quinta-feira, março 28, 2024

Mão na massa

Por Vinicius de Oliveira

A Paróquia de São Sebastião, Matriz de Barra Mansa, está de pé, no centro da Cidade, há mais de um século. Em 2019, a construção completa 180 anos e pela nave da igreja já passaram centenas de milhares de homens e mulheres que ajudaram a construir a história não só da cidade, mas do estado do Rio. Para se ter uma ideia, o autor do projeto arquitetônico original foi ninguém menos que Grandjean de Montigny, arquiteto francês de grande importância no desenvolvimento da arquitetura no Brasil, membro da chamada Missão Artística Francesa, que chegou ao país no início do século XIX. De lá para cá, aconteceu apenas uma reforma de grande porte que foi, justamente, para ampliar o espaço e, assim, poder acolher um maior número de fiéis. Isso entre os anos de 1958 a 1962. Desde então, poucas mudanças foram feitas justamente para preservar a essência da construção.

 

A ideia do Padre Milan, com aval da Mitra Diocesana, de fazer um novo mural para ornamentar o altar vem ofuscando toda a beleza histórica que reside nos detalhes das pedras e tijolos que sustentam o templo. Fiéis mais conservadores estão certos de que a reforma descaracterizaria não só a construção, mas a própria história da Igreja. Com manifestações públicas tais como abraços simbólicos em torno do prédio religioso e abaixo-assinados, convenceram a opinião pública. E um grupo considerável de católicos e até historiadores – frequentadores ou não da Matriz – ameaçam levar o caso não apenas para a Justiça, mas, também, para o Vaticano, instância maior da Igreja Católica.

 

Ainda assim, a Diocese se mantém firme na decisão de reformar o mural. Querem, segundo os críticos, como o padre Nilton Guimarães, ex-pároco da Matriz, dar vazão a um capricho do padre Milan e anular qualquer possível menção à maçonaria que estaria presente na pintura (e omissa na polêmica). Em seu lugar, o responsável pelo templo gostaria de representar apenas a Sagrada Família. O caso gerou tanta polêmica que a prefeitura de Barra Mansa, através da Fundação de Cultura, teve que intervir, pois nem fiéis e nem a Igreja se entendem.

 

Também entrou na briga o Conselho de Cultura. No último dia 30 de novembro, o padre Milan se reuniu com os conselheiros e, na ocasião, a equipe do Patrimônio Histórico e Elementos Artísticos da Diocese apresentou ao órgão todos os detalhes do projeto, sendo orientados a aguardar 15 dias para que o martelo seja batido a favor ou contra a reforma. De lá para cá, pessoas envolvidas de alguma forma com a igreja, angustiadas, não param de se manifestar. O mais recente foi o padre Alcino Camatta, que foi liberado de seus votos de celibato para se casar. Com 90 anos, o religioso, que já foi responsável pela Matriz, escreveu um artigo no A Voz da Cidade questionando a obra que, se aprovada, mudará totalmente o que ele ajudou a construir.

 

Em seu artigo, Camatta se pergunta se ele e demais envolvidos na confecção do atual mural teriam cometido algum erro a ponto de quererem escondê-lo atrás de uma nova arte. “Este é o grande painel que está lá na igreja com o crucifixo e os quatro evangelistas. Será este o erro? Por isso, estranhamos. Estragar um painel de arte sobrepondo outro?! Pra quê?! A trindade e o Espírito Santo são as principais devoções da congregação do Verbo Divino”, pontuou Camatta.

 

Revoltado, o ex-padre disse em seu texto que a igreja é para os fiéis e não para os padres e fez duras críticas ao modo da cúpula católica de conduzir seu rebanho. “A igreja pertence aos batizados e não ao Clero. Este é, sem dúvidas, um serviço. Gostaria de ver um catolicismo mais vivo. O Clero deve ser menos autoritário e entender melhor seus membros, que são todos os batizados”, afirmou.

 

Alcino Camatta não foi o único a expressar seu descontentamento com a reforma. Há mais de duas semanas o aQui vem publicando o posicionamento de figuras ilustres do município e até de historiadores a respeito das mudanças que a Igreja pretende. Entre eles, artistas, advogados e lideranças religiosas. Até leigos, que frequentam as missas esporadicamente, criticaram o projeto. Mas tanto a Diocese quanto o padre Milan permanecem irredutíveis. Na próxima quarta, 19, às 19 horas, eles, junto com a equipe do Patrimônio Histórico e Elementos Artísticos, debaterão o tema em uma audiência pública a ser realizada na Câmara de Barra Mansa. O objetivo é convencer a população e o Conselho de Cultura de que a reforma é válida e que respeitará as legislações vigentes.

 

Questionada, a assessoria de imprensa da Diocese não se manifestou sobre as críticas de religiosos que já passaram pela Matriz e condenam a reforma. Também não se posicionou quando perguntada sobre a ameaça de católicos que pretendem levar o caso à Justiça e ao Papa Francisco. Disse apenas que continua valendo a última nota enviada à imprensa, já divulgada pelo aQui na edição passada.

 

Vale lembrar que a Diocese afirma não ter a intenção de demolir o mural histórico, mas, sim, de construir um novo, à frente do atual, deixando um espaço (escondido, grifo nosso) para que os fiéis o visitem. Disse ainda que pretende atender às leis de acessibilidade. “Não há qualquer intenção de demolir o atual painel que está na parede dos fundos do altar, construído na última grande reforma entre 1956 e 1960. “A mudança foi proposta para atender às exigências da Lei de Acessibilidade n. 10.098 de 19/12/2000 e para ampliar a comunicação do espaço litúrgico, aproximando os celebrantes do povo, de acordo com as orientações do Concílio Vaticano II. Parte da obra foi iniciada nesta semana”, disse.

 

A nota diz ainda que “a decisão de adaptação do presbitério e altar do templo foi tomada com a participação da comunidade em reuniões do conselho pastoral da paróquia, ocorridas nos meses de setembro e outubro e votada com ampla e favorável aprovação na assembleia paroquial realizada em novembro, contando com a participação de representantes de todas as comunidades da paróquia”.

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