Decisão técnica

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Pollyanna Xavier

A Central de Regulação do Estado do Rio de Janeiro tem 1.115 pacientes à espera de um leito para tratar da Covid-19. Destes, 323 são para leitos de UTI e o restante para leitos de enfermaria. Os dados, coletados pelo aQui na quinta, 7, preocupam não porque a demanda por leitos está muito maior do que a oferta, mas porque é um indício forte de que o sistema de Saúde fluminense está à beira do colapso.

Na capital, por exemplo, há vagas apenas nos hospitais de campanha, mesmo assim a capacidade instalada está no limite, com a taxa de ocupação próxima dos 90%. Para tentar diminuir a fila, o Estado está mirando nos municípios do interior que declararam leitos para tratamento de pacientes com a Covid-19. Só nas últimas 72 horas, dois foram transferidos para Volta Redonda. E não foram para o Hospital Regional: um deu entrada no HSJB, outro no Hospital do Retiro.

A transferência de pacientes de outras regiões do Estado para Volta Redonda incomoda e preocupa o prefeito Samuca Silva. Numa lógica compreensível, Samuca diz ter feito bem o dever de casa, preparando os hospitais e as unidades de Saúde da cidade, inclusive equipando leitos para atender moradores infectados, e agora tem visto esses leitos serem ocupados por pacientes de fora. Segundo ele, apenas os 114 leitos do Hospital de Campanha foram homologados pelo governo do Estado para receber recursos do SUS. Na prática, isto significa que somente os 114 leitos do Hospital de Campanha poderiam receber pacientes de fora; os demais, não.

O problema, segundo Samuca, foi parar na Procuradoria do Município, que emitiu um parecer sobre a questão. “Nossa procuradoria em conjunto com a secretaria de Saúde entende que essa deliberação do CIB (Comitê Intergestor Bipartite) não interfere nos leitos dos nossos hospitais, porque está vinculada diretamente aos leitos homologados para a Covid-19 que recebem recursos do governo”, explicou. Ou seja, a norma do Estado, conferindo à secretaria de Estado de Saúde a gestão dos leitos de Covid-19 em todo o território fluminense, afetaria apenas o Hospital de Campanha de Volta Redonda. Os demais leitos estariam “reservados especificamente aos cidadãos de Volta Redonda”.

Essa semana, o Ministério Público, por meio da 1ª, 2ª e 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Volta Redonda, ajuizou duas ações civis públicas (ACP) para tentar impedir o Estado de realizar a regulação de pacientes de outras regiões para a cidade do aço e também para Barra Mansa. Para o MP, a decisão da CIB, de gerir leitos em todo o estado para a Covid-19, é inconstitucional, uma vez que fere o pacto federativo e a autonomia que os municípios têm de gerir seus próprios recursos e serviços de saúde.

 O MP alega que o Plano de Contingência do Estado para o enfrentamento da Covid-19 destinou uma grande quantidade de leitos nas unidades de saúde estadual, inclusive com a implementação dos hospitais de campanha. E que os municípios fluminenses também fizeram sua parte, preparando os leitos de seus hospitais para receber o seu cidadão. “Vale ressaltar que as vagas disponibilizadas pelo Estado para pacientes com Covid-19 no Sul Fluminense se resumem ao Hospital Regional Zilda Arns, as quais já estão quase que integralmente preenchidas com pacientes regulados de outras regiões”, frisa o MP.

Do ponto de vista da saúde pública, os promotores do Ministério Público criticaram o Estado por entender que ele não deveria promover a circulação de pacientes infectados de uma região a outra, sob o risco de aumentar os números de casos da doença. “Afigura-se mais produtivo (…) o Estado, ao invés de preconizar a ampla circulação de pessoas indistintamente entre suas diversas regiões, busque soluções para a ampliação da rede de leitos dentro de cada região específica, inclusive cumprindo suas obrigações previstas no Plano de Contingência ou realizando convênios na rede privada existente próximo aos seus pacientes”, defenderam.

Na região, Resende foi a primeira cidade a conseguir na Justiça o direito de gerir seus leitos sem a interferência do Estado. Em ação semelhante ajuizada pelo MP, o juiz Hindenburg Kohler Brasil Cabral Pinto da Silva, da 2ª Vara Cível do município, concedeu liminar favorável, proibindo o Estado de transferir pacientes da capital ou de outras regiões fluminense para Resende.

Plano de Contingência

Conforme documentos a que o aQui teve acesso, o Plano de Contingência para o Enfrentamento da Covid-19 elaborado por Volta Redonda contém informações técnicas sobre a estrutura da rede de cuidados aos pacientes do coronavírus. Nele, consta que Volta Redonda destinou um total de 161 leitos para pacientes com a Covid-19 nos hospitais públicos e unidades como UPA e Cais. O quantitativo, porém, não significa que todos eles foram homologados para receber o financiamento do SUS no âmbito da pandemia.

Em consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Volta Redonda, de fato, declarou leitos em várias unidades, mas somente os do Hospital de Campanha estão aptos ao financiamento. A informação é importante porque reforça a fala de Samuca sobre a reserva técnica de leitos que o município tem feito visando à necessidade da população. “Eu tenho que pensar neste momento no meu povo, na minha cidade de Volta Redonda e dizer para as pessoas que eu não quero ver aquelas cenas que nós vimos em outros municípios (…) Minhas decisões são duras, mas são dadas para preservar nossa cidade”, concluiu.

Barra Mansa enfrenta a mesma situação

A situação em Barra Mansa é muito semelhante à de Volta Redonda. Lá, o prefeito Rodrigo Drable enfrenta dois problemas. O primeiro é a questão dos leitos e a preocupação com a deliberação da CIB, de regular pacientes de fora para os hospitais públicos da cidade. “Nós adotamos vários procedimentos que nos garantiram uma margem de segurança. Mas essa margem tem risco e isto me preocupa, porque se o Estado enviar pacientes para a nossa rede municipal, nós não podemos deixar de atender. É crime recusar socorro médico. As redes da capital estão colapsando e isto me alarma”, disse. 

O segundo problema é ainda mais preocupante. É que ele foi consultado sobre a capacidade instalada de sepulturas nos cemitérios de Barra Mansa. “É sinal de que outros municípios talvez já não tenham condição de enterrar ou já estão planejando uma forma de enterrar aquelas pessoas que vierem a óbito”, avaliou. Segundo Rodrigo Drable, se a taxa de internação no município se aproximar do limite, o comércio poderá voltar a fechar. “Existe uma margem de segurança, por isto flexibilizamos o comércio. Mas a abertura das lojas está condicionada a essas questões. Se nossos leitos forem todos ocupados, voltaremos ao isolamento total, sim”, avisou.