Salvem a Matriz!

0
264

Por Vinícius de Oliveira

Depois de protestos inflamados, manifestações públicas vorazes e até de uma ameaça de levar o caso ao Papa Francisco, finalmente a cúpula da Diocese de Volta Redonda-Barra do Piraí decidiu mandar parar as obras no mosaico que enfeita o altar da Paróquia São Sebastião, matriz de Barra Mansa. Conforme o aQui noticiou na semana passada, a intenção da Igreja era modificar totalmente o adorno, quase que centenário, e construir um novo, muito mais simples, com motivos que fariam referência à Sagrada Família.

 

Um dos pretextos utilizados pelo responsável pela Matriz, padre Milan, para justificar a obra que é contestada por boa parte dos fiéis da sua paróquia era que o mosaico foi feito com símbolos da Maçonaria, já que no desenho, entre outras representações, haveria um triângulo. A desculpa não agradou e nem convenceu. Tanto que católicos, curiosos de plantão, conselheiros de Cultura e até a Fundação de Cultura, órgão ligado à prefeitura de Barra Mansa, com status de secretaria, se mostraram preocupados com o que poderia se configurar como a destruição de um bem material do município.

 

À imprensa, a Diocese chegou a dizer que o tema fora discutido com integrantes da paróquia e do Conselho, instância maior de uma igreja católica. Argumentou ainda que os conselheiros teriam se mostrado a favor do projeto que modificaria o mural. Contudo, em entrevista concedida ao aQui, Anderson Henrique, coordenador de uma das comunidades eclesiais ligadas à Matriz, disse que não foi bem assim. “De fato, o padre Milan chegou a comunicar, em Conselho, a intenção de se reformar o mosaico. Realmente parte das lideranças religiosas concordou, mas não sabia, até então, que a intenção era mudar tudo”, avaliou.

 

Anderson explicou ainda que os fiéis foram pegos de surpresa e tomaram conhecimento das reais intenções da cúpula católica ao longo dos dias. “O pessoal foi tomar pé da situação só no sábado retrasado (8 de novembro, grifo nosso), quando o projeto completo foi apresentado. Daí, cientes do que realmente aconteceria dentro da igreja, as pessoas ficaram contra”, afirmou o coordenador, salientando que mudar de forma tão drástica o mosaico seria um atentado contra a cultura de Barra Mansa. “Sabemos que a Matriz é um patrimônio da cidade. Um bem cultural muito antigo que não pode se perder dessa forma”, pontuou.

 

Ele não foi o único a se manifestar. Figuras ilustres da sociedade barramansense também fizeram questão de demonstrar desagrado ao projeto. Foi o caso do ex-vereador e advogado Ricardo Maciel. “Meu avô e meu pai sempre me disseram que os azulejos foram doados por centenas de pessoas, numa campanha da diocese, na última reforma. Então, há um terrível desrespeito, aos fiéis descontentes com o ato unilateral, à lei e à memória de centenas de doadores que contribuíram para a grandeza de nossa matriz”, disse.

 

Quem também se manifestou criticamente a respeito foi o padre Nilton Guimarães Gonçalves, ex-pároco da matriz, atualmente na Diocese de Belo Horizonte. À imprensa, ele disse que o motivo para a reforma seria um devaneio do atual religioso responsável pelo templo, que estaria convicto de que o painel tem influência maçônica. “O pároco atual tem a psicótica ideia de que o painel é de inspiração maçônica. Incomodam-no o triângulo e os raios que dele emanam. O triângulo é símbolo da Trindade, com seus raios a iluminar a criação e a humanidade, no centro do qual está o Cristo Crucificado. Deveriam fazer curso de arte religiosa”, ironizou.

 

O povo – de Deus ou não –, sensibilizado com o caso, resolveu no último dia primeiro dar um abraço simbólico em torno da Matriz (foto) como forma de protesto contra as obras já iniciadas no interior da igreja, que segue fechada, abrindo as portas apenas para as missas dominicais. Contudo, Anderson garante que os pedreiros foram dispensados e a reforma segue parada à espera de um desfecho do imbróglio. “O que de concreto posso dizer é que a obra está parada. Dependendo apenas do parecer da Fundação de Cultura. Esta vai dizer se a reforma continuará ou não”, contou o coordenador, frisando que se o órgão municipal aprovar o projeto, os manifestantes vão recorrer não só ao Papa, mas, também, à Justiça. “Por isso estamos recolhendo assinaturas. Elas servirão, num futuro próximo, para fundamentar alguma ação a fim de impedir o avanço das obras. Vamos levar o caso a todas as instâncias: para a CNBB, para o Vaticano e para a Justiça”, prometeu.

 

Para o historiador Djalma Augusto, vice-presidente do Conselho de Cultura de Volta Redonda, a obra dentro da Igreja representa uma literal falta de educação sobre bens materiais. “É necessário uma educação patrimonial na sociedade como um todo, para que não ocorram problemas dessa natureza nas escolas públicas e privadas, para que, no futuro, não vejamos mais estátuas quebradas em diversas cidades e pichações nos monumentos”, criticou o professor de história. “Quando se conhece a cultura e a história do seu município, fica mais fácil a preservação para as gerações futuras”, completou.

 

Quando questionado sobre a possível existência de símbolos maçônicos no mosaico original da Matriz, Djalma esclareceu que pode ser verdade, já que a prática da maçonaria é oriunda do catolicismo, mas que isso não seria um fato pecaminoso. Muito pelo contrário. “O imbróglio da descaracterização do altar da Igreja Matriz de Barra Mansa está pautado em uma possível imagem maçônica na Matriz, vista como um espectro perigoso perante os mais extremistas da Igreja. Não sou maçom, mas eu lhe digo que 90% das Igrejas barrocas nas Minas Gerais, Salvador, Olinda, Recife, Rio de Janeiro entre outros locais, têm o capital dos maçons. Os maçons eram, na Idade Média, os templários e estes eram católicos. Ou seja, a maçonaria é filha da Igreja Católica”, argumentou, apimentando a polêmica iniciada pelo padre Milan.

 

Outra questão que permeia a discussão em torno da obra de reforma é o fato da Matriz ser tombada como Patrimônio Histórico de Barra Mansa e, por isso, não poderia ser tocada sem a supervisão técnica adequada. Entretanto, Djalma esclareceu que o processo de tombamento ainda não foi totalmente finalizado. “O que falta na Igreja para que se torne efetivamente tombada é o livro do tombo, o registro oficial para que a edificação não seja alterada na parte interna e externa. O tombamento é feito por via municipal e está em um pro-cesso irreversível. Depois de tombado, não poderá ser destombado”, pontuou.

 

Djalma disse ainda que o imbróglio pode demorar muito tempo para ser resolvido. “A obra na Igreja foi embargada e já virou uma novela que poderá se arrastar. Só que, para que o processo se concretize totalmente, o tombamento precisa ter o aval do Conselho de Cultura, secretaria de cultura e, se precisar de um suporte técnico mais complexo, deve-se pedir o auxílio do Iphan ou do Inepac”, explicou o historiador, salientando que a Diocese poderá ter que restaurar o que já foi mexido. “Pela Lei do Tombamento, deve ser restaurado com o auxílio técnico para que se mantenha a estética da Igreja com o capital da Igreja. Ela é responsável por esse imbróglio todo”, afirmou.