Pollyanna Xavier
A expressão ‘à francesa’ – quando uma pessoa quer sair de fininho sem ser notada – esconde um trocadilho com a Peugeot Citroën. De origem também francesa, a montadora deve retirar, sem alardes e em definitivo, a fabricação da marca Peugeot do Brasil. Os modelos passarão a ser montados na Argentina e a ideia é manter apenas os carros da Citroën – especificamente o C3, o C4 Picasso e o C4 Cactus – na unidade fluminense. A mudança, prevista para acontecer a partir de 2020, é tida como estratégica para a empresa. Se de fato acontecer, pode ser desastrosa para a região: falamos aí de cerca de 500 demitidos, ou um turno inteiro na rua.
Com a redução da produção na fábrica de Porto Real, a arrecadação do município – praticamente escorada na montadora – também pode ser afetada drasticamente. Segundo uma fonte do aQui, que pediu anonimato, a Peugeot vem sofrendo revés já há algum tempo devido ao arrefecimento do mercado argentino (principal endereço de exportação da marca no Brasil). ‘Não é só a questão da Argentina. A Peugeot tem um problema sério com o mercado aqui no Brasil. Os carros são bons, modernos, mas não emplacaram. A vendagem é baixa em relação às outras marcas’, comentou a fonte.
Segundo ela, a Peugeot pretende manter até março de 2020 a produção do modelo 208, e até dezembro do ano que vem o (modelo) 2008. A partir daí, os dois modelos passarão a ser produzidos exclusivamente na Argentina. A fábrica de Porto Real ficará responsável apenas pelos modelos da marca Citroën. Até lá, a produção será desacelerada, inclusive já com uma parada programada de 57 dias, entre 18 de novembro de 2019 a 13 de janeiro de 2020. A chamada ‘férias coletivas’ abrangerá os funcionários da produção, projetos e parte do administrativo.
Outra mudança que já vai ocorrer na Peugeot a partir da próxima semana será a retirada de três ônibus que fazem o transporte dos colaboradores que moram dentro de Porto Real. O efetivo já foi avisado por meio de boletim interno e passará a utilizar o transporte coletivo municipal. Para suprir a nova demanda, a empresa que detém a concessão dos ônibus vai aumentar o número de carros nos horários de entrada e saída da Peugeot.
A redução no fluxo de produção da Peugeot afetará também as empresas que formam o cinturão de fornecedores e prestadores de serviços da marca francesa. As empresas que fazem parte do Tecnopolo já estariam se adaptando à nova realidade da Peugeot desde o ano passado, quando a montadora anunciou um determinado volume de produção para um período, mas não conseguiu cumprir o informado. Ao aQui, uma fonte ligada a uma destas empresas contou que, quando isto aconteceu, o cinturão passou a buscar novos clientes para diversificar a carteira e reduzir o impacto provocado pelas mudanças na Peugeot. Também foram promovidas adequações nos turnos, a fim de enxugar o número de funcionários “terceirizados”.
O que disse a Peugeot
Procurada pelo jornal, a montadora francesa foi solícita ao aQui. Em e-mail-resposta enviado pela assessoria de imprensa, a Peugeot informou que o assunto (deixar de produzir carros da marca no Brasil) “é estratégico para o Grupo PSA na América Latina, e que por isto não poderia comentá-lo”. “O que podemos adiantar é que o Polo Industrial Brasil do Groupe PSA é um dos mais modernos no mundo e que está inserido na estratégia industrial da empresa, com investimentos constantes desde a sua inauguração, em fevereiro de 2001. E temos grandes planos futuros, com novos produtos, e que serão anunciados no momento certo”, informou.
Sobre a crise interna, a assessoria admitiu que a Peugeot estaria sofrendo “com a queda do mercado automotivo argentino e, consequentemente, a queda nas exportações”. E garantiu que “todas as medidas tomadas no PIBR (Polo Industrial Brasil) foram discutidas com o Sindicato dos Metalúrgicos e acordadas com os funcionários, permitindo ao Groupe PSA a manutenção da empregabilidade de todos os seus dois turnos de produção”.
Ainda de acordo com as informações da assessoria de imprensa, a mudança nos ônibus fretados é real e os funcionários receberão as passagens. “Sobre os ônibus, essa ação permite aumentar a frequência das linhas de transporte urbano que atendem a região onde se encontra o Polo Industrial Brasil e outras empresas. Os funcionários do Groupe PSA residentes em Porto Real receberão o vale-transporte e serão atendidos por este transporte público, assim como outros residentes de Porto Real, que terão agora mais acesso às empresas do município”, concluiu.
O aQui também procurou o Sindicato dos Metalúrgicos para saber das tratativas envolvendo a Peugeot Citroën. Porém, até o fechamento desta edição, não houve resposta aos questionamentos do jornal.