quinta-feira, março 28, 2024
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A Vila já era

Imóveis desocupados desvalorizam um dos maiores centros comerciais da cidade

Roberto Marinho

Escritório Central, Posto de Puericultura, o antigo Hortifruti, os hotéis da CSN, na Rua 33. O que não faltam são exemplos de imóveis, de bom porte, vazios e abandonados pela Vila Santa Cecília, um dos maiores e mais valorizados centros comerciais de Volta Redonda. Algum desavisado poderia até culpar a Covid-19 ou a crise econômica que enfrentamos, mas não é de hoje que eles estão fechados. Boa parte, inclusive, pertence à CSN, e fez parte do pacote do edital de privatização da CSN, em 1993. “Viraram brindes quando venderam a Usina Presidente Vargas”, dizem os que, hoje, querem os imóveis de volta, como se isso fosse possível.
O que esses imóveis desocupados provocam na Vila é o que os arquitetos urbanistas definem como “vazios urbanos”: áreas edificadas dentro dos limites da cidade, que contam com toda a infraestrutura necessária – água, esgoto e energia elétrica –, mas não são utilizados ou são subutilizados. O que é péssimo para a economia local, já que, além de deixarem de gerar dinheiro – e, consequentemente, empregos e pagamento de impostos –, acabam desvalorizando os imóveis ao redor. Com isso, os prédios abandonados deixam de cumprir a sua função social, seja como motores da economia, seja como moradia para a população ou postos de serviços públicos, por exemplo.
O aQui ouviu um corretor de imóveis, com bastante experiência no mercado da cidade, sob a condição de anonimato, que apontou que a especulação imobiliária é uma das maiores causas para o surgimento dos elefantes brancos na Vila. “O mercado não gosta nem de discutir este assunto. Primeiro, porque mexe com a CSN, proprietária dos imóveis mais significativos dessa lista e uma empresa superpoderosa. Segundo, porque uma das razões de tantos imóveis fechados é a especulação imobiliária. No auge do mercado imobiliário, por volta de 2010, todo mundo que tinha imóvel na Vila jogou o preço lá no alto. Vieram as sucessivas crises, ninguém mais conseguiu vender nada, mas também não reduziu os preços. Isso inclui a CSN, que não vende, não aluga, não ocupa, mas também não apresenta nenhum projeto para a área”, afirmou o corretor, que não põe a culpa só na empresa.
“Muitos proprietários particulares cresceram o olho. Alguns chegaram a comprar imóveis na 33 – onde os preços variam entre R$ 4 milhões a R$ 10 milhões – para construir prédios com salas comerciais. Só que eles não venderam todas as unidades, mas não abaixaram os preços. Temos um monte de imóveis vazios em uma avenida central da cidade do aço por conta disso”, comparou.
Projetos da CSN
Apontada como vilã, a CSN preferiu não comentar o tema da reportagem. Mas uma fonte, com trânsito junto à direção da siderúrgica, reconhece que a empresa, além do Escritório Central e do Posto de Puericultura, mantém pelo menos cinco grandes imóveis na Rua 33 – os famosos “hotéis da CSN”, que ganharam o apelido porque abrigavam funcionários da empresa solteiros e sem familiares, quando a companhia ainda era estatal. Com um detalhe: todos eles podem ser reformados. Vão virar prédios de uso misto.
“Em relação aos hotéis, o projeto da CSN é transformá-los em prédios comerciais e residenciais, ou seja, de uso misto. Mas, com a pandemia, isso deu uma esfriada. Agora a empresa voltou a movimentar esses projetos, e contratou há quatro meses um gerente de novos negócios imobiliários para gerir esses planos e prospectar novos negócios”, disse a fonte. Pelo que o aQui apurou, o novo gerente é Williams Gonçalves, natural de Volta Redonda. Só não estaria autorizado a falar sobre os projetos. “Acho que há alguma resistência da empresa em apresentar algo mais oficial porque já foram apresentados vários projetos que não saíram do papel”, argumenta a fonte.
O aQui também procurou a prefeitura de Volta Redonda, para saber se existe algum plano do poder público para tentar resolver ou pelo menos amenizar a situação. Por meio de nota enviada pela Secom (secretaria de Comunicação), a administração Neto garantiu que está “sempre em busca de promover o desenvolvimento da cidade”.
“Neste caso específico, temos mantido conversas com proprietários de imóveis e terrenos que possam ser utilizados no sentido de ajudar a cidade a se desenvolver. Em muitos casos existem projetos voltados para estas áreas e temos de tentar estimular que eles sejam colocados em prática. Sem dúvidas que quanto mais rápido, melhor”, diz a nota, apontando ainda que cada caso é específico e necessita de estratégias diferenciadas. “Um exemplo é a intermediação para possível reocupação do Recreio do Trabalhador ou a desapropriação de terrenos que vão abrigar um condomínio industrial, entre outras”.
Plano Diretor
O arquiteto e urbanista Ronaldo Alves, criador do IPPU-VR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda) e presidente do órgão em duas ocasiões, afirmou que, na avaliação dele, o principal culpado pelos “vazios urbanos” da Vila Santa Cecília é a prefeitura de Volta Redonda. “O principal responsável, na minha opinião, é o governo municipal, porque o Estatuto das Cidades (lei federal 10.257, de 10 de julho de 2001) – no qual se baseia o Plano Diretor de Volta Redonda – prevê a função social dos imóveis. Se essa função social deixa de ser cumprida, o imóvel pode ser desapropriado. Como é o caso do Recreio do Trabalhador, que tem uma estrutura para o lazer do trabalhador que não está sendo usada, não está cumprindo o seu fim social. Mas nenhum governo municipal tem coragem de peitar a CSN, inclusive o governo Samuca”, disse ele, que foi assessor especial do prefeito Samuca Silva. “A CSN tem o domínio, mas não tem a posse e não apresenta nada para a prefeitura em termos de projeto de ocupação”, acrescentou.
O arquiteto disse ainda que a lei federal prevê dois anos para que os imóveis retomem as atividades. “Esses imóveis, deixando de cumprir a sua função social, cabe ao governo municipal notificar os proprietários e fazer cumprir o que determina o Estatuto das Cidades”, afirmou, apontando ainda que outros entes públicos devem participar da solução do problema. “É preciso que o Ministério Público, a prefeitura e a Câmara Municipal debatam o assunto e ajudem a cumprir o Plano Diretor. Hoje os vazios urbanos que a cidade tem, não só na Vila, dependem da revisão e aplicação do Plano Diretor”, sentenciou.

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