Mateus Gusmão
Se alguém falasse para um ‘peão’ da Companhia Siderúrgica Nacional, durante a greve de 1988, aquela que terminou com a morte de três operários, que 34 anos depois, muitos deles iriam votar em um candidato da extrema-direita que defende a Ditadura Militar, certamente ele seria chamado de maluco. Talvez até apanhasse na porta da Usina Presidente Vargas. A agressão não houve, a votação sim. E, se dependesse apenas dos eleitores voltaredondenses, Jair Bolsonaro (PL) seria reeleito presidente da República. Ele obteve 52,88% dos votos na cidade do aço e, Lula, o presidente eleito, obteve 47,21%.
A diferença entre Bolsonaro e Lula foi de cerca de 10 mil votos. O candidato da direita conseguiu 91.375 votos, enquanto o candidato da esquerda obteve 81.419. Tem mais. A diferença entre os dois cresceu entre os dois turnos das eleições presidenciais. No primeiro, Bolsonaro também ficou na frente – mas com apenas 5 mil votos de diferença. Curiosidade: no primeiro turno, Volta Redonda também optou por votar em outros dois candidatos da direita: Cláudio Castro (PL), que se reelegeu governador do Estado, e Romário (PL), reeleito para o Senado.
Vale destacar que na maioria das cidades do Sul Fluminense, Bolsonaro também se deu bem. Em Barra Mansa, por exemplo, o atual presidente obteve 54,21% dos votos contra 45,79% do presidente eleito. Em Resende, sede da Academia Militar das Agulhas Negras, Bolsonaro conseguiu 61,86% e Lula, 38,14% dos votos. Das 12 cidades da região, Lula venceu apenas em quatro: Quatis, Pinheiral, Rio Claro e Barra do Piraí. No estado do Rio, o candidato do PL obteve 56,53% dos votos contra 43,47% dados a Lula.
O professor Marcos Aurélio Ramalho Gandra, doutor em História e que ministra as aulas de ‘Política: Estado e Diretos Humanos’ no UniFOA, foi procurado pelo aQui para analisar os dados das eleições. Segundo ele, o resultado em Volta Redonda e o aumento de eleitores conservadores não é exclusivo da cidade do aço. “Isso é um reflexo nacional. Tudo o que acontece no Brasil acontece em Volta Redonda”, destacou, lembrando que Bolsonaro obteve mais votos na cidade do aço do que nas eleições de 2018, quando saiu das urnas com 64,13% dos votos contra 35,87% de Fernando Haddad, derrotado.
Marcos Aurélio lembrou que o berço da industrialização do Brasil foi em Volta Redonda, com a construção da Usina Presidente Vargas, o que, segundo ele, contribuiu para uma classe trabalhadora mais à esquerda. “Mas isso se enfraqueceu com a privatização da CSN e a diminuição dos empregos na siderúrgica. Também houve durante anos um enfraquecimento da força do Sindicato dos Metalúrgicos”, avaliou, salientando que houve uma perda de representatividade dos sindicatos no mundo inteiro. “Teve uma onda conservadora em todo lugar”, disparou.
Segundo Marcos Aurélio, o crescimento do conservadorismo no mundo começou em 2008, quando da crise econômica mundial. “Houve vitórias da direita em diversos países”, disse. “A onda conservadora está aí, mas não com a mesma força. Talvez a eleição do Lula possa ser o início do fim dessa onda. A vitória do petista, mesmo que por uma margem pequena, foi muito grande, pois foi o triunfo sobre a máquina federal que atuou nos últimos meses fortemente para a campanha bolsonarista”, completou.
Em Volta Redonda, avalia, apesar da grande quantidade de votos, a direita não criou nenhuma liderança política de expressão. “Prova disso é a eleição do Neto (em 2018), que não é de esquerda, mas também não é de direita. É da política tradicional”, completou, lembrando que nenhum político de direita da região foi eleito no pleito de 2022.
‘Não está consolidado’
Líder do movimento ‘Vem Pra Direita de Volta Redonda’, o empresário Hermiton Moura foi candidato a deputado federal colando sua imagem à do presidente Bolsonaro, como muitos outros fizeram. A maioria não foi eleita, e Hermiton conseguiu apenas 7.716 votos. Ao ser questionado se Volta Redonda não teria virado uma cidade de direita (com os votos dados a Bolsonaro), ele diz que ainda não. “Está caminhando, mas isso não está consolidado. Tanto que Bolsonaro foi melhor votado em 2018. Houve uma piora no desempenho eleitoral esse ano na cidade e não sabemos o motivo”, completou.
Como boa parte dos bolsonaristas, Hermiton diz, entretanto, que não confia no sistema eleitoral brasileiro. “Não é auditável, não dá para conferir os votos. E pelas nossas carreatas, passeatas, a forma como as pessoas recebiam a campanha do Bolsonaro, a gente esperava mais votos em Volta Redonda para o presidente”, disse, ressaltando que está aguardando o resultado da auditoria das Forças Armadas nas urnas eletrônicas durante a eleição.
“As manifestações de maneira espontânea que estão acontecendo por todo o país mostram que o povo não ficou satisfeito com a lisura do processo eleitoral”, afirmou, não dando detalhes de como a direita volta-redondense está se preparando para as eleições municipais de 2024. “Ainda não estamos pensando nisso, estamos esperando os acontecimentos dessa eleição ainda”, finalizou.