Mateus Gusmão
O leitor, sem qualquer dúvida, já deve ter passado pela Vila Santa Cecília, mais precisamente pela Rua 16, e deve ter percebido que o Memorial Zumbi dos Palmares, ao lado do Jardim dos Inocentes, está trancado por cadeados. Ninguém pode entrar. Nem alma penada. Virou um espaço público subutilizado. Projetado e inaugurado em 1990 pelo arquiteto Selso Dal Bello, o monumento foi criado para ser um centro cultural destinado a resgatar os valores da cultura africana e promover ações afirmativas. O ‘x’ da questão é que, quando não há esses eventos, que são raros, por sinal, o local fica fechado – como um verdadeiro elefante branco. No próximo sábado, 9, às 11 horas, o memorial será aberto para a realização da ‘Feira das Mina Preta’ (ver box).
Desde que foi aberto, o local era cedido, na gestão do ex-prefeito Neto, para eventos que não eram totalmente relacionados com a cultura africana. É o caso da tradicional Feira do Livro Espírita, que sempre aconteceu no Memorial Zumbi dos Palmares – movimentando o lugar por mais de uma semana. Eventos musicais, amadores, também eram promovidos por grupos populares. Só que em 2017, isso pode não acontecer. E não é porque o prefeito Samuca (PV) não quer deixar. O quiproquó tem a ver com uma exigência do Ministério Público Federal, feita em novembro de 2016.
Os representantes do MPF, que em Volta Redonda são bem próximos da Igreja Católica, foram além. Recomendaram ao ex-prefeito Neto que efetuasse diversos reparos na estrutura física do imóvel, que estaria apresentando problemas, como vidraças quebradas, falta de internet e ar-condicionado (o que não combina com o projeto arquitetônico do monumento). Tem mais. Recomendaram à prefeitura que a utilização do local fosse exclusiva para finalidades relacionadas à promoção da cultura negra e de temas referentes ao combate ao racismo e à valorização do princípio de igualdade. “Além dos problemas na estrutura, foi constatado que tem havido desvio de finalidade na utilização do espaço, destinado a resgatar os valores da cultura africana e promover ações afirmativas, tendo em vista a cessão recente de seu uso para a realização de Feira do Livro Espírita, o que, segundo conselheiros, não aconteceu apenas uma vez”, justificaram, conforme nota publicada no site oficial da Procuradoria.
Os espíritas, como não poderia deixar de ser, não gostaram da atitude dos promotores do MPF. Isso porque a edição desse ano da Feira – que acontecerá em outubro – ficou sem local para ser realizada, já que a prefeitura receia liberar o espaço na Vila, como sempre ocorreu. Só que os kardecistas decidiram lutar para que o evento seja mesmo no Memorial Zumbi dos Palmares. Tanto que criaram um abaixo-assassinado pedindo ao Ministério Público Federal a liberação do memorial.
A petição online, feita pelo site Avaaz (goo.gl/WYdkmB), já conta com 3.096 assinatura. A meta é conseguir cinco mil apoiadores para que seja entregue ao MPF. No texto da petição, os espíritas lembram que a recomendação do MPF foi feita em 11 de novembro de 2016, com a justificativa de que estaria ocorrendo ‘desvio de finalidade do espaço’ com a realização da Feira do Livro Espírita no local. “Por estar sendo citado o nome da Feira do Livro Espírita de Volta Redonda, entramos com um ofício no MPF através da Defensoria Pública Estadual e Federal. Recebemos informações que o procurador Federal, que recebeu a denúncia, quer agendar os reunião com a coordenação de FLE-VR. Estamos aguardando a data”, explicam.
Mas por orientação da própria Defensoria Pública, eles resolveram iniciar a coleta de assinaturas para o abaixo-assassinado. “Precisamos de aproximadamente 5 mil assinaturas de espíritas ou simpatizantes da causa”, destacam. “Estamos distribuindo as folhas de assinatura entre os amigos da Feira para ajudar a colher as assinaturas e estamos criando esta petição online para sensibilizar aos que desejam a continuação da FLE-VR. Contamos mais uma vez com o apoio de todos para continuarmos neste lindo trabalho de divulgação da Doutrina Espírita. Precisamos de um entendimento com o MPF”, completam os organizadores, salientando que a realização da Feira no Memorial Zumbi está garantida pelas leis municipais 3967/2004 e 5046/2014. “Vamos todos juntos neste movimento”, completam.
O caso, é claro, repercutiu muito entre os espíritas. Autor de 17 livros sobre a religião, o escritor kardecista Orson Carrara divulgou em suas redes sociais a possível proibição da Feira no Memorial Zumbi. “Há uma tentativa de impedir a realização da Feira do Livro Espírita de Volta Redonda no Memorial Zumbi. A FLE já ocorre há dezenas de anos. Assine comigo para atingirmos um elevado número de assinaturas que sensibilize as autoridades para que autorizem o uso do espaço público para também levar cultura espírita à população local e regional”, comentou, tendo o texto compartilhado por seguidores de diversas cidades.
Feira das ‘Mina Preta’
Os cadeados do Memorial Zumbi serão abertos às 11 horas do próximo sábado, 9, para a realização da primeira edição da ‘Feira das Mina Preta’. Com entrada gratuita, o evento contará com atrações como discotecagem, show ao vivo, expositores de roupas, acessórios, maquiagem, tranças e outras vertentes Afro, além de palestras tratando de assuntos pertinentes ao mercado feminino e à moda Afro.
O ‘Mina Preta’ está sendo desenvolvido pelo grupo ‘Meninas de Lenço’ – que promovia a tradicional Feira das Meninas -, criado por Renata Ferreira, ao ser diagnosticada com o câncer de Mama. Ela, sua mãe e amigas decidiram, então, fazer algo para apoiá-la na sua luta e passaram a produzir lenços em um ato de solidariedade. O movimento cresceu e já conta com mais de 100 adeptas, que decidiram, entre outras, desenvolver o projeto de uma feira voltada para o público.
O objetivo da reformulação da Feira foi, justamente, proporcionar um espaço que, além do vínculo da luta contra o câncer, promova a exaltação da cultura negra entre o público jovem e feminino. “É nessa fase onde essa base de militância e empoderamento deve ser firmada para seguirmos firmes e unidas na luta contra o racismo e o machismo”, explica a produtora Renata Ferreira.
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