sexta-feira, outubro 4, 2024
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Jovens e pessoas LGBT+ são os que mais cometem ou pensam em suicídio

Psicóloga Camila Franco


Por Vinícius de Oliveira

Ano após ano os números de suicídio chocam a sociedade, gerando dois problemas sérios a ser enfrentados, principalmente, pelos órgãos públicos: apagar os casos e a dificuldade, por conseguinte, da conscientização. Mas só se vence um inimigo quando este é enfrentado de frente, munido de informações a seu respeito. Do contrário, ele persiste, fazendo vítimas, neste caso, cada vez mais jovens.
Em 2002, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde, a principal causa de morte por violência no mundo estava ligada ao suicídio. Mais até do que crimes por armas de fogo e guerra. Já em 2019, menos pessoas se mataram no mundo, contudo nas Américas o caminho foi inverso. Esse tipo de violência contra si mesmo aumentou 17% no território latino-americano. No Brasil, o aumento foi de 43%.
Os mesmos estudos revelam que as mulheres são as que mais tentam dar fim à própria vida, porém as principais vítimas fatais de si mesmos são homens jovens. A taxa de suicídio entre eles cresceu 6% ao ano no Brasil (de 2011 a 2022). Esses resultados foram levantados pela Fiocruz, a partir da análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health – Americas.
Ao ser questionada sobre o tema, a psicóloga Camila Franco, que se especializou em atendimento clínico de adolescentes, explicou que não é possível traçar indicadores que expliquem as principais motivações, principalmente entre os homens jovens, mas algumas variáveis são perceptíveis e podem ajudar a entender o processo. “Encontramos a correlação com traços de desesperança, impulsividade, rigidez cognitiva, perfeccionismo e intolerância à dor emocional decorrente de diversas situações. Esses traços costumam fazer parte do quadro de algum transtorno mental – transtornos de humor, abuso de substâncias, transtornos de personalidade –, e isso certamente deve ser levado em consideração. E o fenômeno do aumento da ocorrência desses transtornos é multicausal, não temos como isolar uma causa específica”.

Apesar disso, Camila faz questão de alertar que o tempo indevido exposto às telas, sobretudo consumindo conteúdos de redes sociais, tende a agravar problemas psíquicos nos jovens, que levam a pensamentos suicidas, assim como a experiência desastrosa com a pandemia. “As redes sociais acabam sendo grandes fomentadoras de pensamentos de comparação, autocobrança e perfeccionismo. A pouca abertura para diferentes experiências também aparece como um importante fator, e sabemos que o uso de telas e o contato cada vez mais prolongado com a tecnologia propicia um empobrecimento do repertório de experiências de adolescentes e jovens adultos. A pandemia da Covid-19 também interrompeu o fluxo de interações sociais em uma fase do desenvolvimento na qual isso é imprescin- dível. O isolamento também aumentou a vulnerabilidade a conflitos familiares e situações de abuso moral e sexual”, analisou.
A psiquiatra Célia Araújo, professora da faculdade de medicina de Valença e preceptora de internos do 11o e 12o pe- ríodos, acrescenta outros elementos impressionantes a essa tragédia. Segundo ela, 30% dos suicidas foram vítimas de abuso físico ou sexual ou de algum tipo de negligência por parte da família. “Artigo publicado em março de 2009 na revista Nature Neuroscience demonstrou que o abuso sexual e físico nos primei- ros anos de vida aumenta a quantidade de um tipo de receptor no cérebro de suicidas que se localiza numa importante via neuroendócrina do organismo”, completou.

Suicídio e comunidade LGBT+
Diante do exposto pelas profissionais da saúde, é fácil cravar que as chances de integrantes da comunidade LGBT+, sobretudo aqueles sem a dádiva da passibilidade (condição comportamental que o faz ser confundido com cisgêneros) serem acometidos por algum tipo de sofrimento psíquico são enormes. Vale lembrar que o Brasil persiste como líder no ranking global dos países que mais matam lésbicas, gays e travestis.
Um estudo de 2019 feito por integrantes da Faculdade Federal de Minas Gerais, intitulado ‘Violência contra pessoas LGBT+ no Brasil: análise da Pesquisa Nacional de Saúde’, mostrou que aproximadamente metade das pessoas LGBT+ relataram ter sofrido algum tipo de violência ao longo de um ano, sendo que essas pessoas tiveram aproxima- damente o dobro de chan- ce de sofrer qualquer tipo de ataque violento em relação às pessoas que se autoidentificaram heterossexuais. “As mulheres que compõem a comunidade foram as vítimas mais frequentes, enquanto os homens heterossexuais os com menor percentual”, diz o estudo.
A população T é a mais visada. Do total de 151 pessoas trans mortas em 2022 no Brasil, 65% dos casos foram motivados por crimes de ódio, com requinte de crueldade. E para piorar, as chances de sofrer violência sexual é quase cinco vezes maior para pessoas LGBT+.
A iminência do extermínio e o medo da violência trazem dores psíquicas que tendem a provocar na população LGBT+ pensamentos invasivos e suicidas, fazendo com que sejam três vezes mais propensos ao suicídio quando com- parada à população heterossexual. “É importante frisar que não é a questão do gênero em si que leva as pessoas LGBTs ao desejo de suicídio, mas, sim, os atravessamentos. Aceitação, a ansiedade que gera por não saber como lidar com essa questão e o medo da falta de acolhimento”, reforçou a psiquiatra Célia Araújo.
Para se ter uma ideia, recentemente o coletivo VoteLGBT (ONG que busca promover políticas de visibilização da comunidade, sobretudo nas eleições) entrevistou cerca de 10.000 pessoas LGBT+, e 42,7% deles apontaram a saúde mental como seu principal desafio.

Como evitar?
Em tempo, Camila lembra que uma importante estratégia de prevenção ao comportamento suicida é a quebra do tabu com a construção de espaços seguros para falar sobre a temática. “Algumas crenças errôneas sobre suicídio – como, por exemplo, a de que falar sobre o tema incentiva o ato – acabam criando barreiras à preven- ção. Quando isso acontece, esses adolescentes e jovens vulnerabilizados acabam não tendo a oportunidade de serem protegidos. É claro que as conversas sobre suicídio precisam ser acompanhadas da delicadeza e responsabilidade que a temática requer. Não é aconselhável fornecer detalhes, fotos, elementos de identificação ou de romantização/idealização do suicídio. A ideação suicida aparece como uma forma de interromper o sofrimento, e é no cuidado a esse sofrimento, não no ato, que o foco atencional deve se concentrar. Não se trata de falar apenas, mas de converter o diálogo em ajuda efetiva”, asseverou a psicóloga.
Ainda de acordo com Camila, se uma pessoa sentir que não está sozinha, poderá se acalmar e, consequentemente, ganhar tempo para pensar em vez de agir. “A partir desse ponto, ela poderá nos ajudar a continuar a ajudá- la. A presença de pessoas significativas por perto é reconhecidamente um fator de proteção. Entretanto, um plano de ação para o cuidado diante da possibilidade de suicídio é algo a ser compartilhado por profissionais de saúde, por pessoas significativas e, principalmente, pela própria pessoa em sofrimento. Ninguém dá conta de tudo”.
É sempre bom lembrar que algumas prefeituras fazem questão de colocar no calendário oficial do município programas de prevenção por ocasião do Setembro Amarelo, período do ano definido pela OMS para dar foco às discussões em torno do deli- cado tema. É o caso de Barra Mansa, que, por meio da Secretaria de As- sistência Social e Direitos Humanos, está enfatizando neste mês a importância das ações dos dispositivos da pasta com enfoque nas campanhas temáticas, que visam à conscientização e prevenção ao suicídio. O secretário de Assistência Social, Fanuel Fernando, lembrou que é uma prática recorrente abordar a questão neste período como forma de garantir o bem-estar psicológico das pessoas.

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