sexta-feira, setembro 13, 2024
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Justiça derruba lei aprovada em Porto real que pretendia filmar professores em aula

Por Vinicius de Oliveira

Uma pesquisa feita pela revista Nova Escola mostra que seis em cada dez professores do país consideram que o espaço escolar está mais violento e, com isso, mais difícil para ensinar, já que, para 97,9% dos entrevistados, a agressividade atrapalha diretamente o aprendizado. E um dos principais motivos seria o aumento das doenças psicológicas por conta do isolamento imposto pela pandemia (50,6%) e pelo agravamento da vulnerabilidade das famílias durante esse período (46%). Mas para o vereador Elias Vargas, de Porto Real, o importante seria filmar o professor e o que ele escreve na lousa. Tanto que criou uma lei, aprovada pela Câmara local, que instituía o programa ‘Foco na Aula’, que obrigaria a prefeitura a instalar câmeras de filmagem, com captação de áudio e vídeo, em todas as salas de aulas das escolas públicas municipais.
Pela lei, as câmeras deveriam ser instaladas de frente para o quadro negro, de forma a captar o que estava sendo escrito e falado pelos docentes. As imagens deveriam ser guardadas por no mínimo 15diasenomáximo90e poderiam ser fornecidas aos pais e responsáveis pelos estudantes, desde que fossem solicitadas, por escrito, à secretaria de Educação de Porto Real. O vídeo de cada aula seria catalogado por assunto ou disciplina e todas as despesas da execução da lei correriam por dotações orçamentárias da própria pasta, com direito a suplementação. O município teria 180 dias para instalar a parafernália nas salas de aula.
O prefeito Alexandre Serfiotis vetou integralmente o projeto, mas os parlamentares derrubaram o veto e aprovaram a normativa. A questão gerou polêmica na classe e na cidade. Para o Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE), a proposta não passava de uma tentativa de censura e coação, ao passo que vigiaria o que é ensinado em sala de aula em vez de focar em ações que efetivamente trariam benefícios ao processo educacional. Diante disso, o departamento jurídico da entidade, tão logo tomou conhecimento da Lei, acionou a Justiça alegando inconstitucionalidade.
“O SEPE propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0093638- 19.2022.8.19.0000 em face da Lei n° 824/2022 de Porto Real, que pretendia colocar câmeras em sala para vigiar os professores, buscando censurá-los (‘Programa Foco na Aula’) e coibir uma fantasiosa ‘doutrinação’. Essa lei viola a liberdade de cátedra, os princípios constitucionais do ensino, a separação de poderes, o direito autoral e de imagem, bem como continha vícios formais, como ofensa à iniciativa do Executivo”, argumentou Rafael Lima, advogado do SEPE Sul Fluminense.
O caso foi parar na Alerj e o deputado Waldeck Carneiro, que é professor da Faculdade de Educação da UFF, denunciou a situação, classificando a medida como “ilegal”. Fez mais. Pediu apoio da procuradoria da Assembleia para que a lei fosse derrubada, apoiando o SEPE no que fosse preciso. O parlamentar classificou a lei como um “desrespeito à autonomia do professor”, especialmente na forma de conduzir o processo educativo em sala de aula.
Na quarta, 14, o desembargador Cláudio de Mello Tavares, relator da representação, acatou os argumentos do SEPE e suspendeu a Lei em decisão monocrática. Em seu voto, reconheceu que a normativa “agride o direito fundamental da inviolabilidade da imagem do professor”, objeto de garantia prevista na Constituição Federal e reproduzida em lei estadual. “Como expôs o representante, a instituição de política de captação de imagens de sala de aula da rede municipal em vídeo, da forma como tratada na norma em questão, parece não ponderar o direito do docente à própria imagem, submetendo a risco a garantia da sua inviolabilidade – que é cláusula constitucional pétrea cuja normatividade evidente- mente se projeta ao âmbito estadual como princípio, mercê do já referido art. 345 da Constituição deste ente político”, argumentou.
A decisão de Cláudio Tavares concordando com o SEPE ao afirmar que a norma tem como objetivo “cercear e filtrar as informações divulgadas pelos docentes, a exemplo do projeto Escola sem Partido, que inclusive já foi julgada, pelo próprio TJ- RJ, como incompatível com o sistema constitucional”. O magistrado vai além. Destaca que a referida lei cria uma “política pública no bojo da Administração Municipal”, uma vez que obriga a prefeitura a instalar câmeras nas salas de aula, armazenar imagens e ainda torná-las disponíveis para pais e responsáveis. Pior, não resguarda a imagem do próprio professor,
submetendo-o a riscos de ter sua integridade e o exercício da profissão violados. A suspensão da lei é temporária, até o julgamento final do mérito pelo colegiado do TJ-RJ.

O que diz a prefeitura?
O aQui chegou a procurar a assessoria de imprensa da prefeitura de Porto Real para saber a posição do prefeito Alexandre Serfiotis quanto ao veto e à sanção da lei aprovada na Câmara. Mas não recebeu respostas. A jornais da capital, a prefeitura justificou o veto informando que a “aprovação do projeto exigiria uma reorganização financeira por parte do poder público municipal, já que seria necessária a aquisição de equipamentos com capacidade técnica para armazenar os dados gravados, além de contratação de funcionários para analisar as gravações”.
Tem mais. Disse que a lei “retiraria recursos direcionados a outras ações dentro do município”, e a classificou como inconstitucional por criar ‘obrigações à prefeitura sem amparo em dispositivo constitucional, o que desvirtuaria o princípio da independência e separação de poderes”. Importante: A lei, se regulamentada, atingiria cerca de três mil alunos de oito escolas municipais de Porto Real e vigiaria mais de 120 docentes no exercício da sua profissão.
Vale lembrar que com a Covid-19, quando as aulas foram suspensas por quase dois anos, os vereadores de Porto Real não criaram qualquer dispositivo legal que garantisse o acesso às aulas remotas (por vídeo) para os alunos da rede pública. O que deixa claro que a lei do vereador Elias Vargas nasceu em meio à polarização política, num cenário de incertezas e violações à Democracia.

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