Roberto Marinho
A Rodovia do Contorno, que liga a Via Dutra à BR-393, é uma típica obra pública de infraestrutura no Brasil: levou mais de 20 anos para ficar pronta, mesmo tendo sido ‘inaugurada’ na década de 70. Ao longo dos anos, passou por várias mudanças de projeto e esbarrou em diversos problemas ambientais. Recebeu dinheiro demais na visão de uns; e dinheiro de menos na opinião da maioria. Pior. Ficou pronta e vários problemas foram detectados, como a falta de segurança para motoristas e pedestres. É, certamente, a novela mais longa da cidade do aço. E, pelo visto, não vai acabar tão cedo.
A mais nova polêmica envolvendo a construção da Rodovia do Contorno é o surgimento de diversos condomínios residenciais às margens da estrada, em uma área que, segundo o Plano Diretor Participativo de Volta Redonda (PEDI-VR, como chegou a ser conhecido), aprovado em 2008, só deveria haver empresas. A CSN mesmo detém vários terrenos na região, que poderiam ser usados como área de desenvolvimento industrial.
O PEDI deveria ter sido revisado pela Câmara de vereadores dez anos depois de pronto – ou seja, em 2018 – mas até hoje, quatro anos depois do prazo, ainda há pontos do plano original que nem foram regulamentados. Enquanto isso, a urbanização das áreas ao longo da rodovia segue forte, tendo início com o condomínio de luxo Alphaville, construído há seis anos, continuando com o lançamento, há cerca de dois anos, do primeiro residencial da família Campos Pereira, o Jardim Mariana.
A questão põe em campos opostos cabeças como o arquiteto e urbanista Ronaldo Alves, para quem a Rodovia do Contorno pode virar “uma nova 207” – ou seja, uma área densamente povoada convivendo com tráfego pesado intenso – e o empresário e construtor Mauro Campos, dono de boa parte das terras na área, para quem a via pode ser um novo vetor de desenvolvimento para a cidade do aço, “em uma área com muito menos poluição”.
“Você pegar a única área da cidade onde tem o mínimo de poluição e querer transformar em uma região industrial ou empresarial? Empresarial sim, não poluente, junto com as edificações futuras de um bairro planejado. São visões muito míopes. Querem crescer a cidade para onde?”, aponta Mauro, que completou: “Não pode verticalizar, porque não tem infraestrutura, o Saae-VR não permite, não tem água, nem esgoto. Como vai fazer? Estão querendo tirar o direito dos moradores de Volta Redonda de viver em um lugar com muito menos poluição”, avalia.
Para defender sua tese, Mauro destaca que o Jardim Mariana – construído pela empresa dele, a Aceplan – faz parte de “um bairro planejado” e que existe uma faixa de domínio de 100 metros ao longo de toda a Rodovia do Contorno, onde pode ser feita uma via secundária ao longo de todo o trajeto. “Se for levar em conta a opinião desses urbanistas, não poderia haver São José dos Campos ou Taubaté”, comparou, citando cidades paulistas com importantes áreas urbanas construídas ao longo da Via Dutra.
Mais um Contorno?
Já o arquiteto e urbanista Ronaldo Alves – que criou o IPPU-VR (Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Volta Redonda) e dirigiu o órgão em dois períodos – afirma que o Plano Diretor prevê a ocupação da área somente para empresas e que construir condomínios residenciais na localidade pode trazer problemas futuros, parecidos com a ocupação da Rua 207, no Conforto, onde os moradores passaram a conviver com o tráfego pesado e ininterrupto de caminhões. A poluição, engarrafamentos e os constantes acidentes de trânsito, inclusive com inúmeros atropelamentos, causavam um imenso transtorno na vida dos moradores da região.
“O Plano Diretor prevê que a Contorno receba somente imóveis comerciais ou empresariais, como terminais de carga, centrais de distribuição de produtos, e não bairros residenciais, como está acontecendo. Se não mudarem, aquilo vai virar uma nova 207”, afirmou o urbanista, apontando, de forma irônica, que “daqui a pouco vamos precisar de uma nova ‘rodovia do contorno’ para contornar a Rodovia do Contorno”.
Outro problema apontado por Ronaldo Alves é a necessidade da construção de infraestrutura para atender os novos residenciais, o que seria muito oneroso para os cofres públicos. “O custo de montar uma infraestrutura é imenso. Por exemplo, a linha de 7 quilômetros de água que teve que ser construída para atender os bairros na Rodovia do Contorno, no governo Samuca. O município acabou financiando a obra, e ainda tem transporte, etc. Sai muito caro para o município”, disse, sugerindo que seja feito um acordo com a CSN, dona do terreno do antigo Aero Clube, para que seja instalado um novo bairro no local. “Sairia muito mais barato”, pondera.
O presidente da Câmara de Volta Redonda, vereador Sidney Dinho, afirmou que a revisão do Plano Diretor já foi aprovada em primeira votação, e, segundo ele, quando os parlamentares voltarem do recesso, deve ser novamente apreciada. “Já mandei uma circular para o gabinete dos parlamentares para que façam suas análises e apresentem suas emendas. É um assunto complexo, que demanda muita análise técnica, e que não pode ser feito a toque de caixa”, afirmou Dinho.
Em relação aos prédios já erguidos na Rodovia do Contorno, o presidente do Legislativo afirmou acreditar que a construtora “não faria as obras sem o devido alvará da prefeitura”. “Como no Plano Diretor original está prevista a área como empresarial, acredito que de alguma forma a prefeitura deve ter flexibilizado, e se tem obra lá, acredito que eles tenham o licenciamento”, disse, garantindo que a sua preocupação é quanto ao deslocamento das pessoas do local. “A escassez de transporte público está prejudicando muito as pessoas que moram ali. Acho que está na hora do poder público olhar para aqueles prédios e ver que em cada apartamento daquele tem uma família. Certamente com gente que trabalha fora, e que às vezes não tem carro. Então tem que melhorar muito o transporte público lá”, encerrou.