Por Pollyanna Xavier
A Diocese de Barra do Piraí-Volta Redonda está completando 100 anos e se firma como uma das unidades territoriais da Igreja Católica mais politizadas do país – graças à trajetória de alguns padres e sacerdotes, dentre os quais o principal foi D. Waldyr Calheiros, o bispo vermelho, falecido há nove anos. As comemorações em torno do centenário da Diocese tiveram seu ponto alto no domingo, 4, com a realização de um grande ato na Ilha São João, que reuniu cerca de 15 mil fiéis. Detalhe: na segunda, 12, a Co-Catedral – Igreja Nossa Senhora das Graças, com autorização do Papa, passará a ser a Igreja Nossa Senhora da Conceição, do Conforto.
O aniversário da morte de D. Waldyr – o bispo mais emblemático e importante da Diocese – também foi lembrado no centenário da Igreja Católica. Afinal, é impossível falar da Diocese e não citar D. Waldyr Calheiros. A politização, inclusive, é um capítulo importante na trajetória da Diocese de Barra do Piraí- Volta Redonda.
Foi através dela que os milhares de trabalhadores da CSN estatal e privatizada tiveram seus empregos defendidos. Foi também através da politização que violações aos Direitos Humanos, ocorridas nos quartéis da região durante a Ditadura Militar, foram denunciadas e punidas. Como a que ocorreu em 1972, no antigo Batalhão de Infantaria Blindada de Barra Mansa (1° BIB), quando um grupo de soldados foi torturado e alguns morreram, numa ação violenta ocorrida a mando de oficiais do Exército.
O caso ficou conhecido como ‘Crime do Século’. Quinze soldados foram torturados e quatro não resistiram às palmatórias e choques elétricos. Seus corpos foram ocultados para que fosse simulada uma fuga do batalhão, e as famílias chegaram a ser avisadas pelo tenente- coronel que os soldados desertaram. As agressões partiram do capitão Dálgio Miranda Niebus e militares de distintos escalões participaram das torturas seguidas de morte.
Todos os documentos da época foram abertos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e a consulta foi disponibilizada graças ao trabalho da Comissão da Verdade. Neles, consta que no dia 26 de dezembro de 1971, o capitão Niebus foi encarregado pelo tenente- coronel Gladstone Pernasetti Teixeira de verificar um possível tráfico de drogas e uso de toxinas no interior do BIB. Durante a sindicância, 15 soldados foram identificados como usuários ou traficantes e presos no quartel. A partir daí, foram torturados e quatro morreram: Vanderley de Oliveira, Juarez Monção Virote, Geomar Ribeiro da Silva e Roberto Vicente da Silva.
Os quatro foram presos no dia 11 de janeiro de 1972. Vanderley e Monção foram mortos no dia seguinte (12) e Geomar e Vicente morreram dois dias depois, em 14 de janeiro. Os corpos foram desovados e queimados longe dali e, no dia 17, o tenente-coronel emitiu um comunicado oficial que dizia que os soldados haviam fugido do quartel, provocando a própria deserção. Uma das famílias desconfiou da versão oficial e sinalizou o sumiço a um padre, que contou ‘o segredo’ a D. Waldyr. Na missa de 7° dia de um dos jovens, o bispo denunciou tudo o que sabia.
D. Waldyr soube das violações não apenas pelas famílias dos torturados, mas também porque, na mesma época, o padre Nathanael de Moraes Campos foi detido no BIB pela sua atuação na coordenação da Juventude Operária Católica. Ele era sacerdote na paróquia de Santa Cecília e escreveu cartas para a Cúria, relatando as agressões sofridas no batalhão. Uma dessas cartas foi enviada ao Ministro da Justiça, com pedido de visita urgente ao BIB, já que outras pessoas (civis e militares) também relataram ter sofrido todo tipo de tortura.
A denúncia também foi feita à CNBB e, graças a ela, o ‘crime do século’ é o único caso, em toda a história da Ditadura, em que os torturadores foram julgados, condenados e cumpriram a pena por tortura e morte. Mas foi também por causa dessa denúncia que a Diocese de Barra do Piraí-Volta Redonda passou a ser vigiada pelo temido Serviço Nacional de Informação (SNI) – um setor criado pelo Regime Militar para a ‘garantia’ da ordem e segurança nacional.
O aQui teve acesso a alguns documentos que mostram que a vigília sobre a Diocese durou até depois da Ditadura, entre os anos de 1988, quando ocorreu a grande greve na CSN, e 1989, nas eleições presidenciais. Um desses documentos mostra que em 1989, o SNI elaborou um dossiê sobre a Diocese a respeito de um livreto que foi distribuído pelas pastorais, com orientações sobre em quem votar nas eleições daquele ano.
“A cartilha de forma indireta procura eliminar os candidatos e partidos políticos que não estão alinhados com o pensamento de seus elaboradores (…) vão utilizar este livrete como roteiro, certamente indicarão o candidato de sua preferência (…) os elaboradores só não declinaram o nome preferido na publicação, para não criar problemas com superiores, bispos e o próprio Papa, que desaconselham o engajamento político-partidário da Igreja Católica Apostólica Romana”, diz um trecho do documento.
Em outro, o SNI afirma que a opção da Igreja seja pelos partidos de esquerda e sugere que o folheto seja para doutrinação dos fiéis. “Acredita-se também ser uma abertura para que os animadores optem pelo candidato à Presidência da República do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) preferencialmente, ou pelo candidato do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT)”, escreveram dando destaque às siglas partidárias.
Os olhos da repressão ficaram fixos sobre a Diocese por um bom tempo, em grande parte devido à atuação de D. Waldyr frente ao regime. Considerado subversivo pelo sistema, o sacerdote foi chamado de bispo vermelho e seu nome aparece em mais de 300 registros do SNI. Sua morte completou nove anos no último dia 30 de novembro. Ele foi o 5° bispo da Diocese e exerceuo bispado por 33 anos. Saiu em novembro de 1999, quando o Vaticano aceitou sua renúncia por limite de idade. A partir daí foi nomeado bispo emérito, título cessado em sua morte, no dia 30 de novembro de 2013.
Quanto à Diocese, ela recebeu o nome ‘Barra do Piraí-Volta Redonda’ porque em janeiro de 1965 a ordem passou a ter duas sedes: a de Barra do Piraí, onde está a catedral histórica de Santana, e a de Volta Redonda, onde estão a co-catedral, a Cúria e a Residência Episcopal. Ela foi criada no dia 4 de dezembro de 1922 pela Bula “Ad Supremum Apostolicae Sedis”, do Papa Pio XI, tendo seu território desmembrado integralmente pela Diocese de Niterói. Em seu centenário, fica a memória das lutas pelas causas religiosas, sociais e operárias. Um verdadeiro ato político!
Centenário
O Cardeal D. Orani João Tempesta saudou os cerca de 15 mil fiéis que participaram da festa do centenário da Diocese de Volta Redonda. “Bendizemos a Deus pela Celebração do Centenário Diocesano. Relembramos todo a jornada de preparação do ano Jubilar com o triênio e a abertura no final de 2021. É uma alegria poder estar com o povo de Deus agradecendo por todas as realizações. O ano Jubilar é o tempo da graça, oportunidade única para todos nós batizados. Louvamos ao Senhor com entusiasmo pelos acontecimentos destes momentos que marcaram a história. A partir de agora, a missão é olhar para frente, antenados com os desafios do futuro, lembrando com fervor do Centenário Diocesano e, sobretudo, com a certeza que Deus foi fiel conosco”, disse.
Já o Arcebispo de Niterói, Igreja Mãe daDiocese, D. José Francisco Rezende Dias, presidente da Regional Leste 1 da CNBB, reviveu o desmembramento das Dioceses de Barra do Piraí -Volta Redonda e Campos dos Goytacazes. “Há 130 anos foi criada a Arquidiocese de Niterói, que compreendia todo o estado do Espírito Santo e a maior parte do estado do Rio de Janeiro. 30 anos depois, no ano de 1922, as duas Dioceses foram criadas. Neste dia 4 de dezembro, 100 anos após a fundação, na condição de Arcebispo e como Presidente do Regional, quero expressar a alegria em participar deste momento histórico de ação de graças a Deus, trazendo no coração, todas as pessoas que fizeram e que fazem parte desta bonita e marcante vivência da Igreja no Sul Fluminense. Celebrar 100 anos, é momento de parada para fazer festa, depois da caminhada de preparação buscando reconhecer a presença do Senhor que faz história conosco. Ele é fiel, apesar de nossas infidelidades e fraquezas, mas Deus nos inspira e impulsiona diante dos desafios, continuando presente em nosso meio, chamando a ser Igreja, sempre em comunidade, testemunhando a fraternidade e o seu Reino de Amor”, pontuou.
Ao encerrar a festividade, D. Luiz Henrique agradeceu a presença de todos. “Agradecemos a presença dos fiéis de todas as regiões da Diocese, com suas bandeiras, camisas e outras identificações. Não podemos deixar de reconhecer os trabalhos dos voluntários que movimentaram a infraestrutura deste Centenário. A festa é nossa e, rendemos graças a Deus por todos os acontecimentos neste triênio. Sentimos também honrados com a presença dos Bispos irmãos que estiveram conosco nesta data. Rendemos graças a Deus pelo momento”, afirmou o Bispo.