Roberto Marinho
Feliz coincidência. Na quarta, 5, dia dedicado ao Meio Ambiente, quando prefeitos e ambientalistas se preocupam em plantar algumas mudas de árvores pelos seus municípios, a cidade do aço foi palco de uma ação ambiental sem precedentes. E olha que não era contra a CSN e não envolvia a Igreja Católica, muito menos os Ministérios Públicos Estadual e Federal, que adoram atazanar a vida da siderúrgica. Foi contra um grupo empresarial, o CP, da família Campos Pereira, e pegou, por tabela, a secretaria de Meio Ambiente de Volta Redonda. Tem mais: jogou suspeitas sobre a atuação do próprio Inea (Instituto Estadual do Ambiente), autor da fiscalização que culminou com o embargo das obras na Rodovia dos Metalúrgicos.
Até chegar à tarde de quarta, se passaram longos meses. O aQui, por exemplo, vem publicando matérias sobre o futuro empreendimento do grupo CP desde a edição 1.100, de 2 de junho de 2018 – quando noticiamos que a prefeitura de Volta Redonda iria construir uma rotatória em frente (ou quase) ao Portal da Saudade. Depois, a implantação da rotatória passou a ser cogitada para a entrada do Jardim Belvedere. E, finalmente, retornou ao acesso ao cemitério, já com os Campos Pereira envolvidos no projeto.
O acordo firmado entre o grupo CP e a prefeitura de Volta Redonda, que não chegou a ser anunciado, começou a gerar denúncias de quem passou a conviver com as obras de terraplenagem de uma imensa área da família Campos Pereira, mais exatamente entre o cemitério – único na cidade que ainda pode receber os que vão dessa para uma melhor – e o acesso à região do Jardim Belvedere, ao lado da garagem da Viação Agulhas Negras.
Seu Mauro, patriarca da família Pereira, chegou a dar entrevista ao aQui. Primeiro, negou a existência de uma lagoa e de um riacho na sua área. E, todo orgulhoso, confessou que era procurado por empresários de todo canto. “Todos querem comprar a área”, disse, anunciando que até mesmo uma grande multinacional francesa vivia o assediando. Só não revelou o nome dos franceses.
O aQui, desde então, vem procurando os órgãos ambientais para saber se as obras teriam a necessária licença ambiental e, principalmente, se teriam concordado com o fim da ‘Lagoa do Belvedere’. O Inea se fez de morto, e em resposta a um e-mail, após inúmeros contatos telefônicos, limitou-se a responder que “iria investigar a denúncia”. A prefeitura de Volta Redonda adotou a mesma tática. Tanto um quanto outro fingiam que tudo estava devidamente legalizado e autorizado.
O secretário de Meio Ambiente de Volta Redonda, Maurício Ruiz, que veio de Miguel Pereira depois de perder a eleição para prefeito na cidade natal, chegou ao cúmulo de jurar que na área do ‘seu Mauro’ não havia nenhuma lagoa. “Era um lago artificial”, sentenciou, do alto de uma das 40 mudas de árvores que os empreendedores fizeram ‘o favor’ de plantar em um pequeno trecho da Rodovia dos Metalúrgicos. Só que sua tese foi rio (que ele nega existir) abaixo quando cinco fiscais do Inea (três do Rio e dois de Volta Redonda) chegaram e, de surpresa, entraram nas terras do ‘seu Mauro’ para apurar ‘denúncias’ de que as obras de terraplenagem teriam aterrado uma lagoa e uma nascente. Dito e feito.
A operação
Os cincos fiscais do Inea começaram a fiscalização ainda na manhã de quarta, 5, coincidentemente Dia Mundial do Meio Ambiente. Há quem diga que alguns vereadores e veículos de comunicação chegaram a ser ‘avisados’ do que iria acontecer. Jari foi um deles. Embora, até prova em contrário, ainda não tivesse se pronunciado a respeito, o vereador esteve na área só pra fazer um vídeo para se promover como ambientalista de carteirinha.
No início da tarde, a reportagem do aQui, após receber informações de que a equipe do Inea ainda estaria lá, passou a acompanhar a movimentação dos envolvidos. É bom ressaltar que a reportagem não foi convidada por ninguém para estar no local. Fez apenas o seu papel de procurar saber o que estava acontecendo. Ao encontrar os fiscais, estes informaram que não poderiam dar detalhes sobre a operação, nem sobre os resultados, mas confirmaram que existe a nascente na área, em um minúsculo pedaço de mata que não foi soterrado (foto na página ao lado). “A assessoria de imprensa do Inea vai mandar release”, prometeu um deles.
Pouco depois, ‘seu Mauro’ chegou. Foi um dos últimos a saber da visita do Inea e, pior para ele, que a obra estava sendo embargada. Visivelmente contrariado, mas sem perder o humor, o empresário perguntou de onde eram os fiscais. Ao saber que parte da equipe era do Rio, ele brincou: “Mas com tanto tiroteio no Rio? Eu não sabia que estava cometendo um crime tão grande assim para virem aqui atrás de mim”, ironizou, para emendar: “A população de Volta Redonda não vai gostar de saber que o Inea veio aqui parar essa obra que vai ser um legado para a cidade. Vão ficar muito chateados com o Inea e com a prefeitura”, disparou, ainda irônico.
Mostrando que não tinha assimilado o golpe, o empresário chegou a dizer aos fiscais do Inea que, a partir do embargo, “não iria colocar mais nem um centavo na obra”, porque “já havia gastado muito dinheiro ali” (a estimativa de gasto era de R$ 2 milhões, grifo nosso). Mas não teve choro nem vela. E, já desconsolado, seu Mauro foi obrigado a esperar pacientemente enquanto os fiscais preenchiam a papelada da autuação. O embargo foi feito na frente da reportagem do aQui, e o documento foi entregue ao titular do grupo CP, Mauro Campos Pereira, o seu Mauro, que aparece na foto da página ao lado esperando os fiscais preencherem a documentação.
Ele aproveitou para contar parte da história do empreendimento, afirmando que a lagoa havia sido formada por causa da construção de uma garagem de ônibus na entrada do Belvedere e ainda por conta de uma obra de drenagem que teria sido mal feita, e, por isso, a lagoa não seria natural (argumento que deve ser o que convenceu Maurício Ruiz, do Palácio 17 de Julho, a jurar que a lagoa era um lago artificial).
O aQui bem que tentou conversar mais uma vez com o empresário, questionando-o sobre a nascente e o córrego que o Inea ‘descobriu’ que existem na sua propriedade, e se ele estava ciente de que a obra poderia ter problemas ambientais. Liso como uma pedra de rio, a resposta foi básica para todas as perguntas: “Não sei, eles (Inea) é que estão dizendo que tem problemas”. Quando se deu conta que estava falando com um jornalista do aQui, irritado, mas sem ser grosseiro, seu Mauro disparou: “O que eu acho é que a imprensa tem que pensar no bem estar da cidade”. Ele está certo, é só o que fazemos.
Embargo
Quem também apareceu no local foi o engenheiro Júlio César, responsável técnico da obra. Ouviu as explicações dos fiscais do Inea sobre o embargo e tentou deixar claro que não sabia das restrições de licenciamento. “No termo que assinamos (a PPP em si, grifo nosso), toda a parte de licenciamento ficaria a cargo da prefeitura. Esse era o acordo. Eu não imaginava que houvesse problemas”, afirmou Júlio, referindo-se à propalada Parceria Público Privada (PPP) que a prefeitura de Volta Redonda e o grupo CP teriam firmado.
Os fiscais, por sua vez, explicaram ao engenheiro que, na avaliação do órgão, como houve modificação de cursos d’água e corpos hídricos (nascente, riacho e lagoa, grifo nosso), quem teria que conceder o licenciamento era o Inea. E deixaram claro que Mauricio Ruiz, da secretaria de Meio Ambiente de Volta Redonda, não teria competência legal para liberar as obras de terraplenagem na área próxima da Rodovia dos Metalúrgicos. Os fiscais também colocaram em dúvida o licenciamento dado pela prefeitura para a quantidade de terra a ser movimentada, já que a legislação determina que, acima de 100 mil metros cúbicos de terra, o licenciamento tem que ser feito pelo órgão estadual competente, no caso, o Inea.
Os fiscais apontaram ainda que, pela extensão da obra e pelo impacto nos corpos d’água, o empreendimento – tanto a rotatória quanto o terreno ao lado (do condomínio) – seriam de “alto impacto poluidor” e, por isso, o licenciamento deveria ser dado pelo Inea e não pela secretaria de Meio Ambiente. A existência da nascente, ainda segundo os fiscais do Inea, também colocaria o local como APA (Área de Proteção Ambiental) o que restringiria o seu uso e o licenciamento pelo município.
Júlio César entendeu as explicações dos fiscais, mas mostrou preocupação com os autos de infração que teria recebido da secretaria de Meio Ambiente após os desmoronamentos de terra na entrada do Jardim Belvedere. Vendo que o engenheiro estava preocupado, um dos fiscais procurou tranquilizá-lo. “Você não pode ser autuado duas vezes pelo mesmo crime”, disparou, para logo acrescentar: “Você também poderá apresentar esses argumentos quando for recorrer do embargo’.
Para sorte da população, o engenheiro se preocupou em liberar a parte da obra em que está sendo feita a rotatória. Para conseguir convencer os fiscais, Júlio César contou que o prefeito Samuca Silva “estaria no pé dele” para que o novo acesso fique pronto até o aniversário da cidade do aço – 17 de julho. Usou ainda o argumento dos transtornos que a obra estaria provocando no trânsito da Rodovia dos Metalúrgicos e nos bairros ao entorno.
Tem mais. Afirmou que os trabalhos teriam provocado o rompimento de uma adutora do Saae-VR por três vezes, e que isso poderia ocorrer mais uma vez. É que, segundo ele, seria necessário aterrar e compactar o solo em um local próximo à entrada do Belvedere, para que a adutora fosse fixada ao solo e não aconteçam novos vazamentos. Com o embargo decretado, isso poderia ocorrer, lembrou.
A fiscalização decidiu acatar o pedido de liberação apenas das obras da rotatória. Se ela vai ficar pronta a tempo de ser inaugurada pelo prefeito Samuca Silva em 17 de julho, data de aniversário de Volta Redonda, isso é outra história. É que, irritado com a presença dos fiscais do Inea e do aQui, o patriarca dos Pereira chegou a dizer que, a partir daquele momento, nada mais faria pelo município, onde é um dos grandes latifundiários. “Não ponho mais um centavo aqui”, disse seu Mauro.
No entanto, na maior parte do terreno onde ‘seu Mauro’ pensa criar um condomínio (residencial ou industrial), as máquinas da empresa contratada pelo grupo CP terão que ficar desligadas por um bom período. Só voltarão a funcionar caso os advogados do grupo empresarial consigam derrubar o embargo na Justiça, ou seu Mauro volte a ficar calmo, e faça um acordo (TAC) de recuperação ambiental da área, incluindo ações para a lagoa e a nascente que iam para as cucuias se nada fosse feito.
O show
Cerca de 40 minutos depois da chegada do engenheiro responsável pela obra, o secretário de Meio Ambiente de Volta Redonda, Maurício Ruiz, que sempre negou a existência da lagoa e da nascente do Belvedere, deu as caras. Chegou meio esbaforido, e após ouvir dos fiscais que a obra havia sido embargada, e que a licença não poderia ter sido dada pela prefeitura, tentou retrucar.
“Acho que o embargo é uma medida muito dura, vocês não poderiam fazer isso. A prefeitura pode dar a licença, porque aqui não era uma lagoa”, disse do alto da sua empáfia, procurando “dar uma enquadrada” nos fiscais.
O discurso de Ruiz não durou muito. Foi interrompido por um fiscal. “Como é o seu nome mesmo? Maurício? Então, Maurício, o que temos para hoje é o embargo. Nosso trabalho é esse, viemos aqui e constatamos as irregularidades: a existência de uma nascente, uma lagoa que foi aterrada, e um córrego que foi canalizado e que teve o curso alterado. Por isso o ‘senhor Mauro’ já foi comunicado do embargo”, disparou.
Atônito, meio que caindo em si, o ex-candidato a prefeito de Miguel Pereira, insistiu retrucando – “ali não era lagoa” – e passou a citar legislações que supostamente embasariam sua tese. Cansados da lengalenga do secretário – que chegou depois da situação ter sido resolvida, pelo menos em relação ao ponto que interessa ao prefeito Samuca Silva, que é a construção da rotatória – uma dos fiscais interrompeu novamente Ruiz, e disparou: “A definição legal que o Inea utiliza não é essa, e nós somos o órgão responsável por esse licenciamento. Vocês se precipitaram. Quando recebemos um pedido de licenciamento, vamos ao local verificar, e vocês deveriam ter feito isso”, disse, referindo-se ao fato de existir comprovadamente uma nascente na área.
Ruiz não se deu por vencido e, mais uma vez, esquecendo-se da nascente, disse que o curso d’água havia sido modificado porque o córrego passaria ao lado da Rodovia dos Metalúrgicos, e por isso seria de interesse social. Foi além, disse que o córrego estaria degradado e, em alto e bom som, garantiu que ele poderia ter dado o licenciamento ao grupo CP.
Novamente foi interrompido. “A questão é que eu também acompanho os licenciamentos para o DER-RJ (Departamento de Estradas de Rodagem do Rio de Janeiro) e, pela legislação, não é só porque um córrego está ao lado de uma rodovia que pode ser considerado de interesse social. Isso precisa ser analisado caso a caso, e não foi feito aqui”, disseram os fiscais, já visivelmente aborrecidos com a postura do secretário de Meio Ambiente.
Para amenizar o clima tenso, um fiscal chegou a afirmar que “a lagoa ou represa” do Belvedere era um lugar que teria acumulado água durante um longo período de tempo, suficiente para “criar uma biota, um bioma” (um habitat para algumas espécies, sejam animais ou vegetais, grifo nosso) e que, portanto, “o local agora era tutelado pelo Estado”. E lembrou a Ruiz que todos poderiam recorrer do embargo, sugerindo que os interessados – secretaria de Meio Ambiente, prefeitura de Volta Redonda, o engenheiro Julio Cesar, e ‘seu Mauro’ – fossem à sede do Inea no Rio para tentar regularizar a situação.
Foi a deixa para que os cinco fiscais começassem a se despedir de todos, inclusive do aQui, e de Ruiz, que passou a falar como um desesperado ao telefone. Já eram 17 horas, de um longo e exaustivo dia em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente.
Passe de mágica
Cerca de duas horas e meia após a fiscalização ter ido embora e após a notícia do embargo ter se espalhado pelas redes sociais – graças à postagem do aQui, único jornal que acompanhou o embargo das obras – o Inea divulgou uma nota oficial, assinada pelo presidente do órgão, Cláudio Dutra, afirmando que a obra não teria sido embargada. Ou seja, quis desmentir o jornal e, por tabela, jogou no lixo o trabalho dos fiscais do Inea que passaram o dia inteiro apurando as irregularidades em uma obra que o próprio Inea fazia questão de não ver.
Segundo Cláudio Dutra, o Inea teria solicitado apenas uma “paralisação parcial da intervenção no corpo hídrico”, seja lá o que isso quer dizer. Não satisfeito, afirmou que “pela Lei Complementar 140 o licenciamento da obra (do grupo CP) em questão é (seria) municipal”. A colocação não agradou aos fiscais que fizeram o embargo. Segundo uma fonte que pediu anonimato, a reação dos mesmos teria sido de perplexidade. “Trabalho perdido”, teria sentenciado um deles, segundo a fonte.
A fonte vai além. Diz que o presidente do Inea teria decidido mudar o rumo da fiscalização depois de alguns telefonemas que teria recebido. “A assessoria de imprensa do Inea ia soltar uma nota sobre o embargo. Virou uma notinha para desmentir o jornal”, disparou, garantindo que o documento do embargo teria sido guardado a sete chaves no gabinete de Daniela Vasconcelos, que representa o Inea na região. Ela, para quem não sabe, trabalhou na secretaria de Meio Ambiente de Volta Redonda no governo Neto, depois virou titular da pasta no governo Samuca, e agora comanda o Inea em todo o Sul Fluminense. Ou seja, está capacitada a dizer tudo sobre o licenciamento das obras de terraplenagem na Rodovia dos Metalúrgicos.
Em paralelo, a secretaria de Meio Ambiente de Volta Redonda também soltou uma nota e, nela, a operação de fiscalização do Inea passou a ser uma “visita técnica”, e que a operação teria confirmado “as notificações e auto de infração ao empreendedor por esta secretaria, paralisando as intervenções na área úmida e solicitando recuperação da área”. Tem mais. A pasta de Ruiz se preocupou em dizer que a obra da rotatória estava “liberada para prosseguimento”.