerezo 88, que declarou um patrimônio de R$ 1 milhão, seu vice, Geraldo Ribeiro, que também informou ser aposentado, declarou ter R$ 400 mil em bens, que se resumem a uma casa em Volta Redonda. Já o empresário Evandro Glória, do Cidadania, informou ao TSE possuir um patrimônio de R$ 460,1 mil, enquanto seu vice, o professor universitário Alex Bosco, declarou R$ 74 mil em bens, incluindo dois automóveis – um Volkswagen Gol 2006 (R$ 17 mil) e um Hyunday Tucson, 2012/2013 (R$ 37 mil) – e metade de um terreno em Volta Redonda avaliado em R$ 20 mil. No PCO, enquanto o titular da chapa, Luiz Eugênio, declarou um patrimônio de R$ 655 mil, seu vice, Catta Preta, advogado, declarou possuir R$ 500 mil em bens, que incluem três imóveis em Volta Redonda – sendo dois avaliados em R$ 200 mil e um avaliado em R$ 100 mil.
Meio a meio
O pleito de 2020 em Volta Redonda tem ainda a chapa milionária do Democratas, com o titular, o ex-prefeito Neto, detendo um patrimônio de R$ 1.064.522,46, enquanto seu vice, o engenheiro Sebastião Faria, informou possuir R$ 1.548.047,50 em bens. Faria, que além de atuar em várias autarquias no governo Neto, também foi presidente da CSN, possui em seu patrimônio diversas aplicações financeiras, uma casa em Volta Redonda (avaliada em cerca de R$ 111 mil), um apartamento no Rio de Janeiro (R$ 154,3 mil) e dois automóveis, um Ford Ecosport, 2003 – que valeria R$ 24 mil – e um Honda Civic, 2007, avaliado em R$ 58 mil.
O prefeito Samuca Silva também declarou um patrimônio milionário – cerca de R$ 1,2 milhão -, mas sua vice é bem mais modesta: Fátima Martins declarou à Justiça Eleitoral possuir apenas uma casa em Volta Redonda, no valor de R$ 450 mil.