Escrevo para contar um pouco das aventuras com minha filha, Valentina, que completou dois anos. Aventuras que implicam necessariamente uma experiência interior, no coração e na alma desta mãe de primeira viagem. Valentina é uma criança feliz, palavra que ela adora pronunciar e que, do seu jeitinho, soa como “fe-iz”.
Certa vez uma amiga compartilhou a foto de uma escola pública de São Paulo em que quatro crianças, usando máscaras, ocupam uma sala sem mesas, cadeiras e professor. A foto expressa o vazio enorme quanto ao cuidado das crianças, à proteção de seus direitos e à atenção de suas
necessidades. Vi a foto quando me preparava para levar Valentina à escola. Ela estava de casaco, tênis, mochila e com a lancheira cheia de guloseimas.
Não pude deixar de sentir um constrangimento. Eu disse: “Filha, olha para mim. Mamãe vai tirar uma foto sua!”. Ela sorriu para a foto. Toda “fe-iz” por ir à escola. Com lágrimas nos olhos, eu disse a ela: “Nós temos tanto, filha”. Sim, temos tanto. Em um mundo onde muitos têm tão pouco.
Como ensinamos às crianças que a desigualdade não é natural, mas sim construída social e culturalmente? Como ensinamos uma criança a estranhar a desigualdade? Como posso ensinar minha filha a se indignar com o fato de que, enquanto temos tanto, outros têm tão pouco? E como ensino a ela que devemos não apenas nos indignar, mas também agir em favor da justiça e da paz?
Em contrapartida, enquanto somos tão desiguais, somos tão semelhantes. E isso é algo que não preciso ensinar a minha filha. Ela sabe. Ela me ensina isso! Quando alguém se agacha para falar com a Valentina, ela também se agacha; afinal, para ela, somos do mesmo tamanho. É como se ela dissesse: Não há motivo para se agachar quando quiser falar comigo. Somos iguais.
Mas em algum momento, quando começa a ter contornos de adulto, a criança deixa de pensar que somos iguais e passa a ver as diferenças. Que momento é esse em que as diferenças passam a ser tão determinantes em nossas relações a ponto de nos afastar uns dos outros? E não apenas isso. Elas também passam a provocar discriminações, exclusões e violências.
Por isso, viver com a Valentina tem sido para mim uma viagem tão profunda. Não me canso de aprender com minha filha. Quero aprender com ela a ver cada pessoa como meu igual.
Fernanda Kivitz é especialista em Educação Infantil pelo Instituto Singularidades, graduada em Ciências Sociais pela PUC-SP e colaborou para o livro Espiritualidade no chão da vida, pela Editora Mundo Cristão.