quinta-feira, março 28, 2024
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Apanhando em casa

Roberto Marinho

No início da Covid-19, em março de 2020, o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), através do Núcleo de Estudos ISP Mulher, lançou o projeto ‘Monitor da Violência Doméstica contra a Mulher’, com o objetivo de acompanhar e avaliar o impacto das medidas de isolamento social nos crimes contra as mulheres em todo o estado do Rio. Um ano depois, o instituto divulgou os resultados do trabalho. São de arrepiar: mais de 250 mulheres foram agredidas, dia sim, outro também, totalizando mais de 73 mil vítimas. Pior. 61% delas foram agredidas dentro de casa, lugar onde teoricamente deveriam estar protegidas.
E, segundo o estudo, existe uma razão fundamental para o número de vítimas em seu próprio lar: em mais da metade dos casos, o agressor foi o parceiro ou ex-parceiro. Se a análise for restrita aos crimes registrados sob a Lei Maria da Penha, 80,7% das agressões contra mulheres foram feitas por seus parceiros ou ex-parceiros. No entanto, o número de casos de violência contra a mulher é 27% menor que o registrado no mesmo período de 2019 (102.344 vítimas).
Mas, de acordo com a análise das técnicas do ISP Mulher – o estudo foi conduzido basicamente por funcionárias mulheres do instituto -, isso não seria exatamente uma boa notícia. A diminuição no número de casos indicaria na verdade uma subnotificação por causa das restrições implementadas durante a pandemia. Obrigadas a ficar em casa, em muitos casos convivendo com os agressores, as mulheres teriam mais receio de denunciar a violência.
“Nossas analistas perceberam que a redução no número de mulheres vítimas pode estar muito mais relacionada a uma subnotificação. Tivemos uma queda importante no número de registros de ocorrências na Polícia Civil na comparação com 2019. No caso do Disque-Denúncia, por exemplo, houve queda de mais de 20% nas ligações sobre violência contra a mulher. Acreditamos que essas mulheres, muitas vezes, por estarem confinadas no mesmo ambiente dos agressores, não puderam procurar os órgãos que tradicionalmente as oferecem ajuda. Isso mostra o tamanho do desafio do Estado no enfrentamento a um tipo de violência que acontece intramuros e que, muitas vezes, é normalizada. Precisamos acolher essas mulheres e mostrar que elas não estão sozinhas. É muito importante que a nossa sociedade entenda a importância da denúncia desses crimes”, afirmou a diretora-presidente do ISP-RJ, Marcela Ortiz.
O projeto Monitor da Violência Doméstica contra a Mulher não disponibiliza os números separados por município, por isso não há como saber a situação da violência contra a mulher no período de isolamento social em Volta Redonda. Mas, como o aQui publicou na edição no 1.241 (6 de março), outro projeto do instituto – Dossiê Mulher 2020 – mostra os números da violência contra a mulher na cidade do aço em 2019, e o panorama não é muito diferente do visto agora: assim como no período de isolamento social vivido em 2020, a maioria das mulheres agredidas em 2019 foi vitimada dentro de casa, onde ocorreram 56,8% dos episódios de violência. E os agressores, em 44,3% dos casos, também foram os companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

CNJ cria prêmio em homenagem a juíza assassinada

A violência contra a mulher não distingue classe social, escolaridade ou cor da pele. Prova disso foi o assassinato da juíza Viviane Vieira do Amaral, 45, às vésperas do Natal do ano passado, a facadas, pelo ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronnezzi, 52. O crime aconteceu na frente das três filhas do casal – duas gêmeas de 7 anos e uma com 9 anos – na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, quando a juíza foi deixar as filhas para passar o Natal com o pai.
Como uma forma de lembrar Viviane, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lançou na terça, 9, o prêmio “CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral de Proteção às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar”, dirigido a experiência, atividade, ação, projeto, programa, produção científica ou trabalho acadêmico que contribua para a prevenção e o enfrentamento da violência de gênero no país. A criação do prêmio foi aprovada por unanimidade na sessão ordinária do CNJ realizada na terça, de forma online.
O irmão da magistrada, Vinícius Vieira do Amaral, participou da sessão, assim como Maria da Penha Maia Fernandes, ativista, vítima de violência doméstica e que batiza a Lei Maria da Penha, criada para punir crimes contra as mulheres. “Isso é o mínimo que o Poder Judiciário poderia fazer diante desse fato gravíssimo para perpetuar a memória da Viviane”, disse a Vinícius o relator do processo e presidente do CNJ, ministro Luiz Fux. Vinícius Vieira do Amaral falou sobre a dor da família e agradeceu a oportunidade de se perpetuar o nome da irmã. Fux também destacou a presença de Maria da Penha na sessão, afirmando que ela “está solidária nesta luta incansável, cada vez mais aperfeiçoada contra a violência doméstica e familiar”.
O presidente do CNJ ainda lembrou da relevância da campanha “Sinal Vermelho para a Violência Doméstica”, lançada em 2020 pelo CNJ em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros, em virtude do aumento de casos por causa da pandemia. A campanha utiliza o “X” marcado na palma como instrumento silencioso para indicar o pedido de auxílio e acolhimento em farmácias.
Coordenadora do grupo de trabalho criado para a elaboração de estudos e propostas para combater à violência doméstica e familiar, a conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel afirmou ser necessária uma conscientização social e a criação de um ambiente jurídico para condenação das agressões. “Embora reconhecida constitucionalmente, a igualdade entre homens e mulheres, a luta pela consolidação da cidadania da mulher e o alcance efetivo e fundamental da equidade de gênero ainda é pauta essencial no processo de transformação social.”
Premiação
O prêmio CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral terá cinco categorias: tribunais; magistrados(as); atores (atrizes) do sistema de Justiça Criminal (Ministério Público, Defensoria Pública, Advogados(as), Servidores(as)); organizações não governamentais; mídia; e produção acadêmica.

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