A temperatura, que já era insuportável para quem mora em Volta Redonda, subiu a estratosféricos 100 graus na sombra quando o primeiro botijão de gás de cozinha, no sentido figurativo, explodiu nos salões luxuosos da Associação Comercial de Volta Redonda, com labaredas respingando até na sede do Palácio 17 de Julho. Entre os feridos (ainda simbolicamente) estavam dois empresários do setor de venda de GLP – Gás Liquefeito de Petróleo. Um deles, o próprio presidente da Aciap-VR, Joselito Magalhães. Outro, o dono de duas revendedoras de gás, Rafael de Oliveira Andrade, o Rafael do Gás, como é conhecido.
A disputa entre os dois acabou parando na 93ª Delegacia de Polícia de Volta Redonda, onde cada um apresentou sua versão para a trama, que teve discussões acaloradas pelas redes sociais, com direito a supostas ameaças, e que culminou com um incêndio suspeito, que deverá ser investigado pela Polícia Civil. Tem mais. Na DP, tanto Joselito quanto Rafael fizeram questão de registrar um Boletim de Ocorrência, o que deu ares oficiais ao caso, que foi considerado fake news (política, inclusive) pelo prefeito Samuca Silva, ao defender Joselito, que é secretário de Desenvolvimento Econômico do seu governo.
O BO feito por Rafael – documento a que o aQui teve acesso – foi feito na segunda, 4, e, nele, o empresário relatou a ocorrência um incêndio, criminoso na sua versão, em um dos depósitos de gás que ele possui no bairro Nova Esperança, na Rua PG. Um caminhão pequeno e dois carros foram danificados no incêndio, que ocorreu no sábado, 2, de madrugada. Quem deu o alerta do fogo, por volta das 4h30min, foi Mauro, de 67 anos, pai de Rafael. O idoso mora – com a mãe do empresário – em uma casa vizinha ao depósito de gás.
No BO, Rafael envolveu o nome do presidente da Aciap-VR, Joselito Magalhães, afirmando aos policiais que o concorrente teria ligado para ele na quinta, 31, “alegando que o comunicante (Rafael, grifo nosso) estaria tentando ‘tomar’ alguns clientes dele, e ‘que se continuasse, isso não ficaria assim’”, como consta do registro da ocorrência na delegacia de Volta Redonda. Para tentar provar sua suspeita, Rafael entregou uma cópia da gravação entre ele e Joselito.
No dia do incêndio, exatamente às 7h02min, Rafael fez uma postagem em uma rede social, com fotos dos veículos ainda pegando fogo. “Mais um livramento de Deus.. Só tenho a agradecer, mesmo perdendo quase 3 carros. Mais de uma semana parado no depósito, meu carro pegou fogo hoje 4hs da manhã sozinho. Livramento, ninguém explica Deus. ‘E Deus te diz hoje, mais uma vez: confia em mim, filho. Entrega pra mim, Eu vejo além de você, tudo o que Eu faço é o melhor, deixa Eu tomar o controle dessa situação e tudo vai dar certo. Eu sou teu Pai e cuido de ti’”, postou, sem citar Joselito.
Logo em seguida, o áudio com a ligação de Joselito para Rafael (cuja cópia foi entregue aos policiais) começou a circular em grupos de WhatsApp. Só que, ao mesmo tempo, começaram a surgir textos ligando o incêndio suspeito à atuação de milicianos. Como a internet aceita de tudo, a polêmica se espalhou como rastilho de pólvora. Foi um ‘bujão’ explodindo a cada postagem.
Em entrevista exclusiva ao aQui, Rafael afirmou que a disputa com Joselito é antiga. Garante que houve outras ligações recheadas de ameaças, mas jura que ele não foi o responsável por espalhar o áudio da conversa que teve com o presidente da Aciap-VR. Diz ainda que não tem a ver com texto nenhum, político ou não, a não ser o que publicou no sábado, dia do ocorrido. “Não espalhei nada para ninguém, passei só para dois amigos meus – um advogado e um policial – para que eles me orientassem. Eles me disseram para fazer o registro na delegacia, porque estaria clara a ameaça”, afirmou Rafael, que calcula o prejuízo que teve com o incêndio de R$ 45 mil a R$ 50 mil, já que os veículos não tinham seguro.
Também em entrevista exclusiva ao aQui, o presidente da Aciap-VR, Joselito Magalhães, confirmou que a voz no áudio é realmente dele, e que o tom áspero da conversa com Rafael se deve unicamente à disputa comercial entre eles. Que o papo nada amigável seria comum no setor. “O mercado é dessa forma, a gente fala normalmente assim. Não só com ele (Rafael), mas com outros revendedores. É sempre esse o tom. Sempre que a gente se encontra e conversa sobre o mercado, como qualquer outro comerciante, é assim”, revela Joselito, que afirma estar sendo vítima de difamação. Que vem sofrendo ‘um linchamento virtual’.
Da conversa com os dois empresários, o aQui selecionou as versões que cada um apresentou e as transcreve a seguir, para que o leitor possa compará-las.
Gravação
“Foi de fato uma discussão calorosa, mas pra quem ouve é muito pior do que pra quem estava ali de fato na conversa. Não houve ameaça que não no campo comercial. Isso (a ligação) já era conse-quência de alguns desentendimentos comerciais que a gente tinha há algum tempo”, diz Joselito.
“Ele já fez isso outras vezes, só que agora eu consegui gravar”, diz Rafael
Disputa de preços
“Tudo se fala em torno de represálias comerciais, que eu ia agir, em função de um assédio que ele vinha fazendo aos meus revendedores embandeirados. Não é em relação ao consumidor final. Para o consumidor final, o preço é livre, cada um faz o preço que pode. Mas quando se fala em revendas, elas são embandeiradas, tem outra política de preços”, afirma Joselito.
“O preço é livre, o cliente tem o direito de pesquisar preço. Faço tudo o que eu posso para vender e para ajudar. Dou desconto, cubro preço. Agora, você dar desconto é bagunçar o mercado?”, retruca Rafael.
Cartel
Ambos negaram a existência de cartel (combinação de preços entre revendedores) do gás em Volta Redonda.
Textos na internet
“Eu acho que a coisa foi muito precipitada, ao ponto de chegar às redes sociais e as pessoas com-partilharem isso. E ainda teve compartilhamento, não se sabe a autoria, de pessoas atribuindo essa ação à milícia, e não tem milícia na nossa cidade. Volta Re-donda não tem problema de milícia em nenhuma área”, afirmou Joselito.
“Esse texto que apareceu aí, negócio de milícia, Samuca, não fui eu. Não falei nada de prefeito. Pode ver que o Samuca, quando foi falar na rádio (ver box), disse: “Eu creio que o Rafael não fez o texto, é fake news”. Eu não tenho nada contra o prefeito. Meu negócio é gás, eu e Joselito, e isso ele (Joselito) faz comigo desde a época que o Neto era prefeito”, comparou Rafael.
Incêndio
“O fogo foi no depósito no Coqueiros (onde moram o pai e a mãe de Rafael, grifo nosso). Você acha que eu iria arriscar que meu pai e minha morressem e botar fogo em R$ 45 mil meus?”, argumenta Rafael.
“Ele (Rafael) não tem como atribuir a mim (o incêndio), sem ter uma perícia que constate, primeiro que aquilo foi uma ação criminosa, e depois que aquilo tenha sido cometido por mim. Até agora o que se tem é a notícia de um crime, que não se sabe exatamente se foi ou se não foi (crime)”, retruca Joselito. “São duas questões distintas: uma é uma discussão comercial, e outras é uma ação criminosa, que tem que ser apurada. A minha ligação para ele, em si, não caracteriza nenhuma ação criminosa”, acrescentou o presidente da Aciap-VR.
Política
“Vou sofrer para comprar um caminhão, para botar fogo no caminhão, igual o Betinho (Albertassi) disse: “Ah, isso aí é coisa de política”? Vou botar fogo em caminhão, perder quase R$ 50 mil, correr o risco de matar o meu pai e minha mãe, por causa de política, daqui a dois anos?”, questiona Rafael, indignado. “Não fiz texto, não fiz cartinha, não fiz nada. Eu não compartilho, eu nem comento”, acrescentou.
“O crachá de empresário não se mistura com o crachá de secretário, com a pessoa política”, pontua Joselito a respeito de sair ou não candidato nas próximas eleições.
Câmeras
“Eles empilhavam pneus e punham fogo, todo mês. Era pra ninguém ligar para o depósito Na (avenida) principal eles não vão fazer isso (colocar fogo nos postes)”, argu-mentou Rafael, explicando os motivos de não ter câmeras de vigilância no depósito onde os veículos foram incendiados.
“Acredito que um estabelecimento comercial desse tipo (de venda de gás) tenha um monito-ramento por câmeras. Se tem, é uma forma de tentar chegar aos autores, se é que foi criminoso. Diz ele que os pais moram do lado, é uma forma de saber qualquer movimentação que tenha acontecido lá em cima”, contrapõe Joselito.
Denúncia
“Não tem como saber (o autor do incêndio), não é? A polícia tem que investigar. O incêndio é uma coisa a parte. A polícia automaticamente acha que o primeiro suspeito é ele (Joselito): me ameaçou na quinta, no sábado pega fogo. “Você tem que fazer alguma coisa que não gere problemas para os seus negócios”, foi o que ele (Joselito) disse”, afirmou Rafael.
“Estou na condição de acusado nessa situação, e naturalmente tudo vai ser apurado. No RO ele coloca a suspeita da nossa conversa, e como consequência aquele ato criminoso”, diz Joselito, que acrescenta: “Cabe o ônus da prova a quem acusa. No mo-mento eu sou a pessoa acusada de um ato criminoso, e eu preciso entender qual a motivação da acusação”.
Mercado
“Tudo (briga) começou em 2013, quando eu tentei vender gás de uma determinada empresa, e ele (Joselito) e outro depósito (concorrente) não deixaram de jeito nenhum. Sendo que se a ANP libera, você tendo o alvará, pode vender. Mas com amizade grande lá (na empresa), ele (Joselito) não deixou. Pela ANP, a companhia pode deixar de vender pro revendedor, mas os atacadistas podem continuar a vender. Aí comecei com amizade com atacadista do Rio, São Paulo, Minas, e ia comprar lá. Eles (concorrentes de Volta Redonda) seguiam meu caminhão até lá, tiravam foto do depósito que estava me vendendo, ligavam para a empresa de gás, e falavam pra parar de vender pra mim. Mas aí eu fechei um contrato com a Petrobras, a Liquigás, e saí dessa situação”, relata Rafael.
“Briga de mercado é uma coisa que acontece em qualquer tipo de negócio. É cada um querendo ter o melhor resultado. Nada que possa gerar problemas como esse. Acho que aqui na nossa cidade, na nossa região, não temos histórico de problemas maiores”, diz Joselito, que nega perseguir Rafael. “O fato dele (Rafael) se sentir perseguido de alguma forma pela concorrência – e eu não sou o único revendedor da cidade – não sei. Tenho o meu negócio voltado para a revenda, é um pouco diferente dele, que é mais voltado para o varejo”.
Palácio em alerta
O presidente da Associação Comercial de Volta Redonda nega, mas é óbvio que o quiproquó que foi parar na delegacia e explodiu nas redes sociais causou um profundo mal estar no Palácio 17 de Julho. Tanto é que o prefeito, quando questionado pelo comunicador Betinho Albertassi, na Rádio 88, respondeu de modo sério, até mal humorado. “Eles vendem gás, eu sou prefeito”, disparou Samuca sobre a briga entre os dois empresários.
O prefeito, como fez com o comandante da GM, e com o vice-prefeito Maycon Abrantes, que lhe colocaram na berlinda em outras oportunidades, defendeu seu secretário de Desenvolvimento Econômico, Joselito Magalhães. “Tem minha total confiança”, disse. Quanto à denúncia de Rafael, o prefeito preferiu amenizar. “Não acredito que ele (Rafael) tenha feito isso (espalhar notícias falsas)”.
A polêmica ligação de Rafael para Joselito
Rafael: Você me ligou?
Joselito: Quem tá falando?
Rafael: Rafael.
Joselito: Oh, Rafael, meu grande amigo, você continua bagunçando o mercado pra cacete, cara…
Rafael: Ainda não, ainda não…
Joselito: Deixa eu te falar uma coisa cara, visitar meus revendedores para oferecer preço não é uma postura muito elegante.
Rafael: Eu visitei?
Joselito: Deixa eu te dizer uma coisa…cara, briga com alguém do seu tamanho. É muito ruim arrumar uma briga com alguém que é um ‘cadinho’ maior que ‘ocê’.
Rafael: Ah, é?
Joselito: Não entra nessa briga não, pode não ser bom…
Rafael: Rapaz, eu não peguei porque eu não quis, cara…
Joselito: Então pega.
Rafael: Oi? Pra mim não vale a pena não, cara.
Joselito: Mas tenta…
Rafael: Pra mim não vale a pena…
Joselito: Você precisa tentar fazer aquilo que não vai gerar problema pro seu negócio.
Rafael: Não, nada gera problema pra mim não…
Joselito: Quando eu resolver reagir, pode não ficar bom pra você.
Rafael: Ué, você acha?
Joselito: Eu acho, cara…
Rafael: Rapaz, eu não ligo pra isso não, se você reagir, eu reajo também.
Joselito: É… eu acho. Se quiser partir pra briga é fácil, eu posso colocar preço pra minha rede toda, posso colocar os caras com preço na rua. Preço por preço, você não consegue brigar.
Rafael: Eu tenho o preço melhor que o seu, filho…
Joselito: Isso é o que você acha…
Rafael: Eu tenho certeza.
Joselito: Você não sabe o tamanho da estrutura, da companhia que está por trás de mim.
Rafael: Eu sei o preço.
Joselito: Você não sabe o poder que eu posso ter se quiser bagunçar o mercado, cara.
Rafael: É, mas vocês são líder, não podem bagunçar muita coisa não
Joselito: Tenho muito mais dinheiro que você…
Rafael: Eu sei disso…
Joselito: Pensa em fazer o seu trabalho sem mexer comigo, pra gente não ter problema…
Rafael: Eu faço o meu trabalho…
Joselito: Faz o seu trabalhinho aí, do jeito que você sabe fazer, vendendo os seus P13 (botijão de gás de 13 litros) do jeito que você sabe vender aí
Rafael: Isso… se ninguém quiser comprar comigo, eu não vendo. Mas se quiser, o que eu posso fazer?
Joselito: É, mas para de visitar os caras…
Rafael: Eu não tô visitando ninguém não, meu filho…
Joselito: Fica feio, que os caras ficam falando que tá feio o que você tá fazendo. Tá na hora de começar a aprender a trabalhar…
Rafael: Primeiro, que eu não estou visitando ninguém. Segundo, se eu estivesse visitando, eu sou seu concorrente, não seu amigo não. Eu vendo Liguigás. Não tem nada de antiético. Você pegou a venda da Supergasbras toda, vem falar de antiético comigo…
Joselito: É uma postura mais elegante…
Rafael: E o que você fez com a Super (Supergasbras, marca da qual Joselito foi representante por várias décadas, grifo nosso) foi elegante?
Joselito: É mas acontece que com a Super é uma questão que não cabe a você…
Rafael: É, mas é a mesma coisa, eu sou Liquigás, meu filho.
Joselito: Você não tem noção do tamanho da briga que foi. Foi coisa de milhões de reais. Não é briga pra gente pequena, não.
Rafael: Ué, mas nem pra você, Ultragaz (marca atual que Joselito trabalha, grifo nosso) é em Bangu.
Joselito: Aquilo é briga pra gente grande…você é bom de briga, hein? A (incompreensível) está brava.
Rafael: Mas você não pode brigar muito, você é líder.
Joselito: Você que pensa, (é líder), mas tem dinheiro. Não tem perigo isso, porque a gente não vai perder nenhum P13…
Rafael: Olha lá, hein? Olha que perde…