Vinícius de Oliveira
Pouco a pouco o prefeito Samuca Silva (Podemos) está aprendendo, da maneira mais difícil, que a máxima responsável por sua escalada ao poder – que Volta Redonda não precisava de políticos, mas, sim, de gestores – não funciona tão bem assim. A última lição culminou com a queda da secretária de Cultura, Márcia Fernandes, cujo pescoço teria sido encomendado por políticos, incomodados com as ‘inventivas’ da moça.
Para o leitor entender o que provocou a demissão de Márcia, vamos usar a própria cultura para explicar o ocorrido. Você que nos lê provavelmente conhece a famosa canção ‘O Pato’, de Vinícius de Moraes. Narra as peripécias de um pato que, de tanto aprontar, foi parar na panela. Pois bem. O mesmo se deu com a secretária. ‘Pata aqui, pata acolá’ (com a permissão da licença poética), Márcia foi se metendo onde não devia, pintou vários canecos, surrou galinhas, bateu em marrecos escandalosos. Quando deu por si, havia levado um coice para fora do Palácio 17 de Julho.
Artistas e militantes das redes sociais foram os que mais se incomodaram com o tombo de Márcia. Além de colher assinaturas pelo Facebook pedindo a volta de Márcia, chegaram a pensar em realizar manifestações contra Samuca. “É um retrocesso a saída dela [Márcia]. Era, sem comparação, a secretaria que mais funcionava e desenvolvia projetos. Foi a mais democrática e dialogou com as minorias. Foi um escândalo. Um dos problemas da prefeitura é escutar demais quem não concorda com a política que a secretária estava desenvolvendo”, reclamou Carlos Eduardo Giglio, artista de rua e poeta.
Contudo, nem as manifestações mais criativas e virtuais foram capazes de manter Márcia no cargo, afinal de contas até sua irmã teria ajudado a pôr fim em sua curta trajetória no governo Samuca. A primeira peripécia da ex-secretária foi declarar apoio à polêmica Roda de Rima, um evento alternativo de cultura realizado no coração da Vila Santa Cecília e que consiste em batalhas de rap, apresentações musicais diversas e discotecagem. A proposta não foi bem digerida pelos moradores e empresários do bairro, tido como bem conservador.
Drogas
O presidente da Câmara, Sidney Dinho, conhecido por defender a chamada tradicional família brasileira, foi o que mais se posicionou de forma contrária à decisão de Márcia de apoiar a Roda de Rima. Chegou a usar a Tribuna para criticá-la e deu a entender que, se alguém atentasse contra a vida de um dos participantes ou moradores, a culpa seria dela (Márcia). “Para mim foi uma irresponsabilidade a secretária declarar apoio a um evento desse tipo, onde pessoas de vários bairros – ou como gostam de dizer, facções – se reúnem. Muitos mal-intencionados usam a roda de rima, infelizmente, para traficar ou resolver suas rixas. Sem um policiamento adequado nunca poderia ter acontecido”, criticou Dinho.
Na terça, 3, em entrevista exclusiva ao aQui, 24 horas após sua demissão, Márcia contou que não deu ouvidos às reclamações de Dinho acerca de seu apoio à Roda de Rima. “Ele me chamou de irresponsável e isso não é verdade. Sempre fiz meu trabalho com muita responsabilidade e coerência, seguindo o que exigem as leis. Não é à toa que sou respeitada no meio cultural. Tenho uma história longa na área e esta deve ser levada em consideração. Por isso, preferi ignorar tudo o que ele disse”, comentou, dando de ombros. “Certamente ele não conhece o meu trabalho”.
Mas, tal qual o pato de Vinícius de Moraes, Márcia não sossegou e logo, logo fez uma nova peraltice, a de comprar a briga da comunidade LGBTIQ de Vota Redonda, ao garantir a realização da 5ª Parada do Orgulho Gay. Tão ou mais polêmica que a Roda de Rima, o evento dos homossexuais já havia perdido a essência quando se soube que o mesmo, com escolta da Guarda Municipal, poderia acontecer na Praça da ETPC, bem longe dos olhares tradicionais da sociedade voltarredondense.
Contrariados, os militantes da causa gay, com aval de Márcia Fernandes, aceitaram realizar a Parada na Praça da ETPC. Dinho chiou. E passou a garantir que a falta de organização da Parada Gay não era suficiente para garantir o bem-estar físico de todos. Além da sujeirada que seria deixada por cerca de sete mil pessoas que eram esperadas na pracinha da Sessenta.
Por conta dos dois eventos, Márcia e Dinho chegaram a se estranhar pessoalmente. Uma vez, no gabinete da secretaria de Cultura. A outra foi no gabinete do prefeito, presenciada por Maycon Abrantes, vice-prefeito. Dinho e Márcia não confirmaram a história, mas fontes garantiram que o encontro foi tenso e que Márcia saiu totalmente abalada.
“Mais uma vez a secretaria de Cultura apoiou um evento sem a garantia dos trâmites legais junto às Forças Armadas. Só que no caso da Parada Gay a proporção foi muito maior que a da Roda de Rima”, justificou Dinho, ao falar sobre o evento gay na Praça da ETPC. “Os organizado-res do evento só tinham em mãos o pedido de policiamento para o local. Sem o devido ‘nada a opor’ do comandante da Polícia Militar, não fora garantido um efetivo adequado para o público estimado. Minha crítica não tem nada a ver com o fato de ser um evento para o público gay, mas, sim, com a falta de cuidados básicos com a segurança. Você que vai a um evento do tipo tem o direito de voltar ileso para casa”, completou.
Márcia se defendeu. Disse que o coordenador do ‘VR Sem Homo-fobia’, Natã Teixeira (outro desafeto de Dinho, grifo nosso), tinha o ‘nada a opor da PM’. E explicou que a legislação varia de acordo com o tipo de evento. “Dinho está interpretando a Legislação do jeito dele. A Parada não tinha estrutura de palco e aconteceu numa praça. O que a prefeitura podia fazer, em termos de estrutura, ela fez. Disponibilizamos banheiros químicos, guardas municipais, e a equipe de limpeza já estava escalada para recolher o lixo no dia seguinte. E, mais importante, não houve caso de violência”, rebateu.
O salvo conduto de Márcia estava na tal ‘Corrida Maluca’, que aconteceu domingo, dia 1, que ela esperava reunir centenas de amantes das antigas corridas de carrinhos de rolimã. Ela postou errado. Os corredores não chegaram a 30, e o público nem chegou a 100, deixando o moral da ex-secretária ainda mais baixo, afinal o mico foi parar no colo do prefeito Samuca Silva.
As justificativas e boas intenções de Márcia não a livraram da panela, ou melhor, da demissão. Em nota divulgada via Facebook, Samuca não disse muito, mas garantiu que a saída da ex-secretária teria ocorrido por mudanças administrativas. E detalhe: ‘pela insatisfação popular’. Márcia não concorda.“Não entendi quando vi a nota do prefeito. Ele diz que a população não estava tão satisfeita. Definitivamente não é o que tenho visto. Desde que fora anunciada a minha saída, tenho recebido declaração de apoio de diversos lugares. Até de fora do Brasil. Pessoas ligadas à Cultura se manifestaram a meu favor”, rebateu, garantindo que, no reservado, Samuca teria dado a entender que não suportaria por muito tempo a pressão dos políticos. “Samuca me chamou no gabinete. Disse que eu havia me tornado uma corda tensa, prestes a arrebentar a qualquer momento. E, caso isso acontecesse, poderia prejudicar o governo”, revelou. Ao aQui, Dinho foi taxativo. Garantiu que nem pessoalmente, nem em nome da Câmara, pedira a cabeça de Márcia. “Embora eu tenha reunido documentos que poderiam me garantir entrar com uma representação no Ministério Público contra ela, não pedi em momento algum que fosse demitida. Acho, inclusive, que ela entende muito do assunto e não posso negar que ela deu os primeiros passos para garantir espaço para as minorias. Mas penso que fez tudo com muita pressa”, resumiu.
Lenha na fogueira
Há quem diga que a pressão para tirar Márcia Fernandes do cargo não partiu apenas da Câmara ou da insatisfação popular. Pode ter saído também de uma das salas do Palácio 17 de Julho. É que a irmã da ex-secretária, Marinez Fernandes, anunciou pelas redes sociais que estaria disposta a se candidatar à Assembleia Legislativa, o que vai de encontro ao o sonho do vice-prefeito Maycon Abrantes de se lançar à Alerj.
Assim como Márcia, Marinez faz parte do Instituto Dagaz, que promove esporte e cultura em Volta Redonda. E, pensando em 2018, teria pleiteado ao governo Samuca a cessão do prédio de um antigo Cras, o do bairro Verde Vale. O imóvel pertence ao município e está desocupado desde que as unidades ganharam novas sedes. A ideia, segundo Marinez, era transformar o local num espaço cultural. O que ela não sabia é que o próprio Samuca tem um projeto para o local, a ser anunciado em breve.
Foi por isso que a prefeitura não liberou o prédio para as duas irmãs. Insatisfeita com a negativa, Marinez bateu boca com um dos assessores diretos do prefeito, Marcos Vinícius Convençal, o Marcão, via Facebook. “O que representamos se nem um prédio de Cras desocupado podemos ter? Fala sério. Fui parceira o tempo todo, acreditei, apostei neste governo que acreditava em gestão. O olhar está para o lado errado. Sinto muito. Amizade posso ter contigo, mas é muita mágoa”, desabafou Marinez. Não satisfeita, anunciou a ideia de se lançar na política, sem dizer para qual Palácio estava lançando suas farpas.
Marcão rebateu: “A questão não é pessoal. Se cederem a você um prédio desocupado, por que não ceder a outra instituição? A coisa pública é destinada a todos. Menos emoção e mais razão”, pontuou. Marcão foi além. Mencionou o desejo de Marinez de se candidatar a uma vaga na Alerj. “Você tem todo direito de pleitear um cargo público. Mas queria te deixar a seguinte experiência de vida política: ‘política não se faz com o fígado!’”. Ele está certo.