Vinicius de Oliveira
O presidente da Câmara de Volta Redonda, Sidney Dinho, não deu muita bola para a audiência pública na noite de 27 de abril sobre possíveis mudanças na Lei Orgânica do Município. E não convocou nenhum vereador. Foi quem quis. Em contrapartida, o parlamentar, que é policial reformado, garantiu que será presença carimbada na Primeira Marcha da Maconha de Volta Redonda, programada para domingo, 29. Ele quer proibir o ato e vigiar os manifestantes.
A ideia dos organizadores da marcha é se concentrar na Praça Juarez Antunes e caminhar até a Praça da ETPC, passando pela Rua 33. Além de cartazes e palavras de ordem pedindo a liberação do uso recreativo e medicinal da Cannabis, haverá eventos culturais, como roda de rima, skatistas e exposições diversas. Mas nada disso comove Dinho, que vê apenas absurdos. “Eu vou lá naquela desgraça e vou chamar a PM se eu vir um monte de maconheiro fumando. Quero ver o que eles vão arrumar”, alertou durante a sessão de segunda, 2.
Extremamente irritado com a marcha, Dinho, se pudesse, tiraria o pó do cassetete de policial, colocaria um revólver no coldre e iria para rua ele mesmo reprimir o evento. Como não pode, desafiou as instituições municipais, sobretudo as de segurança, para que se coloquem contra o evento. “Quero ver quem vai assinar o nada-consta da festa da maconha. Quero ver quem vai ter peito e vou falar de cada um aqui. Não vai depois ficar de mi-mi-mi. Tem que pagar o preço”, pontuou.
Quem também não quer saber de defender a descriminalização da maconha é o vereador Betinho Albertassi. E, na mesma sessão de segunda, alegou que o movimento não tem a ver com liberdade de expressão. “Não concordo como evangélico e menos ainda como político. É mentira que vão defender o uso medicinal. Querem defender o uso indiscriminado. E sabemos que a maconha é a porta de entrada para outras drogas. Fumar maconha é crime. Defender maconha é crime. A maioria das pessoas não quer a liberação. Isso [a marcha] não é liberdade de expressão”, ponderou.
Matheus Branco, advogado criminalista, pesquisador, mestrando em segurança pública pela USP e um dos organizadores da marcha, se colocou contra Betinho e não demonstrou medo de Dinho ao lembrar que o STF, em 2011, autorizou manifestações desse tipo. “Nós já esperávamos resistência dos vereadores e postura de resistência, principalmente daqueles que são ligados a denominações evangélicas e à Polícia Militar. Mas estamos amparados pelo direito Constitucional. Temos consciência da legitimidade do movimento e não temos medo de retaliação. É importante ressaltar que a marcha é uma manifestação política. Estamos lá para nos manifestar amparados pelo artigo 5o da Constituição Federal, que trata sobre o direito à liberdade de expressão e de reunião. Esse direito foi garantido pelo STF, que no julgamento da ADPF 187 entendeu não ser crime esse tipo de manifestação”, destacou.
O advogado garantiu ainda que seguiu todos os trâmites legais para pôr a marcha na rua. “Todo ato político, seja ele marcha da maconha, parada LGBT ou uma reivindicação por greve, é amparado pelo direito de reunião no artigo 5o. Então não é necessário autorização do Poder Público, porém a gente precisa avisá-los. Encaminhamos às autoridades competentes os ofícios. Então todos já sabem”, disse Matheus, salientando que os apoiadores do movimento não são orientados a fazer uso da maconha durante o ato, mas que ninguém será reprimido por eles caso alguém decida fazê-lo. “O intuito não é usar, mas trazer o tema ao debate porque tratamos a política de drogas como se não pudesse ser de outra forma, apenas com retaliação e proibição. Mas não é verdade. Existem outras formas. A organização recomenda que não seja feito uso, mas vai dar liberdade a cada um, até porque alguns acreditam que fumar naquele momento pode ser um desdobramento de sua liberdade e expressão”, pontuou.
Matheus contou ainda que a Marcha da Maconha era um desejo antigo dos ativistas volta-redondenses. “Nossa principal bandeira é o fim da guerra às drogas, pois é em nome dela que a juventude preta e favelada do Rio e do Brasil é encarcerada em massa e exterminada nas operações policiais. É interessante parar para pensar qual é o fundamento e legitimidade dessas operações. Tempos atrás, quando o uso da maconha foi reprovado, o mote foi riscos à saúde, mas atualmente sabemos que esse status legal vem sendo modificado, já que a erva tem sido usada para justamente melhorar a saúde das pessoas”, disse.
Uso medicinal
Posicionamentos conservadores e até truculentos como os apresentados por Betinho e Dinho, respectivamente, têm impedido no Brasil o avanço das discussões em torno do tema do uso medicinal da maconha, que já é permitida em cerca de 40 nações, sem contar que em cinco outras já se permite o uso recreativo da erva. Só em 2017 é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conseguiu liberar ao menos o uso terapêutico do canabidiol (CBD), uma das 113 substâncias químicas encontradas na Cannabis sativa – juntamente com o THC –, que atua no sistema nervoso central e apresenta potencial terapêutico para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia ou ansiedade, por exemplo.
O próximo passo, segundo especialistas, é conseguir autorização para que laboratórios especializados possam cultivar a maconha em larga escala, em ambiente controlado. “É de extrema importância tal liberação, visto que até hoje para a Anvisa autorizar um pedido de um paciente que precisa fazer uso da cannabis demora em média 50 dias, o que é um absurdo! Quando se trata do uso do canabidiol para fins medicinais, estamos falando de um medicamento que tem como função ‘salvar vidas’. Imagine uma criança com epilepsia refratária, com mais de 10 crises diárias. Com o uso do canabidiol, essas crises são reduzidas em até 80%. Esperar 50 dias para que a Anvisa libere a importação, além do tempo de transporte, pode ser fatal para esta criança”, explicou Tiago Paulo Alves Martins, farmacêutico responsável pela FarmaUsa, uma empresa pioneira na América Latina de extração do óleo da cannabis para fins medicinais, com filial em Volta Redonda.
Já com relação à liberação do uso recreativo da maconha, segundo estudos do Programa de Atendimento a Dependentes Químicos da Universidade de São Paulo (Unifesp), mantido pelo departamento de psiquiatria, é correta a noção de que algumas drogas são uma porta de entrada para a dependência química. Entretanto, não é o caso da maconha, pois os usuários fazem uso esporádico dessa substância e, pelo menos, 90% deles abandonam a cannabis depois de algum tempo. Além disso, nos estudos realizados não há indícios de que o uso de maconha representaria um estímulo para o experimento de outras drogas.
“As circunstâncias que levam uma pessoa a acessar o mundo das drogas pela primeira vez são muito diversas. Não é possível afirmar com total certeza que determinado ambiente é totalmente isento de influências e oportunidades para o acesso e o experimento da utilização de drogas. Assim, a chamada porta de entrada para a dependência química pode ter muitas aparências e ser acessada em diferentes locais e grupos sociais. O disfarce de inofensividade que algumas drogas apresentam é suficiente para seduzir um número considerável de pessoas a aceitarem essa experiência. Caso do álcool e de medicamentos não receitados”, defende o psiquiatra Mauro Cerqueira e Silva.