O Ministério Público Federal (MPF) em Volta Redonda celebrará neste sábado, 6, às 9 horas, na Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para pôr fim à encenação sobre a “escravidão” para turistas, bem como medidas reparatórias que serão adotadas para que o local receba o selo “Fazenda sem Racismo”. No local, como o aQui também mostrou (edição 1027, de dezembro de 2016), pessoas negras vestidas como escravas serviam os turistas que visitavam o local e eram recebidos pela proprietária Elizabeth Dolson, que se vestia com roupas de época, representando uma sinhá.
A situação foi objeto de investigação no MPF (Inquérito Civil Público nº 1.30.010.000001/2017-05), após uma reportagem publicada pelo site “The Intercept Brasil”. Conforme a matéria, a proprietária também teria se manifestado da seguinte forma a uma pergunta da jornalista: “Racismo? Por causa de quê? Por que eu me visto de sinhá e tenho mucamas que se vestem de mucamas? Que isso! Não! Não faço nada racista aqui!”.
O inquérito apurou a violação de direitos fundamentais na programação turística da Fazenda Santa Eufrásia, bem como a possível violação ao patrimônio histórico, tendo em vista a sua finalidade de educação e reparação simbólica de violações de direitos perpetradas no local em tempos passados. No curso da investigação, foi confirmada a veracidade dos fatos relatados na reportagem, conforme manifestação de Elizabeth Dolson.
O local é a única fazenda particular tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (Iphan-RJ), tendo sido tombada em 1970 em razão de sua importância histórica, cultural e paisagística.
Pelo acordo que será celebrado, fica vedada, nas atividades da Fazenda Santa Eufrásia, a encenação ou a utilização de vestimentas por pessoas negras ou brancas que as caracterizem como “mucamas”, estendendo-se tal proibição aos visitantes. As proibições valem tanto para o conteúdo divulgado no local quanto na Internet (site e redes sociais da fazenda).
Além disso, fica proibida a utilização da palavra escravo, de forma escrita e oral, devendo ser trocada pela expressão “pessoa escravizada”. “Com isso, vamos contribuir para a superação da associação da imagem do negro ao ‘escravo’ em nossa sociedade e de esclarecer que africanos e seus descendentes foram escravizados e não ‘nasceram escravos’ e que ninguém ‘descende de escravos’, tratando-se de pessoas, de homens e mulheres, de seres humanos que foram criminosa e injustamente escravizados”, explica o procurador da República Julio José Araújo.
Além de reparar as violações aos direitos da população negra causada pela representação, para fins turísticos, o acordo com o MPF e com a Defensoria Pública visa assegurar o reconhecimento da história e cultura negra e o combate ao silenciamento dos efeitos da escravização de pessoas no Brasil, em especial na região do Vale do Café, no estado do Rio de Janeiro.
Dentre outras obrigações, os responsáveis pela fazenda se comprometem a custear e instalar na área externa à casa, no prazo máximo de 60 dias, em local de fácil acesso e de visitação, duas placas, uma explicando a história do local e a outra com o nome das 162 pessoas escravizadas no ano de 1880 na fazenda, como dever de memória e homenagem. Outros cartazes serão afixados em locais de fácil visualização alertando sobre o crime (a prática de racismo) e quais canais devem ser buscados para denunciar episódios similares ao MPF. Outra medida será a confecção de 500 folhetos educativos sobre a história da comunidade cativa da Fazenda Santa Eufrásia, com divulgação do conteúdo também no site da fazenda.
Para assegurar que não haverá reincidência do episódio, a gestora da Fazenda e todas as pessoas responsáveis por receber visitantes deverão, no prazo de 60 dias, passar por processo de capacitação, com carga horária de 12 horas, em curso a ser organizado e ministrado por representantes e lideranças negras da região, mediante apoio de pessoas por eles indicadas e intermediação do MPF e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de conhecer sua história de resistência e de lutas, assim como as histórias de seus antepassados. A capacitação deverá incluir visitas da equipe da Fazenda Santa Eufrásia aos memoriais existentes em comunidades como o Quilombo São José da Serra e o jongo de Pinheiral.