Por Vinicius de Oliveira
Uma pesquisa feita pela revista Nova Escola mostra que seis em cada dez professores do país consideram que o espaço escolar está mais violento e, com isso, mais difícil para ensinar, já que, para 97,9% dos entrevistados, a agressividade atrapalha diretamente o aprendizado. E um dos principais motivos seria o aumento das doenças psicológicas por conta do isolamento imposto pela pandemia (50,6%) e pelo agravamento da vulnerabilidade das famílias durante esse período (46%). Mas para o vereador Elias Vargas, de Porto Real, o importante seria filmar o professor e o que ele escreve na lousa. Tanto que criou uma lei, aprovada pela Câmara local, que instituía o programa ‘Foco na Aula’, que obrigaria a prefeitura a instalar câmeras de filmagem, com captação de áudio e vídeo, em todas as salas de aulas das escolas públicas municipais.
Pela lei, as câmeras deveriam ser instaladas de frente para o quadro negro, de forma a captar o que estava sendo escrito e falado pelos docentes. As imagens deveriam ser guardadas por no mínimo 15diasenomáximo90e poderiam ser fornecidas aos pais e responsáveis pelos estudantes, desde que fossem solicitadas, por escrito, à secretaria de Educação de Porto Real. O vídeo de cada aula seria catalogado por assunto ou disciplina e todas as despesas da execução da lei correriam por dotações orçamentárias da própria pasta, com direito a suplementação. O município teria 180 dias para instalar a parafernália nas salas de aula.
O prefeito Alexandre Serfiotis vetou integralmente o projeto, mas os parlamentares derrubaram o veto e aprovaram a normativa. A questão gerou polêmica na classe e na cidade. Para o Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE), a proposta não passava de uma tentativa de censura e coação, ao passo que vigiaria o que é ensinado em sala de aula em vez de focar em ações que efetivamente trariam benefícios ao processo educacional. Diante disso, o departamento jurídico da entidade, tão logo tomou conhecimento da Lei, acionou a Justiça alegando inconstitucionalidade.
“O SEPE propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0093638- 19.2022.8.19.0000 em face da Lei n° 824/2022 de Porto Real, que pretendia colocar câmeras em sala para vigiar os professores, buscando censurá-los (‘Programa Foco na Aula’) e coibir uma fantasiosa ‘doutrinação’. Essa lei viola a liberdade de cátedra, os princípios constitucionais do ensino, a separação de poderes, o direito autoral e de imagem, bem como continha vícios formais, como ofensa à iniciativa do Executivo”, argumentou Rafael Lima, advogado do SEPE Sul Fluminense.
O caso foi parar na Alerj e o deputado Waldeck Carneiro, que é professor da Faculdade de Educação da UFF, denunciou a situação, classificando a medida como “ilegal”. Fez mais. Pediu apoio da procuradoria da Assembleia para que a lei fosse derrubada, apoiando o SEPE no que fosse preciso. O parlamentar classificou a lei como um “desrespeito à autonomia do professor”, especialmente na forma de conduzir o processo educativo em sala de aula.
Na quarta, 14, o desembargador Cláudio de Mello Tavares, relator da representação, acatou os argumentos do SEPE e suspendeu a Lei em decisão monocrática. Em seu voto, reconheceu que a normativa “agride o direito fundamental da inviolabilidade da imagem do professor”, objeto de garantia prevista na Constituição Federal e reproduzida em lei estadual. “Como expôs o representante, a instituição de política de captação de imagens de sala de aula da rede municipal em vídeo, da forma como tratada na norma em questão, parece não ponderar o direito do docente à própria imagem, submetendo a risco a garantia da sua inviolabilidade – que é cláusula constitucional pétrea cuja normatividade evidente- mente se projeta ao âmbito estadual como princípio, mercê do já referido art. 345 da Constituição deste ente político”, argumentou.
A decisão de Cláudio Tavares concordando com o SEPE ao afirmar que a norma tem como objetivo “cercear e filtrar as informações divulgadas pelos docentes, a exemplo do projeto Escola sem Partido, que inclusive já foi julgada, pelo próprio TJ- RJ, como incompatível com o sistema constitucional”. O magistrado vai além. Destaca que a referida lei cria uma “política pública no bojo da Administração Municipal”, uma vez que obriga a prefeitura a instalar câmeras nas salas de aula, armazenar imagens e ainda torná-las disponíveis para pais e responsáveis. Pior, não resguarda a imagem do próprio professor,
submetendo-o a riscos de ter sua integridade e o exercício da profissão violados. A suspensão da lei é temporária, até o julgamento final do mérito pelo colegiado do TJ-RJ.
O que diz a prefeitura?
O aQui chegou a procurar a assessoria de imprensa da prefeitura de Porto Real para saber a posição do prefeito Alexandre Serfiotis quanto ao veto e à sanção da lei aprovada na Câmara. Mas não recebeu respostas. A jornais da capital, a prefeitura justificou o veto informando que a “aprovação do projeto exigiria uma reorganização financeira por parte do poder público municipal, já que seria necessária a aquisição de equipamentos com capacidade técnica para armazenar os dados gravados, além de contratação de funcionários para analisar as gravações”.
Tem mais. Disse que a lei “retiraria recursos direcionados a outras ações dentro do município”, e a classificou como inconstitucional por criar ‘obrigações à prefeitura sem amparo em dispositivo constitucional, o que desvirtuaria o princípio da independência e separação de poderes”. Importante: A lei, se regulamentada, atingiria cerca de três mil alunos de oito escolas municipais de Porto Real e vigiaria mais de 120 docentes no exercício da sua profissão.
Vale lembrar que com a Covid-19, quando as aulas foram suspensas por quase dois anos, os vereadores de Porto Real não criaram qualquer dispositivo legal que garantisse o acesso às aulas remotas (por vídeo) para os alunos da rede pública. O que deixa claro que a lei do vereador Elias Vargas nasceu em meio à polarização política, num cenário de incertezas e violações à Democracia.