Roberto Marinho

A pandemia do Coronavírus provocou uma série de profundas mudanças pelo mundo, a começar pelo isolamento social para tentar evitar o risco do contágio. Paris deserta, com a Torre Eiffel fechada, era inimaginável. Ver prefeitos, como Samuca Silva e Rodrigo Drable, criando barreiras para evitar o acesso de pessoas de outras cidades só podia passar na cabeça de um louco. E tudo vem ocorrendo. Pior. Milhares e milhares de pessoas morrem por todos os cantos.
Essa estranha realidade vem tornando o dia a dia de todos quase um filme de ficção. Ou de terror. Pior que isso, na hora mais difícil para qualquer ser humano – a perda de entes queridos – as restrições provocadas pela Covid-19 estão gerando um sofrimento ainda maior. Desde o final de março, os velórios e enterros em Volta Redonda e Barra Mansa estão tendo o número de pessoas limitado. Ou seja, se despedir de quem ama passou a ser um risco.
Na cidade do aço, o drama já foi vivido por mais de 250 famílias, que tiveram o acesso restringido de alguma forma ao velório e enterro de parentes. O Portal da Saudade, por exemplo, vem tomando medidas restritivas desde o dia 20 de março. Entre as determinações por conta do coronavírus, desde então, apenas cinco pessoas podem permanecer por vez no local do velório. No atendimento administrativo, só é permitida a permanência de duas pessoas de cada vez, e a administração do cemitério informa que está mantendo os recintos abertos e arejados, sendo que a utilização do bebedouro coletivo foi proibida, por determinação da Vigilância Sanitária da prefeitura de Volta Redonda. Medidas parecidas também foram tomadas na Capela Mortuária Municipal do Aterrado e no Cemitério do Retiro.
Em Barra Mansa, a prefeitura também tomou medidas de controle de acesso ao cemitério municipal. Nos velórios realizados na capela do local, só é permitido o acesso de cinco pessoas por vez. Os funcionários da unidade estão realizando os sepultamentos usando todo o equipamento de proteção – roupas especiais, luvas, máscaras e óculos. Tudo para evitar uma possível contaminação (ver foto).
Outras cidades da região também tomaram medidas parecidas, como Resende, que recomendou a limitação de pessoas nos velórios da capela do cemitério municipal. Já na capela da Santa Casa da cidade, os velórios foram suspensos por 30 dias (desde 20 de março, grifo nosso). Em Porto Real, os velórios foram limitados a uma hora de duração, com a presença de no máximo 10 pessoas. Em Quatis, os velórios foram suspensos, e só estão sendo realizados os sepultamentos.
A dificuldade envolvendo enterros é tanta que o governo do Estado enviou um container para abrigar – enquanto não são transferidos para as suas cidades de origem – os corpos dos pacientes que morrem da Covid-19 no Hospital Regional. O número de corpos não é informado de forma alguma, mas para que o leitor compare, no Hospital Regional desde março já morreram cerca de 20 voltarredondenses. Muitos saíram da unidade, localizada no Roma, direto para uma cova, sem direito a velório.
Velório online
Por enquanto, nenhum cemitério da região, público ou privado, já adotou o sistema de velório online, serviço que está sendo oferecido em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Recife e Natal, ao custo de cerca de R$ 1 mil. O sistema não é novo – em Natal (RN), é oferecido desde 2001, sendo pioneiro, de acordo com a funerária que o oferece – e permite que parentes ou conhecidos distantes possam de alguma forma acompanhar a despedida do ente querido.
“A partir de uma solicitação da família, o serviço será disponibilizado e as imagens do velório passarão a ser transmitidas pelo nosso portal, por meio de uma câmera instalada no local, permitindo que o velório seja acompanhado à distância. Para dar mais segurança e comodidade ao cliente, o serviço tem acesso restrito, mediante senha, aos familiares e amigos autorizados. Pode-se também enviar mensagens eletrônicas que serão entregues aos familiares presentes no velório”, diz o site do serviço.
Mas, em tempos de pandemia, o velório online começa a ser oferecido de forma emergencial. Já chegou à cidade maravilhosa, onde um cemitério particular oferece, desde o dia 18 de março, de forma gratuita, o serviço para as famílias. O objetivo, neste caso, é evitar as aglomerações, como recomendado pelo Ministério da Saúde.
Despedida é fundamental
No Brasil, a Covid-19 já provocou em alguns lugares situações idênticas às da Itália, onde as famílias dos mortos pela doença foram proibidas de velar ou mesmo se despedir do ente querido com uma última visita. Como disse um agente funerário italiano entrevistado pela agência de notícias inglesa BBC, “a pandemia mata duas vezes”.
A vivência do velório e do enterro é uma etapa fundamental do processo de luto, que ajuda as pessoas a compreenderem a perda de um ente querido, seja um familiar ou um amigo. A derradeira despedida, por mais dolorida que seja, faz com que esse processo seja menos traumático. Mas as mudanças provocadas pela pandemia modificaram profundamente isso, já que as restrições valem mesmo para aqueles que não morrem vítimas da doença. Ou seja, qualquer um que perder um familiar ou amigo neste período passará pelo trauma de não poder se despedir.
De acordo com a psicóloga Bruna Borges, especialista em luto pela PUC-SP, quando acontece a morte de alguém próximo, a vida se desorganiza e o velório é o primeiro passo para que a pessoa elabore a perda. “Esta talvez seja uma das consequências mais dolorosas do isolamento social. As soluções tecnológicas, como os velórios online, são uma saída, mas ainda não estamos totalmente acostumados a isso e não será igual a uma despedida presencial. Além disso, não é todo mundo que pode ter acesso”, afirmou Bruna. A psicóloga afirma ainda que, mesmo com as restrições impostas pelas autoridades sanitárias, o velório com presença limitada e o enterro – ainda que com caixão fechado, com um visor, como está sendo feito – são muito importantes para que a família e amigos consigam elaborar a perda de uma pessoa próxima.
“O velório e o enterro ajudam os familiares a reconhecer, compreender o que aconteceu e realizarem um processo de despedida. O enterro tem, sim, o significado simbólico e é importantíssimo para que a pessoa consiga ter um luto saudável. Não estando com a família próxima presencialmente, dificulta o amparo ao familiar mais vulnerável no momento, podendo gerar algumas complicações psicológicas, como a depressão”, explicou a especialista.
Cremação de corpos
Na semana passada, os deputados fluminenses aprovaram um projeto de lei para agilizar o processo de cremação dos mortos pela Covid-19, desde que a medida seja solicitada pelos parentes. O projeto – aprovado em discussão única e ainda dependendo de sanção do governador Wilson Witzel – prevê que a cremação possa ser solicitada pelo cônjuge, descendente (filhos) e ascendente (pais ou avós), nessa ordem.
Atualmente, o desejo de realizar o procedimento deve ser expresso pela pessoa ainda em vida, por meio de declaração registrada em cartório. O projeto aprovado pelos deputados estaduais estabelece ainda que a solicitação poderá ser feita mediante declaração simples, por causa do fechamento dos cartórios.
A proposta determina que a Secretaria de Estado de Saúde (SES), por meio das unidades de saúde, emita a declaração de óbito com todos os dados exigidos pelo Ministério da Saúde para que os parentes possam emitir posteriormente o atestado de óbito. A medida ainda autoriza o governo do Estado a custear o funeral e as cremações, e valerá até o fim do estado de emergência em razão da pandemia de Coronavírus.
O projeto também estabelece diretrizes para o manejo de cadáveres, com o uso de barreiras de poliuretano absorvente, filme impermeável e polipropileno, para evitar qualquer contato direto com resíduos. Esses materiais deverão ser aplicados individualmente nos corpos, seja em sepultamentos ou em cremações. O texto também determina que os municípios orientem os cemitérios a sepultar os corpos de forma direta – sem velório – em casos de mortes por Covid-19.
O corpo deverá sair do hospital em caixão lacrado direto para o cemitério, com toda a documentação em ordem. O cemitério também deverá ter um local separado – como capelas – para guarda dos corpos, que poderão ser sepultados ou cremados. Para a descontaminação do ambiente, os cemitérios deverão utilizar hipoclorito de sódio (água sanitária).