E o Polo?

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Por Pollyanna Xavier

Um relatório divulgado pela secretaria estadual de Fazenda do Rio (Sefaz), durante uma audiência pública na Alerj, no início da semana, pode ser a explicação por que nenhuma empresa ainda se instalou no Polo Metalomecânico de Volta Redonda. Anunciado com estardalhaço pelo prefeito Samuca Silva e pelo presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, há pelo menos um ano e meio, o Polo nunca saiu do papel. Dos oito empresários que assinaram o Termo de Cooperação para instalar suas empresas na cidade do aço, um já desistiu faz tempo. O que ninguém explica é por que o Polo, que já recebeu incentivos fiscais do Estado, ainda não foi implantado.

Em documento público, a Sefaz afirmou que metade das empresas do setor metalomecânico que ganham isenção fiscal em todo o estado fraudam o sistema tributário fluminense. Tem mais. Garante que mais da metade destas empresas fica em Volta Redonda. O relatório é resultado de uma série de investigações e fiscalizações feitas por técnicos da pasta desde fevereiro de 2019. A operação, batizada de Triângulo do Aço, entrou na fase III e, devido aos resultados das fases anteriores, teve a inclusão do Ministério Público nas ações. “Só de sonegação calculamos algo próximo a R$ 700 milhões”, anunciou o auditor fiscal da Sefaz, Edson Tadeu.

Os números do Relatório foram apresentados na segunda, 9, aos deputados fluminenses durante audiência pública realizada pela Comissão de Tributação da Alerj. “Identificamos que a isenção fiscal não traz desenvolvimento para o estado e, em geral, também não traz benefícios sociais como deveria ocorrer. Dei o exemplo de Pinheiral, que nas ruas em frente às empresas não há asfalto. É preciso pensar outras saídas em longo prazo”, ressaltou Edson Tadeu, acrescentando que as empresas de Volta Redonda não poderiam usufruir do benefício da isenção fiscal, já que o município não apresenta um índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo.

A audiência pública que tratou das questões envolvendo as isenções fiscais foi pedida pelo deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Alerj e que até bem pouco tempo tinha o prefeito Samuca Silva como aliado no ninho tucano (agora é filiado ao PSC).  Em outubro do ano passado, após a publicação de um Decreto que concedeu incentivos fiscais de ICMS para empresas do setor metalomecânico, Luiz Paulo questionou o documento e disse que o Executivo estadual não poderia legislar por decreto, sem passar por uma discussão na Alerj. “Como um decreto dessa envergadura pode ser editado sem nenhuma discussão? Isso é um desrespeito à sociedade e ao Parlamento”, reclamou Luiz Paulo.

Desde então, tramita na Alerj um Projeto de Lei (PL 1.524/19) dos deputados Gustavo Tutuca e Carlos Caiado, que tem tudo para resolver a questão. O PL já recebeu 18 emendas e é considerado uma luz no fim do túnel porque vai possibilitar que municípios como Volta Redonda, cujo IDH não é baixo, entrem no sistema de isenção tributária. Enquanto esta questão legal não for resolvida, o polo metalomecânico de Volta Redonda não sairá do papel.

Há ainda uma segunda questão que pode estar emperrando a ‘saída’ do Polo Metalomecânico. Trata-se de uma Ação Civil Pública (ACT) movida pelo Ministério Público do Estado que questiona a constitucionalidade das renúncias fiscais concedidas pelo Estado às empresas que se instalaram ou que ainda vão se instalar em todo o território fluminense. A ação é de 2016 e já teve duas decisões favoráveis ao MPRJ. A primeira delas foi uma antecipação de tutela (liminar) concedida por unanimidade pela 17ª Câmara Cível do TJ-RJ em 2016, imediatamente ao pleito da ação.

A segunda decisão é de outubro de 2019 e torna a liminar definitiva. Ou seja, proíbe o Estado de conceder, renovar ou ampliar benefícios fiscais ou financeiros a qualquer empresa do seu território. A concessão só será permitida com “prévia mensuração, de forma específica e individualizada, do impacto orçamentário-financeiro da medida, com a demonstração da consideração da renúncia na estimativa da Lei Orçamentária anual”. A decisão é ainda mais enérgica quando fixa uma multa de R$ 20 mil para cada ato de concessão de benefício fiscal em desacordo com a ordem judicial.

Durante a audiência pública na Alerj, o secretário estadual de Fazenda, Luiz Claudio Rodrigues, garantiu que a postura do Estado vai mudar em relação às medidas de isenção fiscal. E que o Executivo vai aguardar a tramitação do PL para regularizar a situação. “Do aspecto político é claro que a Alerj é a casa do povo e é onde os debates acontecem. Até para privilegiar essa Casa, a intenção é que as próximas legislações relacionadas à isenção fiscal sejam encaminhadas para a Alerj”, comentou Luiz Cláudio. Detalhes do relatório, como nome das empresas sonegadoras e valores, não foram divulgados.

E a situação do Polo?

Anunciado pelo prefeito Samuca Silva, há cerca de um ano e meio, o polo metalomecânico previa a instalação de sete (uma desistiu) empresas do setor na cidade do aço (Multiaço, Steel Service, Brastil, Tuberfil, Soufer, Perfimax e Prada). Todas especializadas em soluções de aço, líderes no fornecimento de aços planos, galvanizados, perfis, longarinas, chapas grossas, rolo de aço carbono, distribuição   de bobinas, tubos, produtos estampados, litografia, galvalume e por aí vai. O investimento da ordem de R$ 300 milhões previa a criação de 3,5 mil novos empregos para a cidade do aço.

 O decreto do governador Wilson Witzel, amplamente criticado pela Alerj e questionado pelo Ministério Público, previa a redução da alíquota de ICMS de 20% para 3% para todas as empresas do setor metalomecânico no estado do Rio de Janeiro. Assinado em 15 de outubro numa cerimônia no Palácio Guanabara, ele entrou em vigor no dia 1º de  novembro, porém, quatro meses depois, tudo permanece como antes.  

Caminho para regularização

Para regularizar a questão do decreto do governador Wilson Witzel, assinado às pressas para tirar do papel o Polo Metalomecânico de Volta Redonda, os deputados Gustavo Tutuca e Carlos Caiado apresentaram um PL (1.524/2019) que prevê a redução de 3% de ICMS para operações de saída. As empresas que se enquadram no projeto de lei não poderão aproveitar outros créditos. O chamado “crédito presumido” (aplicado apenas em operações de saída) é um desconto sobre os impostos a serem pagos e foi instituído pela Lei Federal 9.363/96. Na proposta, este tipo de crédito não poderá ser concedido aos estabelecimentos siderúrgicos, apenas metalúrgicos.


O projeto também estabelece diferenciamento no pagamento do ICMS em operações de importação e aquisição interestadual de máquinas e peças e de importação de matéria-prima e outros insumos, exceto material de embalagem, bobinas e chapas de aço. Nesses casos, a medida valerá caso não haja similares produzidos no estado do Rio. Também terá tratamento diferenciado de ICMS a aquisição interna ou transferência de matéria-prima e material de embalagem, exceto energia, água e materiais secundários. Nos casos de aço industrializado, a venda interna terá redução da base de cálculo do ICMS para 12%.


De acordo com o texto do PL, o ICMS deverá ser recolhido no momento da alienação ou em uma eventual saída dos respectivos bens, usando como base de cálculo o valor da alienação e aplicando a alíquota normal de destino da mercadoria, desconsiderando o regulamento desse imposto. Nos processos envolvendo matérias-primas, o imposto será pago junto às saídas de produtos. Ainda segundo a proposta, os descontos não serão aplicados nas operações de vendas internas realizadas a consumidores finais, exceto para empresas de direito público ou órgãos administrativos e estabelecimentos clínicos e hospitalares. Outros casos terão a base de cálculo tributário reduzida a 12% da operação, havendo um limite de 10% do valor total de vendas e transferências realizadas a cada ano.


Nota da redação: a secretaria de Comunicação do governo Samuca Silva foi procurada pela reportagem para falar dos problemas de viabilização do Polo Metalomecânico de Volta Redonda e que anunciasse se algumas das empresas citadas como interessadas em se instalar na cidade do aço poderiam passar a operar antes de dezembro deste ano.