Roberto Marinho
Se você pretende ir à Avenida Amaral Peixoto em dias de chuva forte, se prepare: além da capa, guarda-chuva e galochas, é bom levar um colete salva-vidas. E pegue um barco para ir ou retornar. Brincadeiras à parte, o alagamento que a via sofreu na tarde de quarta, 19, fruto de um temporal que caiu sobre a cidade do aço, voltou a provocar transtornos e prejuízos para comerciantes e a população. O que se viu foi uma cena de cinema: as águas do Córrego São Geraldo inundaram a pista e a calçada em até um metro de altura. O trânsito foi interrompido, vários carros ficaram alagados e as pessoas buscavam abrigo em lugares mais altos, sem perder a chance de filmar tudo com seus celulares. Afinal, o quadro era caótico.
Só que os alagamentos na Amaral Peixoto não são um problema novo. Eles vêm sendo denunciados pelo aQui desde o início de 2019. A situação, inclusive, piorou muito com a construção do Shopping Park Sul, de três hipermercados, e ainda com as obras de drenagem do cemitério Portal da Saudade, todos na Rodovia dos Metalúrgicos. Na série de reportagens publicadas entre fevereiro e abril de 2019, o jornal relatou o drama dos comerciantes que estavam tendo prejuízos com a interrupção das vendas e o fechamento das lojas, e ainda sofriam para fazer a limpeza dos estabelecimentos inundados pela água. Sem contar as mercadorias estragadas e outros danos que porventura aconteciam.
Nas reportagens, todos os comerciantes entrevistados foram unânimes em afirmar que o problema tinha piorado com as obras de drenagem na rodovia. “O problema é antigo, os alagamentos sempre existiram, mas desde que foi feito esse sistema de drenagem do shopping e da rodovia, isso piorou muito. Quando começa a chover forte, por mais de cinco minutos, eu já me preparo para fechar a loja, porque sei que vai alagar”, disse na época um lojista que trabalhava há mais de 20 anos no local. Os comerciantes não isentaram os moradores da São Geraldo de culpa: segundo eles, até sofás já foram retirados do córrego, que, além do lixo, agora recebe as águas de todo o estacionamento do shopping, das cinco pistas da Rodovia dos Metalúrgicos, e do Portal da Saudade. É muita coisa para um curso d’água que tem poucos metros de largura e profundidade.
Mas não foram só os comerciantes que fizeram a avaliação. O aQui ouviu ainda engenheiros civis, que foram unânimes em afirmar que faltou planejamento nas obras, e que seria necessária a construção de um “piscinão” no início do Córrego São Geraldo para conter o excesso de água. “O estacionamento do shopping é enorme, com uma superfície impermeabilizada pelo asfalto muito grande. A mesma coisa acontece nos hipermercados. A água da chuva não consegue mais penetrar no solo e segue para o sistema de drenagem. Que funciona bem, evitando o alagamento no shopping, mas joga o problema mais para baixo, para a Amaral Peixoto. A construção da barragem no córrego poderia aliviar os alagamentos. Não tenho nenhum estudo técnico que comprove essa hipótese, mas meus mais de 30 anos de experiência me indicam isso”, afirmou um dos engenheiros ouvidos.
Ele citou ainda o problema da galeria por onde o Córrego São Geraldo atravessa a Amaral Peixoto para chegar ao Aterrado até desaguar no Rio Paraíba do Sul – que é cheia de interferências. “Acho que ninguém sabe o real estado desta galeria. Ela é muito antiga e tem um trecho que é atravessado por pilares, por exemplo, onde está o Posto JK. Essas interferências acabam retendo a sujeira vinda do córrego, e acaba funcionando como uma rolha, o que só agrava o problema”, avaliou.
Na ocasião, a prefeitura refutou as hipóteses levantadas pelos técnicos ouvidos pelo jornal, afirmando, entre outras coisas, que antes da construção do Park Sul “foi apresentado cálculo da bacia de contribuição da área para comprovação que a drenagem proposta não comprometeria o sistema de drenagem existente”. O Park Sul, também procurado pela reportagem, respondeu que o projeto de drenagem teria sido “feito de acordo com as normas técnicas em vigor e aprovado pela secretaria de Obras de Volta Redonda”.
No entanto, na mesma época o ex-prefeito Samuca Silva deu uma entrevista ao comunicador (hoje também vereador) Betinho Albertassi, em que não só confirmou o problema, como dizia que havia “um erro de projeto” nas obras de drenagem. “Lá no Jardim Amália (início da Amaral Peixoto, grifo nosso) há um erro de projeto, já identificamos. Aquela obra que está acontecendo em frente ao Hospital Unimed é para transferir água fluvial para o córrego Brandão e não para vir para frente, para tentar amenizar essa obra”, disse Samuca na entrevista, afirmando ainda que haveria uma série de obras para tentar solucionar o problema. “A primeira obra já está acontecendo e é exatamente aquela em frente ao Hospital Unimed para tentar que a água seja desviada para o Córrego Brandão e não especificamente lá para o Jardim Amália”, disse.
Um morador da São Geraldo, em contato com o aQui depois da chuva de quarta, 19, contou que pela primeira vez na vida teve o dissabor de ver sua casa invadida pelas águas. E, segundo ele, a prefeitura deveria tratar logo de fazer uma obra adequada para evitar os transtornos cada vez maiores. “Aqui no meu terreno entrou água pela primeira vez, nunca tinha visto isso. Se não canalizar o córrego, ampliando a vazão, passando por baixo da Amaral Peixoto e Getúlio Vargas, o prejuízo só vai piorar”, apontou.
CSN autorizou dragagem do Córrego São Geraldo que passa pela Usina Presidente Vargas
Desobstruindo geral
Questionada pelo aQui acerca do novo alagamento na Amaral Peixoto e Getúlio Vargas, a prefeitura de Volta Redonda explicou, por meio de nota da Secom (secretaria de Comunicação), que será feito um estudo pelo IPPU-VR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda) e pela secretaria de Infraestrutura (SMI) para que se encontre “a melhor solução”. No comunicado, o órgão destacou o “crescimento desordenado da cidade, por meio de recentes empreendimentos”, o que faria surgir problemas como o registrado nas redes pluviais da Amaral Peixoto e adjacências, “que não estão comportando o grande volume de água como o último registrado”.
Segundo a nota, o coordenador da Defesa Civil do município, Rubens Siqueira, classificou o temporal de quarta como “atípico”, já que o volume de chuva ficou concentrado sobre a região da São Geraldo, contribuindo para o alagamento na Amaral Peixoto. A prefeitura apontou ainda que a SMI obteve autorização da CSN para dragar o córrego próximo à Capela Mortuária do Aterrado, onde desembocam as águas do Córrego São Geraldo, já que um trecho do curso d’água passa dentro da empresa. A prefeitura informou ainda que o serviço deve ser iniciado na próxima semana, e deve ser estendido a outros pontos da cidade.
Na nota, a Secom informou que a prefeitura realizou há dois meses uma limpeza em toda a faixa de captação e escoamento das águas pluviais ao longo da Avenida Getúlio Vargas e região central, e que ralos e bueiros da Avenida Amaral Peixoto estão passando por um novo processo de desobstrução. O lixo jogado nos córregos e bueiros da cidade também é apontado como um fator que contribui para os alagamentos, já que prejudica o escoamento da água.