Por Roberto Marinho
Elas se multiplicam aos montes. Só em um pequeno trecho da Avenida Amaral Peixoto existem umas 10, quase uma ao lado da outra. Na Paulo de Frontin é a mesma coisa. Na Vila, idem. A impressão que se tem é que o voltarredondense é doente por natureza. E basta piscar os olhos para descobrir que uma nova farmácia surgiu do nada, e que todas tomam conta das ruas de Volta Redonda. Como são dezenas, deveriam viver em guerra, não é mesmo? E deveriam tratar seus clientes, principalmente os idosos, a pão-de-ló, pois os medicamentos usados por eles custam os olhos da cara.
Ledo engano. Quem, por exemplo, já não se assustou com os ‘descontos’ oferecidos por atenciosos vendedores (nem todos) das farmácias localizadas na cidade do aço? Alguns chegam ser a estratosféricos. “70%”, garantem os funcionários das farmácias. “O preço normal é R$ 150, mas com o desconto posso fazer por R$ 45”, testemunhou o aposentado Olinto Xavier, ao ser atendido em uma das farmácias da Amaral Peixoto. Bem próximo, em uma loja concorrente, o desconto foi maior. “Sai por R$ 38”, anunciou o atencioso vendedor, conseguindo efetuar a venda, que foi paga pelo cliente com cartão de crédito. Ou seja, o dinheiro só vai entrar no caixa da loja, normalmente, dentro de uns 30 dias.
Não é só isso. A diferença de preço nos remédios pode variar até dentro da mesma rede de farmácias. Ou seja, a da Vila cobra o preço que quiser, que será diferente do valor que pode ser cobrado no Aterrado, e vice-versa. “Todo gerente de loja tem autonomia para, em cima do preço de tabela, cobrar o preço do remédio que achar de acordo com seu público”, justifica um deles, pedindo anonimato. “A tabela é cheia, com margem absurda de lucro. Eles são orientados a dar desconto em cima da margem que as redes estipulam”, acrescenta.
Há quem garanta até que a famosa tabela de preços que os vendedores das farmácias fazem questão de folhear na frente dos clientes – que seria atualizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) – nada mais é do que uma forma de ajuda do governo aos empresários para se precaverem de possíveis tabelamentos de preços, como já ocorreram no passado. “Com a tabela de preço cheio, se o governo tabelar, eles passam a usar apenas a tabela em vigor. Param de dar descontos”, garante a fonte, insistindo para que seu nome não seja revelado.
É por essas e outras que a recomendação que ela dá aos clientes das farmácias é que usem a mesma estratégia que adotam quando fazem compras em supermercados, especialmente naqueles que garantem cobrir a oferta da concorrência, mesmo que seja, na maioria das vezes, correspondente a um centavo por produto. “Nos supermercados, quando o cliente apresenta o folheto da concorrência, ele paga um valor menor pelo que precisa comprar. Tem cliente que chega a ter descontos de R$ 50 em uma compra”, pontua, citando o caso do Walmart quando alguém apresenta folhetos do Royal e do Floresta. “Eles cobrem no caixa, sem burocracia”, dispara.
No caso das farmácias, é bem mais simples. Não precisa nem levar qualquer folheto, como nos supermercados. “Basta pegar um papelzinho vagabundo com o balconista, aparecendo ou não o nome da loja. Basta o nome e o preço do remédio que quer adquirir. Pode até ser escrito à mão”, destaca a fonte, garantindo que com os bilhetinhos, que viram “arma secreta”, os clientes conseguem barganhar descontos em qualquer farmácia concorrente. A estratégia é boa. Às vezes nem precisa mostrar nenhum papelzinho. Basta falar que achou o remédio mais barato que, logo, ele vai ouvir a pergunta mágica: “Quanto o senhor conseguiu?”. Dependendo do preço, a oferta é imediata. “Eu posso fazer por tanto…!”, revela, na maior cara de pau, sem explicar porque já não apresentou o valor oferecido para cobrir a oferta da farmácia concorrente.
Isso quando os vendedores das farmácias não usam a artimanha de pedir o CPF do cliente antes de fornecer o valor dos remédios. Aliás, deve-se ressaltar, ninguém é obrigado a fornecer o número do documento para obter descontos onde quer que seja. “Querem fidelizar o cliente como se, fornecendo o CPF, ele fosse ter um desconto maior. Pura enganação. O desconto é o mesmo, com ou sem CPF”, denuncia a fonte. Quem não acreditar, ressalta, pode fazer o teste em qualquer farmácia da cidade.
Mas como ficam os idosos ou as pessoas com dificuldade de locomoção, que não conseguem fazer uma romaria atrás de preço em lojas diferentes, ainda que na mesma rua? Vão pagar mais caro e ponto.
Sem reclamações
Procurado para falar sobre o tema, que mexe com o bolso de milhares de voltarredondenses, o Procon de Volta Redonda garante não ter registros recentes de reclamações por conta da estratégia das farmácias. “No caso de medicamentos, o consumidor deve buscar informação no site do Ministério da Saúde sobre o desconto que ele tem direito. Pelo que conhecemos, as próprias farmácias indicam os descontos que podem ser concedidos”, informou em nota o coordenador do órgão, Alexandre Masse, fazendo a ressalva de que não pode haver é duplicidade nos preços expostos ao consumidor. “Se isso ocorrer, o consumidor tem o direito de pagar o menor valor”, afirmou.
A secretaria de Fazenda de Volta Redonda também foi procurada para falar se a diferença de preço entre a tabela e o valor que é cobrado no balcão não poderia significar uma jogada dos empresários para sonegar impostos, e informou que as farmácias, por lei, pagam apenas o ICMS, que é devido aos cofres estaduais. E que parte deste imposto, mais tarde, é repassado aos cofres municipais, de acordo com o IPM (Índice de Participação dos Municípios). Por isso, de acordo com a pasta, a prática de descontos não afetaria de forma significativa a arrecadação do município. “Se há redução de valor da mercadoria, há menor índice de participação, por mais que sejam ínfimos tais valores”, apontou a SMF em nota enviada ao jornal.
Ou seja, não adianta apelar para o Procon. Afinal, segundo o órgão, a estratégia comercial, embora afete o consumidor, não seria ilegal, mesmo que pareça ‘armação’ com a utilização da tal ‘tabela cheia’. No mais, é insistir em pedir mais e mais descontos, levando sempre um ‘papelzinho vagabundo’, com algum preço escrito à mão.