“Não enganei ninguém”

Felipe Lemgruber conta sua versão das acusações que responde na Justiça, admite ter errado, mas justifica: “As pessoas sabiam dos riscos”

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Pollyanna Xavier

Há uma semana, o Portal dos Procurados – que auxilia a Polícia Civil do Rio na captura de foragidos da Justiça – publicou o cartaz com a fotografia de Felipe Tobler Lemgruber. Advogado com especialidade em Direito Penal, ex-professor universitário do UGB em Volta Redonda e ex-serventuário da Justiça, Felipe foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de estelionato – ele atuava há cerca de quatro anos como trader esportivo promovendo apostas em plataformas on-line de jogos de tênis. Com a experiência adquirida nas operações, criou uma carteira de clientes que incluía juízes, advogados, professores da cidade do aço e região, e prometia retorno de até 40% de lucro. O negócio cresceu e Felipe perdeu o controle.
Em julho, o aQui publicou o caso com exclusividade depois de ouvir pessoas que se dizem lesadas por Felipe. Sem receber os lucros prometidos, essas pessoas denunciaram o trader à polícia. Foi o suficiente para a abertura de uma investigação na Corregedoria de Justiça e Felipe acabou sendo demitido do cargo de analista do TJ-RJ. Em novembro do ano passado, a Justiça de Barra do Piraí, cidade onde se originaram as denúncias, decretou a prisão do advogado. Mas, desde então, o paradeiro de Felipe é desconhecido; no entanto, há quem garanta que ele está em Volta Redonda.
Apesar de ninguém ter certeza do seu paradeiro, Felipe continua respondendo mensagens pelo WhatsApp, inclusive aquelas enviadas pelas pessoas que se dizem suas vítimas. “Nunca quis fugir ou ficar incomunicável”, declarou. Chateado com a situação e demonstrando franqueza, o ex-serventuário se considera viciado em jogos, diz estar em tratamento de saúde e que, se pudesse voltar no tempo, nunca teria se envolvido com apostas. “Jamais trocaria a vida que eu tinha por qualquer dinheiro do mundo. Eu destruí a minha vida”, desabafou.
Ao receber o cartaz do Portal dos Procurados com a foto de Felipe, o aQui enviou uma mensagem a ele pedindo uma entrevista. Era a chance de mostrar a sua versão da história, explicar fatos ainda não esclarecidos e se defender das acusações e de declarações publicadas até o momento. Felipe aceitou dar a entrevista e ela será publicada a seguir, na íntegra, sem cortes e sem edição, como ele exigiu.

aQui – O Ministério Público ofereceu denúncia contra você por estelionato (pirâmide financeira). O que você tem a dizer?
Felipe Tobler Lamgruber – A denúncia é unicamente pelo crime de estelionato e não envolve pirâmide financeira, são duas figuras jurídicas totalmente distintas. Pense bem, se eu realmente tivesse feito uma pirâmide financeira como dizem, eu não estaria devendo muitas pessoas e estaria com dinheiro pra mim. Não teve pirâmide e todos que investiram sabiam previamente que se tratava de apostas, onde o risco é alto e inerente ao negócio. Você acha que se eu estivesse com o dinheiro já não teria pago para me livrar das acusações e para limpar minha imagem, que sempre foi ilibada e de bom caráter?

aQui – Nas apostas on-line de partidas de tênis, você oferecia ganhos de até 40% mensais. Segundo algumas pessoas, no início os pagamentos eram pontuais, mas com o passar dos meses você teria perdido o controle e não pagava mais o lucro para os apostadores. Confirma essa versão? O que aconteceu?
Felipe – Como você mesmo disse na pergunta, eu fazia apostas e todos sabiam disso. Não enganei ninguém, não tem nenhum ignorante nessa história. Quando estava tudo dando certo eu era o “cara” para eles, mas depois virei vilão porque não consegui mais honrar com os ganhos. As pessoas sabiam que eu poderia perder. Se as apostas fossem sem risco, o mundo inteiro estaria rico e as empresas que trabalham com apostas estariam falidas.

aQui – Fala-se que o prejuízo das vítimas passa da casa de R$ 25 milhões. Você concorda? Onde está esse dinheiro?
Felipe – Dentre inúmeras inverdades que são ditas sobre mim e sobre o caso, essa é a mais absurda e assustadora. De onde tiraram esse valor? Quais as provas desse prejuízo? Basta ler a denúncia do Ministério Público e você verá que o alegado prejuízo é bem inferior a isso. Resumindo, não existe e nunca existiu esse prejuízo de tantos milhões que dizem por aí. Isso nada mais é que uma invenção de um famigerado advogado de Barra do Piraí que a utilizou para dar maior mídia e repercussão ao caso. As pessoas não podem confundir prejuízo financeiro com expectativa de lucros. Por exemplo, teve uma pessoa que investiu 100 mil reais e teria 1,2 milhões de lucro para receber, se as apostas tivessem sido ganhas. Aposta é aposta e todos sabiam disso. Se essa pessoa investiu 100 mil reais, o prejuízo material dela é de 100 mil, e não de 1,2 milhões. Fora as pessoas que já receberam o valor investido e até mais que isso e continuam insistindo em receber os lucros.

aQui – Há um mandado de prisão contra você. Pretende se entregar? Por que ainda não fez isto? O que você teme?
Felipe – Meu advogado já esclareceu ao Poder Judiciário o que era para ser esclarecido e estamos aguardando uma nova decisão a respeito.

aQui -Você tem ligado para algumas de suas vítimas e feito propostas de pagamento, em contrapartida pede que retirem as denúncias na delegacia e desistam do processo? Para quantas vítimas já ligou e qual o montante negociado?
Felipe – Juridicamente falando, não há como as pessoas desistirem do processo (se retratarem da representação), uma vez que a denúncia já foi oferecida. Então não tem cabimento o que você está perguntando. Aliás, há pessoas no processo, como uma certa professora invejosa e antiética (pior ser humano que já conheci), para não dizer outros adjetivos, que lucrou aproximadamente trinta mil reais e ainda está cobrando valores como se fosse vítima. Já comprovei tudo no processo e ela certamente irá responder pelos crimes de denunciação caluniosa, injúria e difamação.

aQui – Consta nos autos que você alugava carros importados e circulava nas ruas de Barra do Piraí para passar uma imagem de investidor bem-sucedido. Isso é verdade?
Felipe – Eu sempre preferi alugar carros que comprar, em razão do custo benefício. No aluguel, você não paga IPVA, seguro, manutenção e etc. Aliás, grande parte da população brasileira tem feito isso ultimamente. Nunca ostentei carros importados, muito pelo contrário, sempre mantinha o mesmo e único carro durante todo o ano e certamente não eram carros fora do padrão. Quem me conhece sabe que sempre fui humilde e nunca mudei meu padrão de vida. Eu era servidor público e professor, ganhava bem e minha vida sempre foi levada dentro da realidade dos salários que eu recebia, nada além disso.

aQui – Há quem acredite que juízes envolvidos no caso estariam te protegendo, o que justificaria você ainda não ter sido preso. O que tem a dizer sobre isto?
Felipe – Isso não existe, não tem o menor cabimento. Se existissem juízes me protegendo, a denúncia contra mim não teria sido recebida.

aQui – É verdade que você estaria escondido em Volta Redonda?
Felipe – Não estou escondido. Temo pela minha vida e estou aguardando a decisão judicial. No mais, sem comentários.

aQui – Desde que foi denunciado, você continua visualizando e respondendo mensagens do WhatsApp. Não teme ter o sigilo telefônico quebrado e a sua localização revelada?
Felipe – É minha obrigação dar satisfação para as pessoas. Nunca quis fugir ou ficar incomunicável. Se eu tivesse dado algum golpe e quisesse realmente fugir, não estaria respondendo ninguém e já poderia estar no exterior há muito tempo, como verdadeiros estelionatários fazem. Mas preferi ficar para tentar resolver os pagamentos e dar minha versão dos fatos, tanto é que entreguei prontamente meu passaporte ao Poder Judiciário.

aQui – Você é viciado em jogos de aposta on-line?
Felipe – Sim, minha dependência em apostas foi determinante para que tudo isso acontecesse. Porém, estou em tratamento contínuo. Me arrependo demais de não ter procurado ajuda antes. Você não imagina o que estou passando e o quanto estou sofrendo. Além do vício, passei a ter depressão grave, síndrome do pânico e tendência de auto-extermínio. Eu simplesmente acabei com a vida que eu tinha, enquanto as outras pessoas seguem a vida normalmente. Não quero que sintam pena de mim, mas quero que saibam que não sou nenhum bandido e só me prejudiquei com tudo isso.

aQui – Se considera inocente das acusações que pesam sobre você?
Felipe – Foi o que eu disse, se eu realmente tivesse dado um golpe, eu já poderia estar no exterior há muito tempo e estaria milionário. Mas não fugi e não estou com dinheiro algum, tanto é que a quebra do meu sigilo bancário comprovou isso. O caso não retrata um injusto penal, mas sim um mero inadimplemento contratual, cuja solução deve ser obtida na esfera cível. Não nego que devo algumas pessoas e irei fazer de tudo para pagá-las, mas crime eu não cometi. As pessoas se utilizaram da justiça criminal para cobrarem uma dívida. Isso não existe, dívida deve ser cobrada na seara cível.

aQui – Quanto você já ganhou desde que montou essa pirâmide financeira? E quanto já pagou de bonificações (para quantas pessoas)?
Felipe – Primeiramente, eu não montei pirâmide alguma, como já expliquei. Em segundo lugar, eu não lucrei absolutamente nada nessa história, muito pelo contrário, fui o mais prejudicado em todos os sentidos. Só colecionei prejuízos patrimoniais, já que usava meu salário e meu próprio dinheiro para honrar com os pagamentos, além de ter perdido meu emprego, o respeito e admiração que as pessoas tinham por mim. Quem é que dá um golpe e fica pobre e ferrado? Quanto aos pagamentos, muitas pessoas lucraram e aproveitaram bastante da situação. Outras infelizmente não e são para essas que farei de tudo para resolver. Eu era um agenciador de apostas. Ganhei por um tempo e repassava os valores para aqueles que me contratavam. Nunca fiquei com dinheiro de ninguém. Só que depois comecei a perder. Quando alguém aposta na loteria ou em cavalos no jóquei e perde, sabe que não vai reaver o dinheiro que investiu. Mas, mesmo sabendo disso, que todos sabiam que eram apostas e que às vezes se ganha e às vezes se perde, sei que as pessoas confiavam em mim, por isso quero honrar com a devolução dos valores investidos.

aQui – Tem muita gente conhecida da região envolvida no caso? Como juízes ou políticos?
Felipe – Não tem nenhum famoso
aQui – Você já foi ameaçado de morte? Por quem? Teme pela sua vida?
Felipe – Eu somente saí da minha cidade para resguardar a minha integridade física, pois estava sendo ameaçado constantemente, inclusive de morte. Tenho todas as ameaças registradas aqui comigo. Você no meu lugar ficaria esperando o pior acontecer? Só quero resolver as pendências e poder ter uma chance de recomeçar minha vida.

aQui – Acredita que conseguirá se safar do problema, do processo?
Felipe – Errei e errei muito, tenho consciência disso. Se eu tiver que ser punido, que seja de forma justa e dentro da lei. Todavia, tenho certeza que irei provar que a questão não é criminal, mas simplesmente cível. Tenho que pagar quem eu devo, mas não ser preso por isso. A única dívida que pode ensejar uma prisão é a dívida de alimentos, que não é o caso. Nunca fui uma má pessoa, sempre busquei fazer o bem, sempre fui puro de coração, quem me conhece sabe. Não fugi com dinheiro de ninguém e jamais tive a intenção de prejudicar alguém. As pessoas me deram dinheiro para apostar e eu não consegui manter os ganhos, meu vício me prejudicou demais. Mas nunca deixei de ser a boa pessoa que sempre fui. Só tenho que pedir perdão a quem se sentiu prejudicado e dizer que farei o possível e impossível para pagar os que eu realmente devo.