Roberto Marinho
O Hospital Regional do Médio Paraíba Zilda Arns passou a funcionar na quinta, 29, como havia prometido o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Jr., que esteve visitando a unidade em janeiro. Em dezembro de 2016, às vésperas do Natal, ele e o governador Luiz Fernando Pezão, acompanhados do então prefeito Neto, já tinham ‘inaugurado’ o popular Hospital Regional. O atual prefeito, Samuca Silva, na época nem convidado foi para a festa de inauguração. Na reinauguração, Samuca estava lá. Até discursou. “Se fôssemos esperar para abrir o hospital com 100% de sua capacidade, ele nunca seria aberto”, frisou.
Sem dúvidas, ao abrir as portas, mesmo que funcionando a meia carga, como se diz na gíria, o Hospital Regional gerou uma boa notícia para os cerca de um milhão de habitantes da região, que terão a partir de segunda, 2 de abril, novos serviços de Saúde como Centro de Imagens, Ressonância, Tomografia e Raio X, Eletrocardiograma, Laboratório e 10 leitos de Terapia Intensiva e Enfermaria Infantil, além de 30 leitos de Terapia Intensiva Adulto e Enfermaria Adulto.
Mas quem entende de administração pública e hospitalar deve estar com as barbas de molho. É que para tocar o Hospital Regional, uma Organização de Saúde (OS) da Bahia foi contratada – por concorrência – pelo governo do Estado. Trata-se do Instituto Marrie Pierre – Imapis.
Alguma coisa contra a Bahia? Longe disso, mas lembrando o enorme estrago que outra OSs, – a Geração na Saúde – fez em Barra Mansa, uma fonte ouvida pelo aQui disparou: “É confusão na certa”, aposta. Ela pode estar certa. Ou não. Mas a OS Marrie Pierre, sem conhecimentos específicos na região, teria terceirizado boa parte dos serviços que vai ser responsável à frente do Hospital Regional. A contratação de pessoal, entre médicos, enfermeiros, entre outros, teria sido feita por indicação de políticos, garante uma fonte.
Sobrou até para o ex-prefeito Neto, que teria indicado, revela a fonte, alguns dos profissionais para o Hospital Regional. Seria o caso, por exemplo, de Márcia Cury, que chegou a comandar o Hospital do Retiro na gestão Neto, e que chegou a ser secretária de Saúde de Volta Redonda na gestão Samuca. Disposta a se candidatar à Câmara Federal, Márcia teria desistido do sonho para virar uma espécie de diretora no Hospital Regional, como o aQui já tinha previsto.
Voltando à contratação de OSs para gerenciar hospitais, é bom relembrar que a OS Geração acabou sendo responsável pelo inquérito civil público que o MPF move contra o ex-prefeito Jonas Marins. O comunista chegou, inclusive, a ser afastado do cargo por ordem judicial. A OS deixou Barra Mansa em 2017, quando Rodrigo Drable, logo após assumir o cargo de prefeito, rompeu o contrato que a prefeitura tinha com a empresa. Sem contrato, a OS foi embora devendo o salário de dezembro e o 13º dos funcionários. Confusão pra mais de metro.
O fato é que o aQui procurou saber detalhes sobre a OS Marrie Pierre, empresa que vai tocar o sonhado Hospital Regional. E as coisas se mostraram um pouco confusas. Para começar, o site da OS – www.imapis.com.br – cita como sede da organização um escritório no luxuoso bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Um dos mais caros da capital. O jornal tentou fazer contato com a OS por diversas vezes, em dias e horários diferentes, usando os dois telefones que aparecem no site do Imapis, sem sucesso. Nem caixa postal ‘dava’, como se diz no popular.
Tem mais. O site revela que o Hospital Maternidade Clélia Rebouças – também conhecido como Associação de Proteção à Infância e Maternidade de Mutuípe (Apmin) – seria cliente da OS Instituto Marrie Pierre. Na verdade, seria seu único cliente.
O repórter partiu, então, para tentar descobrir mais detalhes sobre o hospital – que está devidamente registrado no Cnes (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) do Ministério da Saúde – e descobriu que a unidade está localizada na pequena cidade de Mutuípe, no Recôncavo Baiano, que tem 22,8 mil habitantes (estimativa do IBGE em 2015).
Mais uma vez, os telefones divulgados na Internet e que constam até do cadastro do Cnes não atendiam. Ou não completavam a ligação. Foi preciso que o repórter entrasse na ferramenta Google Street View para descobrir o telefone de um estabelecimento comercial da cidade que fosse vizinho da unidade, e então questionasse a pessoa do outro lado da linha se o mesmo saberia dizer o telefone certo do hospital (maternidade). Meia hora depois e uma nova ligação para o bondoso vizinho, o aQui conseguiu o telefone certo do hospital de Mutuípe – ou seria do Instituto Marrie Pierre?
Ligando para o número fornecido, o aQui conseguiu falar com alguém que seria do hospital baiano, e descobriu, entre outras coisas, que a unidade funciona como um hospital geral – e não só como maternidade – e conta com 40 leitos. Ou seja, é um hospital de pequeno porte (até 50 leitos). Além disso, descobriu que o nome Instituto Marrie Pierre, ou sua variação, Imapis, é desconhecido em terras baianas. “Nunca ouvi falar”, disse a atendente com quem o repórter conversou, que afirmou ainda que trabalha no local há pelo menos dois anos.
Nesta ligação, o aQui descobriu ainda que a gerente (ou administradora) do local – Célia Freitas – não estaria no hospital naquele momento. Mais dois dias de ligações frustradas tentando localizar Célia, quando finalmente o repórter foi orientado a ligar para outra pessoa (de nome Marcos) que poderia responder se o Imapis e o hospital seriam a mesma entidade. Ou ainda o que funcionaria no escritório de São Paulo. E, principalmente, quais seriam os planos da OS para assumir o Hospital Regional de Volta Redonda.
Nas ligações para a direção do hospital de Mutuípe, o aQui foi informado que o pessoal da maternidade baiana sabia sim que iria assumir um hospital em Volta Redonda. “Inclusive a D. Célia já viajou para Salvador hoje (segunda, 27), e vai para o Rio na quarta (28), justamente para participar da inauguração do hospital”, informou a funcionária que atendeu o telefonema do repórter. Tudo devidamente gravado, é claro.
Em mais uma etapa da apuração da reportagem, o aQui tentou contato com os novos números que obteve em Mutuípe – um de Salvador, outro do Rio – para tentar entrevistar Marcos, a pessoa que poderia tirar todas as dúvidas sobre o Instituto Marrie Pierre. Depois de mais um dia de tentativas frustradas de ligação, Marcos atendeu o celular. Foi na quarta, 28, véspera da inauguração da unidade. O ruim é que ele logo disse que não poderia responder nenhuma pergunta sobre o Hospital Regional.
Isso não intimidou o repórter do aQui, que insistiu em tirar dúvidas sobre o Instituto Marrie Pierre e a Associação de Proteção à Infância e Maternidade de Mutuípe (Hospital Clélia Rebouças). “São a mesma instituição?”, perguntou. “Sim”, limitou-se a dizer Marcos. “E o escritório em São Paulo?”, disparou o repórter. “Estava para começar um trabalho, que não se concretizou, então abrimos um escritório lá”, disse Marcos. O diálogo continuou: “Quantos leitos tem o hospital de Mutuípe, são mesmo 40 leitos?”, perguntou o aQui. “Entre 50 e 60 leitos, depois que fizemos uma reforma”, disse Marcos. “E é este mesmo hospital da Bahia que vai assumir a gerência do Hospital Regional do Médio Paraíba?”, finalizou o aQui. “Exatamente”, confirmou Marcos.
Ao perceber que a conversa estava se alongando um pouco demais, Marcos garantiu ser “apenas um administrador”, e indicou outra pessoa para falar sobre o hospital de Mutuípe: Carlos Alberto do Espírito Santo, que seria presidente da associação/instituto. Antes de desligar, Marcos revelou que ambos estariam na sede do Hospital Regional, com toda a equipe da maternidade baiana.
Desta vez, bastou uma tentativa e o aQui conseguiu falar com Carlos Alberto, que seria um ex-deputado federal pela Bahia. Muito polido, ele foi enfático. “Infelizmente, não posso te ajudar. Por contrato, qualquer questionamento deve ser feito à SES (Secretaria de Estado de Saúde do Rio). Muito obrigado pela atenção”, disse, encerrando a rápida ‘entrevista’.
“Eu troco”
Até o fechamento desta edição (na tarde da quinta, 29), a secretaria estadual de Saúde não tinha respondido ao questionário do jornal. Mas o titular da pasta, Luiz Antônio Teixeira Jr., disse que não estava preocupado com o fato do Hospital Regional ser tocado por uma OS – que vai receber R$ 3,5 milhões mensais –, tendo como exemplo a malfadada experiência de Barra Mansa.
“Eu tenho uma economicidade de R$ 1,4 bilhão. Em contratos de OS, R$ 800 milhões de redução de custo. Nós estamos fazendo aqui um custo exato para o que está funcionando, um custo enxuto. Então o governo do Estado tem condições de pagar e a OS de fazer o serviço dela, sem gerar nenhum tipo de passivo”, disse ele, que completou: “Óbvio que muito que existe hoje do passivo com as OSs foi porque não houve pagamento integral dos serviços prestados. E obviamente algumas organizações sociais infelizmente atuaram de maneira indevida, e não tiveram um grande cumprimento de metas assistenciais, aí gera esse passivo”, pontuou.
Luiz Antônio também afirmou que a seleção da OS foi “rigorosa”. “Não tenho dúvidas (sobre a capacidade da OS). Fizemos um pregão eletrônico, que dá confiabilidade a essa organização que está tocando a unidade. A gente tem certeza que o valor é justo para este momento, e a gente tem certeza absoluta que não vai deixar nenhum tipo de passivo aqui”, sentenciou.
Questionado se conhecia a OS, o secretário foi enfático. “Estamos conversando direto. Para abrir aqui foi uma obra em conjunto e eles estão empenhados em fazer este hospital, e nosso poder é fiscalizatório”, afirmou Luiz Antônio, garantindo que não terá pudor em trocar a administração do Hospital Regional, caso surja algum problema. “De 50 contratos com Organizações Sociais, eu já troquei mais de 35. Se não funcionar bem a gente substitui, mas no momento temos certeza que vai funcionar bem”, crê. Estamos na torcida.