Por Pollyanna Xavier
Em 2018, nenhuma categoria de trabalhadores mostrou tanto a sua força como a dos caminhoneiros. Graças a uma greve de 11 dias, entre maio e junho, os donos da estrada pararam o Brasil. Em dezembro, uma nova ameaça de paralisação alarmou a população, principalmente pela proximidade das festas de fim de ano e o risco iminente de mais um desabastecimento no mercado. A nova paralisação, porém, apesar de justa, não foi adiante e os caminhoneiros seguiram viagem.
A greve dos caminhoneiros, iniciada em 21 de maio, fez com que o Brasil voltasse os olhos para a categoria. A solidariedade das pessoas em suprir os motoristas parados nos acostamentos e nos postos de combustíveis (com comida e artigos de higiene) revelou uma rotina de solidão, limitações e insegurança em que vive a maioria desses trabalhadores. Dias e até meses fora de casa, longe da família, tendo que cozinhar na beira da estrada, muitas vezes debaixo de sol, dormindo apertado em uma boleia e, pior, rezando para não ser assaltado. Ou morto.
Essa realidade virou pesquisa. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgou na semana passada um estudo feito entre os caminhoneiros do Brasil. A proposta era mostrar o perfil destes profissionais, com informações gerais sobre o trabalhador e a sua atividade profissional. O resultado não surpreendeu quem conhece a rotina dos carreteiros, mas serviu de alerta para o problema da insegurança nas estradas e, acreditem: do preço alto cobrado nas bombas. O combustível nunca esteve tão caro.
Foram entrevistados 1.066 caminhoneiros (autônomos e empregados de frota), com média de 18 anos de estrada, no período de 28 de agosto a 21 de setembro de 2018. “A pesquisa deixa clara a realidade enfrentada pelos profissionais nas nossas rodovias. Renda mensal baixa, insegurança e o elevado preço do combustível são os grandes problemas”, apontou o presidente da CNT, Clésio Andrade, responsável pelo levantamento. Segundo ele, os dados apurados também revelaram a importância do Sest Senat na qualidade de vida dos caminhoneiros.
A explicação é simples: Clésio lembrou que os serviços e atividades oferecidos pela instituição são responsáveis por qualificar o motorista, garantindo-lhes a empregabilidade. “Os serviços oferecidos pelo Sest Senat são gratuitos, prestados em todos os estados do Brasil, que garantem não só a empregabilidade, mas também uma melhor qualidade de vida aos caminhoneiros”, comentou. Ele tem razão. Há dezenas de unidades instaladas em grandes redes de postos de gasolina nas estradas do país, que oferecem atendimento em odontologia, fisioterapia, nutrição e psicologia. O aQui acompanhou a rotina de um caminhoneiro de frota – como são chamados os trabalhadores de empresas de transportes – e verificou que, de fato, os serviços de qualificação e de saúde, oferecidos pelo Sest Senat são, sim, importantes e essenciais na vida do motorista de estrada. “Nossa rotina é puxada, quase não vamos em casa, não temos a rotina de um trabalhador normal que dorme em casa todos os dias, que faz academia, que nos finais de semana está em casa com a família ou que pode agendar um médico para daqui a dois, três dias. Na estrada, nunca sabemos quando vamos voltar pra casa, com isto é muito difícil ter um acompanhamento médico regular ou até mesmo fazer atividade física”, contou Lima, caminhoneiro de uma empresa da região, que pediu que seu primeiro nome não fosse identificado nesta reportagem.
Na estrada há três anos, o caminhoneiro perdeu a conta de quantas vezes precisou de atendimento odontológico em uma das unidades do Sest Senat. “O atendimento é ótimo e é gratuito”, comentou, acrescentando que o tratamento é possível de ser feito nas horas de descanso. “Hoje a gente não pode mais rodar o dia inteiro, a noite toda. A Lei da Dilma (como ficou conhecida a Lei 13.103/15, que ampliou os pontos de parada para descanso e repouso) obriga a gente parar. As empresas respeitam a lei e o caminhão é bloqueado, forçando a nossa parada. São nestes intervalos que a gente aproveita para cuidar da saúde e descansar um pouco”, contou.
Por falar em saúde, a pesquisa da CNT mostrou que 38,1% dos autônomos disseram que procuram profissionais de saúde para prevenção. Já entre os empregados de frota, esse índice chega a 51,8% dos profissionais. A pesquisa também apontou que 20,3% dos caminhoneiros utilizam regularmente algum tipo de medicamento controlado por indicação médica. Destes, 56,4% fazem uso de remédio para hipertensão e 18% para problemas relacionados ao diabetes. E um dado preocupante: 43% dos profissionais não praticam qualquer atividade física. Muito pelo contrário, ficam por longas horas na mesma posição: sentados.
Sobre a idade dos motoristas que responderam ao questionário, a média foi de 44,8 anos, sendo 18 deles como carreteiro. Quanto aos proventos, a pesquisa revelou que a renda mensal líquida é de R$ 3,7 mil para os de frota e de até R$ 5 mil para os autônomos. Este valor, segundo Lima, não é o salário pago pelas empresas como vencimento na carteira. “Para quem é frota, além do salário base, a empresa paga uma comissão sobre o frete, por isto a média de R$ 3,7 mil. Para quem é autônomo, os vencimentos passam de R$ 5 mil, podendo chegar a R$ 10 mil dependendo da carga e do frete. Em compensação, as despesas do caminhão, como manutenção e combustível, ficam por conta do motorista, coisa que o frota não tem”, explicou.
Greve dos caminhoneiros
Lima tinha acabado de chegar de uma viagem ao Sul quando a greve dos caminhoneiros eclodiu, em maio do ano passado. Ele então ficou em casa, a mando da empresa, aguardando o final da paralisação. De casa, pelo WhatsApp e pela TV acompanhou a manifestação e o impacto dela em todo o Brasil. Sobre a greve, a pesquisa da CNT constatou que 65,3% dos entrevistados afirmaram ter participado da paralisação; 64,4% foram informados via WhatsApp sobre os rumos do Movimento e 74,7% conheciam a pauta de reivindicações. “A greve foi dos autônomos. Mas somos uma categoria só, todos nós aderimos”, lembra Lima.
Entre as reivindicações que os caminhoneiros entrevistados consideraram importantes, estão: redução do preço do combustível, apontada por 51,3%; mais segurança nas rodovias (38,3%); juros mais baixos para o financiamento de veículos (27,4%); e aumento do valor do frete (26,2%).
Em dezembro, a ameaça de uma nova paralisação por parte da categoria foi descartada porque o ministro do STF, Luiz Fux, concedeu liminar suspendendo a aplicação de multas pelo descumprimento da tabela com preços do frete. O tabelamento, decidido por decreto do ex-presidente Temer para pôr fim à greve de maio, fixou os valores mínimos a serem praticados no transporte de cargas.
Assim que a medida cautelar chegou ao conhecimento dos caminhoneiros, a categoria se articulou para uma nova paralisação. Na época, os motoristas alegaram que a decisão de Fux teria anulado todos os direitos conquistados na Greve de Maio e pediram uma agenda com o governo. Com o risco de uma nova paralisação às vésperas das festas de final de ano, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu ao ministro a revisão da liminar. Poucos dias depois ela foi revogada, mostrando a força de uma categoria que leva na carroceria a riqueza do país.