Pollyanna Xavier

O Seminário Perspectivas 2020, realizado pelo Cluster Automotivo Sul Fluminense no início da semana, apontou uma projeção curiosa para o setor em 2020: um crescimento de 2,5%. A curiosidade está no fato de que, enquanto as montadoras desenham uma conjuntura econômica positiva para o ano que vem, uma delas – a francesa Peugeot – pode figurar como exceção à regra. A marca, cuja fábrica está em Porto Real, termina 2019 com saldo negativo: queda na produção, férias coletivas extras, corte de despesas, rumores de mudança para a Argentina e possibilidade de extinguir um turno inteiro. A empresa nega a crise e, além de endossar o crescimento especulado pelo Cluster, divulgou investimentos para 2020. Uma matemática que, cá pra nós, não bate.
A explicação é simples e não requer muitos cálculos: de janeiro a outubro, a Peugeot produziu 51 mil carros, numa projeção inicial de 96 mil veículos. Em julho, a empresa promoveu uma parada na produção, colocando trabalhadores em férias coletivas. Além disto, em e-mail oficial aos fornecedores e colaboradores, a direção da montadora informou que o modelo Peugeot 208 deixará de ser produzido em março de 2020. Tem mais. Que o Peugeot 2008 não será mais fabricado, no Brasil, a partir de 2021.
A empresa reduziu ainda os salários de alguns funcionários, a jornada de trabalho e retirou o transporte fretado para colaboradores que moram em Porto Real. Desde então, esses funcionários utilizam o ônibus coletivo municipal para chegar ao trabalho. Não satisfeita, em junho, a Peugeot anunciou férias coletivas de 57 dias (quase dois meses) para o final do ano, com previsão de início em 18 de novembro. A data, porém, foi alterada e a parada técnica vai começar no dia 2 de dezembro e se estenderá até 2 de janeiro.
Segundo informações oficiais, durante este período, a fábrica passará por uma transformação industrial para receber a nova plataforma denominada CMP. Essa plataforma, inclusive, é a aposta da montadora para recuperar em 2020 o fôlego perdido. Detalhes das mudanças previstas não foram divulgados pela Peugeot por se tratar de informações estratégicas, mas a ideia é fazer alterações no campo, antes que o time perca o jogo.
Em entrevista ao aQui, o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos, Edmilson Alvarenga, admitiu que a Peugeot está passando por um momento difícil e seu futuro, embora cheio de projetos de crescimento, ainda é uma incógnita. “O Sindicato está acreditando num novo projeto da PSA, com uma plataforma mais flexível, porém, a médio prazo. Estamos muito cautelosos em relação ao ano de 2020 pelo fato da nossa economia ainda não ter deslanchado e agravado mais ainda pela grave crise política e principalmente da Argentina”, comentou Edmilson.
Sobre o Clauster
O Seminário Perspectivas 2020, realizado em Resende, reuniu cerca de 200 representantes das empresas automotivas do Sul Fluminense. Para o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, a indústria automotiva Sul Fluminense apresentará duas vertentes de crescimento no próximo ano. “A primeira são as exportações de carros de passeio, que devem ter uma expectativa de recuperação muito fraca, principalmente em razão da situação do mercado argentino”, disse, referindo-se à Peugeot. “Mas quando a gente olha para a produção de caminhões para o agronegócio já pode esperar um resultado mais forte”, observa. O PIB previsto para indústria fluminense este ano é de 1,6% e para o ano que vem a estimativa é de 2,5%.
Para o especialista, a retomada do crescimento da economia passa pelo setor privado. “Se esperarmos os investimentos do setor público, em infraestrutura, para a retomada do crescimento, isto não vai acontecer nos próximos anos. Então, a retomada depende, sobretudo, das empresas privadas”, acredita.
O que diz a Peugeot?
Ao receber as informações sobre a projeção de crescimento para a indústria automotiva em 2020, o aQui entrou em contato com a assessoria de imprensa Peugeot Citroën (PSA) para tentar entender o cenário controverso apresentado pela montadora em 2019. De forma solícita, a assessoria respondeu a todas as perguntas enviadas pela reportagem e explicou sobre os novos investimentos previstos para 2020 (implantação de uma plataforma para a produção de carros maiores). Sobre deixar o Brasil nos próximos anos, a marca negou. Confira a entrevista na íntegra:
aQui – Qual a data exata da parada e retomada da produção para o final deste ano?
Peugeot – Iniciamos a parada técnica de transformação industrial de Porto Real para a chegada da nova Plataforma CMP no dia 11 de novembro. O período de parada técnica se somará ao período de férias coletivas já pré-estabelecidas para a unidade, com início em 2 de dezembro. O retorno das atividades de produção em Porto Real será no início de janeiro do próximo ano, a partir do dia 2/1/2020.
aQui – A parada vai atingir quantos trabalhadores?
Peugeot– A Parada Técnica engloba todas as equipes de produção e algumas atividades administrativas ligadas à produção. As demais áreas administrativas de Porto Real seguem suas atividades normais.
aQui – Sobre a Peugeot retirar sua marca do Brasil e levá-la para a Argentina, deixando apenas a marca Citroën na planta de Porto Real, procede esta Informação?
Peugeot– Não procede. O Groupe PSA tem uma estratégia de produtos muito bem definida para o futuro da fábrica de Porto Real, principalmente com a chegada da moderna plataforma CMP. Porto Real segue apta a produzir veículos de todas as suas Marcas. Falando especificamente dessa estratégia de produtos, são informações estratégicas da empresa, que serão divulgadas nos momentos certos. Apenas como exemplo dos produtos fabricados hoje em Porto Real, lançamos industrialmente no primeiro semestre de 2019 a nova geração do SUV Peugeot 2008. E sua versão com o nosso motor THP (turbo) foi lançada no mês passado.
aQui – E verdade que a Peugeot vai encerrar um turno inteiro a partir de abril do ano que vem? Quantos trabalhadores serão dispensados?
Peugeot – Retornaremos com a nossa produção em dois turnos em janeiro de 2020, conforme já informamos às nossas equipes. O planejamento para o esquema de produção do próximo ano vem sendo estudado com base em hipóteses que dependem da reação do mercado automotivo argentino. As exportações para a Argentina representam grande parte do nosso volume de produção atualmente.
aQui – E verdade que a unidade de Porto Real está sendo preparada para receber uma nova plataforma que permitirá a produção de carros maiores. Qual o investimento previsto?
Peugeot– Como respondido anteriormente, a fábrica de Porto Real já está em processo de transformação industrial neste momento para a chegada dessa nova plataforma, a CMP. Ela é uma das mais modernas e a mais recente plataforma global do Groupe PSA. Modular e de grande flexibilidade, pode ser usada em veículos dos segmentos B e C – em hatches, sedãs e SUVs – de todas as nossas Marcas (Peugeot, Citroën). Os investimentos no processo de transformação industrial de Porto Real para receber a CMP alcançarão mais de 220 milhões de reais. A esse montante, serão adicionados valores futuros provenientes de investimentos nos projetos de cada modelo de veículo a ser desenvolvido na fábrica.
Firjan e Cluster cobram reformas
Durante o Seminário Perspectivas 2020, representantes da Firjan reforçaram a necessidade de reforma em três frentes para a retomada do crescimento sustentável. Todas as três dependem dos governos Federal e Estadual. A primeira delas é a distribuição de recursos, a segunda são as obrigações orçamentárias e a terceira, uma organização administrativa consistente. Sobre a distribuição de receitas, a Federação das Indústrias do Rio ressalta a importância da reforma tributária, incluindo o Imposto sobre Serviços (ISS), e a revisão das regras de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O recente decreto do governador Wilson Witzel, que garantiu tributação diferenciada para o setor metalomecânico foi um passo importante na retomada do crescimento no estado do Rio. Segundo contadores ouvidos pelo aQui, a redução na alíquota do ICMS para 3% para o setor metalomecânico alcança não apenas as empresas que beneficiam o aço, mas também as indústrias automotivas do Sul Fluminense. O benefício fica claro na interpretação dos artigos 9º e 15º do Decreto 46.793/19. No artigo 9º, “a opção pelo regime de tributação englobará todos os estabelecimentos localizados no estado do Rio de Janeiro, enquadradas nos termos do Artigo 15”.
Já no artigo 15, diz que ‘caberá ao Secretário de Estado de Fazenda definir, por meio de ato normativo próprio, quais das atividades poderão ser enquadradas para fins de gozo do regime tributário de que trata o decreto”. “Se o secretário de Estado incluir as montadoras ou as empresas fornecedoras destas montadoras, por entender que elas também beneficiam o aço, então não vejo o porquê de não se beneficiarem de uma tributação diferenciada e reduzida”, explicou.
Para o Cluster Automotivo, o assunto passa pelas revisões e obrigações orçamentárias, e devem ser incluídas nas reformas administrativas. “Esta frente relacionada à organização administrativa trata da revisão das regras de criação e fusão de municípios e de competências municipais”, acredita Antônio Vilela.