Por Mateus Gusmão
Os moradores de Volta Redonda já devem estar cansados de tantas promessas – e tentativas – de fazer com que o antigo Escritório Central da CSN volte a ser utilizado. O prédio de 16 andares, localizado no coração da cidade do aço, está desocupado desde que Benjamin Steinbruch, presidente da empresa, resolveu levar o setor administrativo para São Paulo, no início dos anos 2000. Desde então, virou comum surgirem boatos dando conta que o ‘elefante branco’ teria uma ocupação. Nesse tempo, o imóvel ‘já virou’ motel, igreja evangélica, shopping e sede da prefeitura.
E agora, graças ao governador Cláudio Castro, um novo boato está circulando pela cidade do aço. Dá conta que o governo do Estado estaria disposto a criar um hospital ou até uma universidade de Medicina no prédio do Escritório Central, abatendo o valor do imóvel em dívidas que a CSN teria para com os cofres estaduais – da ordem de R$ 1,8 bi. Dívidas que estão, obviamente, sendo questionadas judicialmente pela direção da CSN (ver box).
Detalhes que pesam na nova estória: o estado já mantém o Hospital Regional, que vira e mexe é alvo de críticas dos prefeitos do Sul Fluminense, e prevê, conforme promessa de políticos, a criação de uma nova faculdade de Medicina em um anexo ao HR, no Roma, e não a quilômetros de distância. Tem mais. O prefeito de Barra Mansa também espera apoio de Castro para criar uma faculdade de Medicina em seu município, o que levaria a região a ter excesso de escolas, sem contar que poderia prejudicar as que já existem, como a da Fundação Oswaldo Aranha, a melhor do estado do Rio. Procurado pela reportagem, o presidente da FOA, Eduardo Prado, disse, através da sua assessoria de imprensa, que desconhecia o assunto.
“A abertura de novos cursos de Medicina é rigorosamente regulada pelo MEC. Desse modo, quando ocorre tal evento, todas as instituições de ensino superior do país são informadas para concorrer ao edital que é publicado pelo Ministério da Educação. Desse modo, nós, da FOA/UniFOA, desconhecemos a veracidade desse boato”, afirmou. “Nosso curso de Medicina existe há 55 anos, desde que nasceu a Fundação Oswaldo Aranha. Os estudantes vivenciam uma realidade que une tanto a tradição de qualidade e a atualização constante, quanto a oferta de tecnologias, corpo docente altamente qualificado, assim como a equipe técnico administrativa que compõe o apoio às práticas, e matriz curricular que corresponde às demandas do mundo do trabalho”, acrescentou.
Prado foi além. Enumerou uma série de pontos fortes do curso de Medicina da instituição,
destacando a parceria que mantém com a prefeitura de Volta Redonda para encerrar, lembrando que não teme a abertura de novos cursos em Volta Redonda e região. “Temos tranquilidade quanto à possibilidade de abertura de novas faculdades de Medicina que estejam alinhadas com os rigores legais e de cenário prático que o MEC preconiza. A cada processo seletivo, que para o curso de Medicina do UniFOA é totalmente pelo Enem, e está com inscrições abertas, temos enorme procura de candidatos, não só da região, como também de outros locais do país. Isso é reflexo do nosso investimento diário em oferecer o melhor ensino, conforme foi também destacado no Guia da Faculdade, uma iniciativa do jornal O Estado de S. Paulo em parceria com uma das principais startups da área educacional do país, a Quero Educação. Nessa avaliação, o curso de Medicina do UniFOA foi considerado “muito bom”, pois conquistou nota 4, em uma escala de 1 a 5”, pontuou.
Passado
Para quem não conhece o Escritório Central e os bastidores da política local, como é o caso do próprio governador Cláudio Castro, que nunca pisou nas instalações do antigo imóvel da CSN, é bom saber que o prédio, avaliado de R$ 70 a 100 milhões, já foi alvo de negociações entre a prefeitura de Volta Redonda e a CSN. Em 2017, o então prefeito Samuca Silva chegou a conversar com Steinbruch sobre a possibilidade de transformálo em sede do Palácio 17 de Julho. As negociações duraram cerca de dois anos, e Samuca chegou a anunciar a compra do imóvel. Só que tudo não passou de mais um devaneio dele.
Na época, uma das primeiras propostas apresentadas pelo município foi a de um encontro de contas entre o Poder Público e a CSN, em que a prefeitura ficaria com o prédio deduzindo o valor da dívida de impostos da siderúrgica com os cofres municipais. Como a proposta não avançou, outro projeto apresentado foi o de a prefeitura alugar apenas seis andares do Escritório Central e o pagamento ser feito através de isenção do IPTU. Também não saiu do papel. Samuca chegou a colocar a culpa da compra não ter se concretizado no Conselho Administrativo da CSN. “Registro a vontade do senhor Benjamim (Steinbruch) em viabilizar a reabertura do antigo Escritório Central. Ele já tinha aceitado a cessão com isenção do IPTU anual, mas a empresa tem um Conselho, que preferia um aluguel pela prefeitura. Não tenho como justificar o interesse público e econômico em pagar aluguel por um prédio ou andares, já que tenho minhas instalações próprias e já reduzimos grande parte dos aluguéis. A proposta de aluguel nunca foi cogitada pela prefeitura”, disse Samuca em 2019. Até o momento, nenhuma autoridade do governo do Estado, do Palácio 17 de Julho e nem da CSN confirmou oficialmente se existe ou não alguma negociação envolvendo o Escritório Central ou qualquer outro ativo não utilizado da siderúrgica na cidade do aço. A prefeitura de Volta Redonda, por exemplo, sonha em ocupar o antigo Centro de Puericultura, na Vila, e conta com aval da direção da CSN, como o aQui já noticiou com exclusividade.
Uma fonte ligada à siderúrgica ouvida pelo aQui entende que as negociações entre CSN e Cláudio Castro ainda estão em uma fase preliminar. Bem preliminar. “O Castro está empenhado em ajudar”, disparou, garantindo que o prefeito Neto também teria a mesma disposição. “O governador e o prefeito estão vendo uma melhor maneira de aproveitamento para o Escritório Central. Não ouvi
falar em hospital, mas sim na possibilidade de se instalar ali uma faculdade de medicina. De qualquer forma, tudo muito preliminar, ainda”, reiterou a fonte ligada à CSN. “Neste momento, o prédio do antigo Escritório Central está sendo estudado para verificar se é possível fazer nele próprio uns andares de estacionamento. No mais, tudo é especulação”, diz. Outra fonte, com trânsito no Palácio 17 de Julho, confirma a tese dos estudos sobre o que se pode fazer com o Escritório Central. “O prefeito já mandou fazer alguns levantamentos do espaço, que serão levados ao governador”, disse, adiantando que um encontro entre Neto e Castro poderá ser agendado para os próximos dias. “Neto, com aval da CSN, quer mostrar quais são as obras necessárias para o Escritório Central voltar a ser utilizado. Tem que ver a questão do sistema de ar condicionado, da falta de vagas de estacionamento etc”, disparou. “O objetivo, caso a negociação avance, é ter um panorama do que pode ser feito e o que a região precisa. Estas duas coisas devem andar juntas”, acrescentou. “Não adianta ‘querer’ fazer algo que não seja adaptado ao prédio. O projeto terá de respeitar as condições do prédio e a disposição do Estado em investir nas adaptações necessárias”, comparou, para logo concluir: “A prefeitura, o Estado e a CSN estão caminhando para entendimentos em diversas situações, que serão boas para a empresa (como a do TAC ambiental, grifo nosso) e muito boas para a população. Nem sempre é uma equação fácil, mas estamos indo muito bem. Vamos fazer de tudo para que isso seja permanente”, destacou. O estudo da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), usado por alguns veículos de comunicação da região para atacar a CSN, não é novo. É de 2021. Na época, a dívida ativa do estado era de mais de R$ 119 bilhões, e os valores devidos pelas empresas totalizavam mais de 190% da receita de impostos daquele ano, que foi de mais de R$ 62 bilhões.
Na época, as 10 maiores empresas devedoras do estado eram a Petróleo Brasileiro S A (R$ 9 bilhões), Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A (R$ 4 bilhões), Arrows Petróleo do Brasil LTDA (R$ 2,3 bilhões), Companhia Siderúrgica Nacional (R$ 1,8 bilhão), Light Serviços de Eletricidade S A (R$ 1,3 bilhão), INCA Combustíveis LTDA (R$ 1,2 bilhão), IMAPI Indústria & Comércio LTDA (R$ 1,2 bilhão), STAR ONE SA (R$ 1,2 bilhão), Varig SA Viação Aerea Grandense (R$ 1,2 bilhão), RodoPetro Distribuidora de Petróleo LTDA (R$ 1,1 bilhão). Juntas, elas devem mais de R$ 25 bilhões.
Dados nacionais
Nacionalmente, a dívida ativa aos cofres públicos chegava a quase R$ 1 trilhão. O levantamento nacional realizado pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) aponta que, de 2015 a 2021, a dívida ativa no Balanço Patrimonial dos estados brasileiros teve um expressivo crescimento, passando de R$ 682,2 bilhões para R$ 987,75 bilhões em 2021. A Federação atualizou o estudo sobre a composição dos débitos em cada estado, que conta com a relação dos 100 maiores devedores de cada unidade federada.“ Os altos estoques de dívida ativa comprometem a capacidade dos governos em programar políticas de abrangência territorial que definem metas e estratégias de desenvolvimento econômico, regional e social, com o devido respeito ao meio ambiente. A recuperação da dívida ativa de poucas e grandes empresas é particularmente indispensável para os estados criarem oportunidades de proteção social e econômica para aqueles que estão marginalizados pelo sistema de economia de livre mercado”, destaca o presidente da Fenafisco, Charles Alcantara. Só por curiosidade, a
CSN não aparece na lista dos maiores devedores do país, que são: Refinaria de Petróleo de Manguinhos (R$ 7,7 bilhões), Ambev (R$ 6,3 bilhões), Telefônica/Vivo (R$ 4,9 bilhões),
Sagra Produtos Farmacêuticos
(R$ 4,1 bilhões), Drogavida Comercial de Drogas (R$ 3,9 bilhões), Tim Celular (R$ 3,5 bilhões), Cerpasa Cervejaria Paraense (R$ 3,3 bilhões), Companhia Brasileira de Distribuição (R$ 3,1 bilhões), Vale (R$ 2,7 bilhões) e Athos Farma Sudeste S.A (R$ 2,9 bilhões). O estudo também aponta que os maiores devedores, geralmente, recebem benefícios e incentivos fiscais em suas áreas de atuação.
VERSÃO DA CSN
Procurada pelo aQui para falar da dívida, a CSN enviou uma nota em que informa que sempre que se está tratando de dívidas, os números são relativos e assim devem ser analisados, uma vez que nesses dados estão inseridos valores que ainda estão sendo questionados administrativa e judicialmente. Na prática, o fisco autua e a empresa recorre administrativamente. Se perder, recorre judicialmente. Então, até que o processo judicial seja concluído – o que pode demorar anos –, não há de se falar em dívida ou em dívida consolidada. A empresa, contudo, garante que jamais se negou a discutir o tema como Estado e a participar de programas de Refis e outros porventura instituídos, assim como de programas de compensação de créditos tributários e de outros mecanismos de ajuste promovidos pelo Estado, sempre referentes à parte não controvertida das autuações fiscais.
Grandes empresas e pessoas físicas devem mais de R$ 119 bilhões em impostos no Rio de Janeiro