Vinicius de Oliveira
O vereador Hálison Vitorino ficou famoso por quase perder a cadeira logo nos primeiros meses de seu mandato, quando se licenciou para assumir um cargo de diretor do Hospital São João Batista. Desde então vem atuando de forma discreta, quase imperceptível. Só que na segunda, 31, usou o seu Instagram para criticar a inclusão do gênero “não binare” nas certidões de nascimento emitidas em todo território fluminense.
“Acabo de ser surpreendido com a notícia da inclusão do gênero não binare nas certidões de nascimento do Rio de Janeiro. Quero aqui me posicionar contrário e afirmar que em Volta Redonda vamos lutar contrário (sic), principalmente quanto à implantação dessa maldita invenção nas escolas”, postou.
Hálison garantiu na legenda do seu próprio post que o termo ‘não binare’ não encontraria respaldo na Língua Portuguesa e que seria, portanto, uma afronta ao idioma brasileiro. “Não possui embasamento linguístico e científico e é arbitrário e desrespeitoso frente à própria língua portuguesa. É uma imposição de viés político ao invés de linguístico. Em tal linguagem em absolutamente nada contribui para o desenvolvimento estudantil do aluno”, escreveu.
A postagem raivosa do vereador não rendeu muito. Foram apenas 194 curtidas e nenhum comentário. O post passou quase que em brancas nuvens e nem mesmo os principais movimentos em prol dos direitos de pessoas LGBTQIA+ de Volta Redonda, como o Frente pela Diversidade e o VR sem Homofobia, fizeram questão de comentar o ocorrido quando provocados pelo aQui.
Já a professora Marília Arcanjo, pós graduada em Letras, pela UFF (Universidade Federal Fluminense), comentou. “A postagem desse vereador denota duas coisas: uma lgbtfobia latente que se disfarça em sua religiosidade e um total desconhecimento da linguagem e de seus fenômenos tão específicos. Apresenta inúmeros erros se levarmos ao pé da letra a mesma gramática que o vereador defende que é a norma culta. Embora seja possível entender seu preconceito é mais difícil entender o que ele quis dizer com a expressão ‘vamos lutar contrário’, observou Marília.
“Em termos linguísticos, a adoção do gênero não binário de forma alguma afronta a língua como afirma o vereador, pois ela já tem características da não-binariedade, há muitos recursos como substantivo sobrecomum e formas coletivas que nos ajudam a falar das pessoas sem marcar recursos da binaridade de gênero”, avaliou, indo além:
“Quando digo: o grupo de profissionais da educação sem dizer professoras e professores não estou em nenhum momento marcando o binarismo de gênero. Se eu faço isso é porque o nosso idioma já possui esse recurso”, defende a professora. “Se é um defensor da língua tão aguerrido, deveria criticar os estrangeirismos. Estes, sim, invadem de certa forma a língua portuguesa. Mas sabemos que o que provoca sua reação não é o apreço pela língua, mas, sim, o preconceito, por isso encrenca com a não-binaridade alheia”, disse, irritada.
Para situar o leitor na discussão, é preciso lembrar que desde o último dia 30 as certidões de nascimento no Rio de Janeiro passaram a considerar o gênero ‘não binarie’. A iniciativa partiu de uma ação da Defensoria Pública, em parceria com a Justiça Itinerante do TJ fluminense, um avanço na opinião da professora Marília. “A não binaridade é uma forma de identificar pessoas que não se sentem contempladas por essa estrutura que fixa os limites de pertencimento a apenas um gênero. O termo ‘não binário’ é guarda-chuva e pode compreender pessoas trans, pessoas de gênero fluido, pessoas intersexo, pessoas agênero ou simplesmente qualquer pessoa que não se sinta contemplada pelo binarismo”, ensinou.
A professora fez questão ainda de afirmar que não é a única que comunga desse entendimento. “É importante observar que há estudos sérios sobre essa questão. Eu venho acompanhando o trabalho do professor Iran Melo, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que pesquisa as interfaces entre gênero, sexualidade e linguagem. Ele diz que a linguagem não binária é uma tentativa de rever as normatividades de gênero nessa perspectiva de compreensão da não binariedade, que é uma visão histórica, colonial e imputada a nós ao longo dos séculos. Estou junto com ele nessa luta”, finalizou.