Por Pollyanna Xavier
Por essa, ninguém esperava: o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense não tem nenhum poder legal para defender os trabalhadores da Stellantis, de Porto Real. Muito menos das outras empresas instaladas no polo industrial da cidade. Pior, a negociação com a montadora, que demitiu mais de 200 trabalhadores e que resultou em uma compensação financeira aos demitidos, pode ser anulada, caso a empresa queira comprar a briga na Justiça. A explicação é simples e surpreendente: a abrangência da base do Sindicato, comando por Edimar Miguel, é limitada às cidades de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende. E só!
A informação é oficial e foi obtida, com exclusividade, pelo aQui junto ao Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho e Emprego. Os registros comprovam que, em janeiro deste ano, já na gestão de Edimar, houve uma tentativa de se mudar o atual estatuto do órgão para incluir Porto Real, Quatis, Pinheiral e Itatiaia na abrangência do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense. Só que o pedido foi negado. Com isto, as empresas destas quatro cidades podem, e devem, se recusar a negociar com Edimar & Cia, já que o Sindicato não possui autorização legal para representar os trabalhadores destes municípios.
Isto, inclusive, explicaria duas situações recentes envolvendo as demissões na Stellantis (ex-Peugeot), na Magneto e na Benteler: a primeira é que o Sindicato não socorreu os operários destas três empresas quando foi chamado para conter as demissões na sexta de Carnaval. Edimar e seus diretores só tomaram providências na semana seguinte, quando representaram contra as empresas no Ministério Público do Trabalho, na tentativa de fazer com o que o MPT negociasse em nome deles. E foi exatamente isto o que aconteceu. Com a notificação do MPT, a Stellantis propôs uma compensação financeira aos demitidos e manteve as demissões.
A segunda situação está ligada à forma como o Sindicato levou a proposta da Stellantis aos demitidos. Edimar convocou uma assembleia para quinta, 9, na subsede de Resende, e lá apresentou a oferta da montadora: R$ 7 mil distribuídos em cesta básica por três meses (valor total de R$ 900); manutenção do plano de saúde por dois meses (total de R$ 2,4 mil) e ainda um abono único de R$ 3,7 mil, além das verbas rescisórias que os demitidos receberiam quando fossem oficialmente desligados da Stellantis. A proposta foi aceita pelos 127 ex-funcionários presentes à assembleia, e a empresa foi comunicada da adesão.
Questionado do porquê de a assembleia ter sido realizada em Resende e não em Porto Real, onde fica a Stellantis, um diretor do Sindicato disse em uma rádio local, de forma bastante equivocada, que a montadora integra o consórcio modular da MAN (ex-Volks) e sua unidade fabril pertenceria ao município de Resende. “Essa empresa é da Volks, do polo da Volks, então a reunião vai ter que ser realizada no sindicato de Resende”, respondeu, demonstrando total desconhecimento do endereço da Stellantis e até mesmo que empresa é ela.
Há ainda uma terceira situação, ocorrida quando das eleições do Sindicato, em julho de 2022, que também prova o limite da abrangência do Sindicato. Trata-se de uma mudança, realizada a menos de 15 dias do pleito, do roteiro das urnas usadas nas eleições. Segundo uma ata da Comissão Eleitoral, de 15 de julho, assinada pelo presidente Maurício Ramos, somente as empresas de Volta Redonda, Resende e Barra Mansa receberiam urnas fixas. As demais cidades (Itatiaia, Pinheiral, Porto Real e Quatis), receberam urnas itinerantes. A medida, provavelmente, foi tomada para evitar que, mais tarde, sabendo da irregularidade, as chapas derrotadas não recorressem à Justiça para anular os votos obtidos nos municípios em que, legalmente, o Sindicato não tem qualquer abrangência legal.
Federação
O problema da limitação de atuação do Sindicato é antigo e existe desde a sua fundação, em 1945. No entanto, a gestão passada conseguiu uma carta sindical, emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, ampliando a abrangência da base. “No passado existia um processo para que os municípios que se emancipassem depois da criação do Sindicato fossem aglutinados, mas não deu certo. Quando a gestão passada entrou, o Silvio (Campos) conseguiu uma carta sindical alterando a abrangência da área para o sindicato”, re- velou uma fonte do aQui.
Essa carta, porém, teria sido suspensa no governo Bolsonaro, pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. “Teve um problema com a emissão das cartas sindicais e, quando o Sérgio Moro entrou, o Ministério do Trabalho passou a ser do Ministério da Justiça, e ele suspendeu todas as cartas concedidas num determinado período. A carta do Sindicato daqui, que era legal, acabou suspensa. Isto aconteceu porque ela foi assinada por um servidor que, mais tarde, foi investigado por fraudes. Para resguardar todo o processo, todas as cartas assinadas por ele foram suspensas e a do sindicato de Volta Redonda, embora concedida de forma legal, era uma das que tinha a assinatura deste funcionário”, explicou a fonte.
Mesmo suspensa, a gestão passada ainda poderia atuar nas quatro cidades sem a abrangência do Sindicato, porque Silvio Campos era (e ainda é) diretor da Federação dos Metalúrgicos do Estado do Rio de Janeiro e a legislação federal, que regula as atividades sindicais no país, determina que os trabalhadores de cidades não abrangidas por sindicatos da base metalúrgica devam ser legalmente assistidos pela Federação. “O Silvio ainda é um dos diretores da Federação e tem procuração para negociar em nome do presidente, por isso nunca houve problema em atuar em Porto Real e nas outras cidades”, revelou a fonte.
Ela foi além. Contou que, na ocasião das demissões na Stellantis, um acordo precisou ser celebrado com o Ministério Público do Trabalho, porque a gestão atual do Sindicato, lide- rada por Edimar Miguel, não tem autorização legal para negociar em favor dos demitidos de Porto Real. A fragilidade é conhecida pela nova diretoria, que tentou em janeiro, ou seja, um mês após assumir o Sindicato, alterar o estatuto para incluir as cidades não abrangidas pela base. A empreitada, porém, foi negada.
Reintegração
Sem poder negociar diretamente com a Stellantis, Edimar protocolou uma denúncia no MPT para tentar reverter as demissões e reintegrar os trabalhadores demitidos através do órgão. Segundo a fonte, se tivesse representação legal, Edimar teria acionado a empresa na Justiça, a exemplo do que
fez com a CSN, na ocasião das demissões de abril do ano passado. “A Stellantis fica em Porto Real, e lá quem representa os metalúrgicos é a Federação dos Metalúrgicos do RJ, e não o Sindicato. O diretor da Federação no Sul Fluminense é o Silvio. Resumo: o sindicato, para enfrentar o Silvio, está tentando vender o emprego dos trabalhadores da Stellantis. Papelão!”, criticou uma segunda fonte ouvida pelo aQui.
Segundo ela, toda a exposição em cima dos demitidos de Porto Real não passa de uma jogada política pela liderança do Sindicato. “Eles não estão preocupados com os trabalhadores. Para variar, seguem na disputa política pela presidência da Instituição e querem impor uma nova derrota ao Silvio, com quem disputam judicialmente a presidência do Sindicato. Com a CSN, essa manobra não cola”, avisou, referindo-se à tentativa, via Justiça, de reintegrar trabalhadores demitidos da UPV.
Para a fonte, “é uma tremenda bobagem” de Edimar & Cia lutar pela reintegração de funcionários quando a empresa (CSN etc) sempre tem a liberdade de demitir quem quer que seja, com ou sem justa causa. “Estabelece-se uma luta que jamais terá fim. Ou até terá, com a posterior demissão do funcionário, porque a administração não confia mais nele. O problema é que o Sindicato pegou isso como bandeira política e agora fica buscando outra solução para o problema, como, por exemplo, trocar as demissões por indenizações. É complicado!”, avaliou, referindo-se à compensação financeira oferecida pela Stellantis aos seus demitidos, depois da pressão feita por um sindicato que não tem poder para negociar em Porto Real.

