Por Pollyanna Xavier
Conforme o aQui publicou na quarta, 12, com exclusividade, a Justiça do Rio surpreendeu e proferiu uma decisão inédita. Por unanimidade, a 2a Câmara de Direito Privado do TJRJ decidiu cassar a sentença do juiz André Aiex Baptista Martins que, em março de 2022, reintegrou o Clubinho do Laranjal ao patrimônio da CSN. A medida até poderia abrir um precedente para os demais clubes, como o Umuarama ou o Náutico. Mas não é o caso, porque, embora favorável ao Clubinho, o acórdão do TJRJ não avaliou o mérito da questão. O que os desembargadores fizeram foi apenas determinar o retorno do processo de reintegração de posse para a 6a Vara Cível de Volta Redonda, para que o juiz dê uma nova decisão. Desta vez, mais clara, detalhada e, principalmente, melhor fundamentada.
Assinado pela desembargadora-relatora do TJ- RJ, Renata Machado Cotta, o acórdão criticou a forma como o juízo de Volta Redonda julgou o caso contra o Clubinho, citando a ausência de “fundamentação substancial” e a emissão de uma sentença “puramente genérica”. “O juízo a quo não só deixou de fundamentar adequadamente as decisões apon- tadas, mas violou o princípio constitucional do contraditório, verdadeira contraface do princípio da fundamentação das decisões, com o qual compete ao juízo não só garantir o direito de falar, mas também o direito de a parte ser ouvida”, escreveu, obtendo apoio dos demais desembargadores.
Para eles, o Clube do Laranjal não teve respeitado o pedido feito à Justiça, de julgar a ação de usucapião, da qual é o autor, junto com a de reintegração, onde figura como réu. “As partes do processo têm o direito à consideração de seus argumentos”, opinaram, ressaltan- do que André Aiex, que era o titular da 6a Vara Cível, onde a ação teve início, afastou a reivindicação do Clubinho sem justificativa relevante. “O juízo de 1a instância rechaçara parte da tese defensiva (que é a de usucapião) sem tecer uma linha sequer sobre a matéria”, criticaram.
Entenda
Em 2014, depois de mais de três décadas, a CSN ajuizou uma ação de reintegração de posse para reaver a área do Clube do Laranjal que fora cedida por comodato a um grupo de engenheiros do bairro. Chamado a se defender no processo, o Clubinho contra-atacou e recorreu à Justiça, em 2017, pedindo usucapião do imóvel. Na época, os dois processos foram apensados (anexados um ao outro) e tramitaram juntos para serem julgados em uma única sentença. Acontece que, em março de 2022, o juiz André Aiex reintegrou o Clubinho à CSN e desmembrou os processos, de forma que seguissem separados.
Em dezembro, o Clubinho recorreu ao TJ pedindo que os processos fossem julgados juntos. A ideia era que a Justiça considerasse o tempo de posse do imóvel e sua utilização pública e avaliasse o pedido junto com a reintegração pedida pela CSN. O assunto chegou a ser pautado em março, para entrar em julgamento, mas acabou retirado da pauta. Na quarta, 12, os desembargadores proferiram o acórdão, cassando a sentença de primeiro grau e reforçando que os fundamentos jurisdicionais deveriam ter sido bem embasados, sob pena de nulidade da ação.
Com a sentença cassada, o processo voltará à 6a Vara para ser apreciado novamente, e desta vez junto com o de usucapião. Pelo menos é o que ficou claro em um dos trechos do acórdão, quando diz que “o tema deverá ser examinado pelo juiz natural da causa, sob pena de supressão de instância”. Na prática, é como se os desembargadores dissessem não ser possível decidir um assunto no Tribunal de Justiça, se ele não foi examinado corretamente pelo juiz de 1°grau. Uma fonte do aQui, entretanto, não concorda com a tese. Diz que o processo poderia ser analisado para pôr fim às duas ações. “O TJRJ poderia definir o caso, encaminhando a sentença final para o conhecimento do juiz da 6a Vara. Preferiu devolver o caso, só que André Aiex já não está mais na Comarca”, informou. Apesar do juiz ter sido transferido (teria sido promovido), a ação irá para a sua análise final como juiz do caso”, adiantou.
O aQui procurou o advogado do Clubinho no mesmo dia em que saiu a sentença. Por WhatsApp, Yhel de Paula Esteves dis se que não comentaria nada antes da publicação do acórdão. Questionado se o processo teria de voltar e começar do zero, ele insistiu na publicação do acórdão. “Agradeço o contato e o interesse em um tema tão importante para a sociedade de Volta Redonda. No entanto, só iremos nos manifestar após a publicação do Acórdão (…) Os próximos passos serão decididos após a publicação do Acórdão”, insistiu. Nos autos, não há informação sobre a data de publicação do Acórdão.
História
Chamado por seus 250 associados de Clubinho, o espaço surgiu no dia 7 de fevereiro de 1965, mas sua inauguração aconteceu, de fato, em 30 de abril de 1966. Na época, somente residentes do Laranjal podiam frequentar o clube, que só foi aberto para moradores de outros bairros dois anos mais tarde. Após a abertura, a prefeitura reconheceu o lugar como Utilidade Pública e concedeu esse título ao clube. Em agosto de 1973, foram inaugurados os holofotes do campo e da piscina, frutos de um investimento da CSN e da antiga (e extinta) FEM. Mais tarde, no início da década de 1990, foram construídos um novo campo de futebol e uma churrasqueira.
As terras do Clubinho sempre pertenceram à CSN. Porém, na época do primeiro comodato
(foram dois), só havia um campo de futebol e um galpão, que chegou a servir de sede para um dos maiores autoramas do país. Após 1993, ano da privatização da CSN, o clube passou a andar com as próprias pernas, enfrentando, onze anos depois, a ação de reintegração de posse. Segundo consta nos autos, o segundo comodato ocorreu em 1981, por prazo indeterminado, e abrangia uma área de 11.822,07 m2, que incluía todas as instalações e benfeitorias realizadas para a atividade recreativa.
Com a decisão favorável, o Clubinho ganhou mais fôlego para se preparar para um novo julgamento dos processos (usucapião e reintegração). Se vai vencer ou perder, não se sabe. Mas não há como negar que a decisão unânime do TJ surpreendeu a todos, até ao próprio Clubinho, acostumado aos revezes da Justiça.