Roberto Marinho
‘Enquadro’, ‘dura’, ‘baculejo’, ‘geral’, ‘sacode’. Não importa o nome, a revista pessoal que a polícia faz de forma aleatória em qualquer cidadão que ela considera suspeito – isto é, sem qualquer indício aparente de que ele tenta participado de algum crime – pode estar com os dias contados. Pelo menos no que depender da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou ilegal a busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva dos agentes sobre a aparência ou atitude suspeita de quem quer que seja.
A decisão do STJ foi tomada em cima de um caso ocorrido em Vitória da Conquista, na Bahia, quando um homem foi revistado por policiais sob a argumentação de que ele teria “aparência suspeita”. Com o homem foram encontradas dezenas de porções de maconha e cocaína, além de uma balança de precisão. No entanto, o STJ considerou a busca ilegal, ainda que os policiais tenham encontrado as drogas. Resultado: o acusado teve um habeas corpus aprovado pelo tribunal.
Na avaliação do ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, como os policiais não alegaram nada além da “atitude suspeita” para realizar a abordagem, não seria possível justificar a conduta policial. Tem mais. Disse que a violação das regras legais para a busca pessoal torna as provas obtidas ilícitas, possibilitando até a responsabilização penal dos policiais envolvidos. Por isso o magistrado defendeu – assim como a Sexta Turma em julgamentos anteriores e o próprio STF – o uso de câmeras pelos agentes de segurança. Na avaliação de Schietti, as câmeras “coíbem abusos por parte da polícia e preservam os bons agentes de acusações levianas”.
Na avaliação dos integrantes da Sexta Turma – formada por cinco desembargadores –, as revistas pessoais são discriminatórias e produzem poucas provas. No voto apresentado para os colegas, o relator afirmou que uma das razões para exigência de indícios sólidos para a revista pessoal é “evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.
“Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc”, declarou Schietti no voto, revelando que as estatísticas oficiais das secretarias de segurança pública de todo o país mostram que só são encontrados objetos ilícitos em 1% das revistas pessoais – ou seja, a cada 100 pessoas revistadas pela polícia no Brasil, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade.
Além de ineficientes, Schietti afirmou que essas práticas da polícia contribuem para “a piora de sua imagem perante a sociedade, que passa a enxergá-la como uma instituição autoritária e discriminatória”.
Nota da redação: O aQui procurou a assessoria de comunicação da Polícia Militar do Estado Rio para comentar como a mudança poderia afetar o trabalho dos PMs, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.