Pollyanna Xavier

Desde que o presidente Jair Bolsonaro passou a defender o isolamento vertical com a reabertura do comércio para proteger a economia, o Brasil se dividiu. De um lado, sanitaristas, infectologistas, médicos, políticos e boa parte da população discordaram. Ocuparam as janelas e bateram panelas, sem esquecer de postar as críticas nas redes sociais – muitas delas, construtivas. Defendem a manutenção do isolamento e reconhecem que o país não está preparado para o caos na saúde. Temem que o sistema entre em colapso. E pode realmente entrar.
Do outro lado, grandes empresários, médios e pequenos lojistas e ainda gente assalariada e autônomos preocupados com a sobrevivência de seus negócios, de suas famílias, pedem o fim da quarentena e a reabertura do comércio. O grupo tentou – mas a Justiça não deixou – até fazer carreatas em Volta Redonda e Barra Mansa para serem ouvidos. A reivindicação deles também pode ser legítima, o que torna a decisão das autoridades mais difícil de ser tomada.
Em Volta Redonda a preocupação dos grupos empresariais, comerciantes e feirantes chegou ao ponto de passarem a pressionar abertamente o prefeito Samuca para autorizar a abertura do comércio. CDL, Aciap, Sipacon e Sicomércio exigiam a abertura das lojas ontem, sexta, 3. Só que, por força de decreto municipal, as lojas só poderão ser abertas a partir de segunda, 13. Isso se Samuca não prorrogar por mais 15 dias o estado de quarentena.
As entidades que representam lojistas e empresários chegaram a divulgar que 1.759 trabalhadores teriam perdido seus empregos em apenas 10 dias de quarentena. Outros quatro mil estariam em férias coletivas sob o risco de redução nos salários. “Eu demiti apenas uma funcionária, mas se a quarentena for prorrogada por mais 10, 15 dias, vou ter que demitir mais. Estamos muito preocupados. Não dá mais. Só Deus por nós”, disse uma lojista do Park Sul, pedindo anonimato.
Pressão
Em um dos ofícios a Samuca, as entidades comerciais fizeram uma proposta para a reabertura das lojas, comprometendo-se a seguir as recomendações do Ministério da Saúde. Dentre elas, a adoção de um horário diferenciado para idosos, aumento na segurança, manutenção dos limites de distância de um cliente para outro e o afastamento de gestantes, idosos e portadores de doenças crônicas (hipertensão, diabetes ou problemas respiratórios).
As entidades alegam que não houve aumento significativo no número de casos do coronavírus em Volta Redonda, o que é contestado pelo prefeito Samuca Silva. A cidade registrou, sim, um aumento da doença, pulando de 4 casos no dia 24 de março, quando começaram a aparecer os primeiros registros da Covid-19, para 52 na sexta, 3 de abril. E o que é pior: duas mortes confirmadas.
Outro argumento usado pelos empresários é que 60% dos lojistas não conseguirão arcar com os salários de seus funcionários, uma vez que o fechamento do comércio teria causado um prejuízo de 80% aos comerciantes. Por conta disso, temem uma demissão em massa nas lojas e entre os prestadores de serviços. O engraçado é que nenhum grande grupo, tipo Royal e Floresta, entre outros, fala em demissão. A CSN, maior empregadora da cidade do aço, também não.
Não satisfeitos, os empresários bateram à porta do Ministério Público para pedir a reabertura do comércio para ontem, sexta, 3, incluindo um novo dado: que mais de 80% dos associados das entidades representativas, taxadas como micro e pequenas empresas, com até 10 funcionários, não teriam recursos para cumprir com suas obrigações financeiras, em especial, a folha de pagamento. Do encontro virtual saiu a promessa de que os promotores do MP conversariam com Samuca. Detalhe: o próprio MP já partiu para cima dos prefeitos de Resende, Itatiaia, Porto Real e Quatis exigindo que eles voltassem a adotar as regras de isolamento social, sem permitir a reabertura das lojas.
Barra Mansa
Assim como em Volta Redonda, os grandes do comércio local também defendem a reabertura das lojas na cidade. Só que lá, eles propuseram um horário diferenciado – das 9 às 14 horas, com restrições iguais às da cidade do aço. “Os estabelecimentos funcionariam das 9 às 14 horas, com todos os cuidados necessários para garantir a proteção dos funcionários e clientes, com uso de máscaras, luvas e disponibilização de álcool em gel. Cada lojista seria responsável por fazer a higienização diária da calçada em frente ao seu imóvel”, disse Leonardo dos Santos, presidente da CDL-BM.
A pressão sobre Rodrigo Drable começou há 10 dias e o prefeito não escondeu de ninguém que estava preocupado com a situação. Pelo Facebook, ele demonstrou isto: disse que está fazendo o dever de casa quanto a seguir as recomendações do Estado, mas admitiu estar sendo pressionado. “Estou muito preocupado com a manutenção dos empregos. Muito mesmo. Mas não posso ser irresponsável. Não posso liberar a volta das atividades, nem mesmo parcial, sem que uma estrutura básica esteja pronta para atender as pessoas (…) Estou recebendo todo tipo de pressão”, revelou.
Aciap, CDL e Sicomércio foram além. Deixaram no ar a ameaça das demissões. “Mesmo renegociando o pagamento de fornecedores, se os estabelecimentos continuarem fechados inevitavelmente teremos demissões. Os empresários já vêm de um longo período de vendas fracas e não têm, neste momento, caixa para manter impostos, aluguel de imóvel e folha salarial com os empreendimentos fechados”, disse Bruno Paciello, presidente da Aciap, esquecendo que em dezembro eles fizeram, como sempre, a festa de final de ano.
O presidente do Codec-BM foi mais enfático. Lembrou que o sistema de saúde da cidade está funcionando sem sobrecarga e que o município não registrou nenhum óbito por Covid-19. Tem razão. Mas esqueceu de falar que o cenário está desenhado desta maneira por conta do isolamento social. Sem movimentação ou aglomeração de pessoas, o vírus não circula, os casos não aparecem e um número bem pequeno de pessoas adoece. A estratégia das autoridades de saúde é justamente essa para resguardar a população e evitar um colapso no sistema de saúde.
O que os empresários de Volta Redonda e Barra Mansa não contam é que muito antes da Covid-19 começar a fazer vítimas pelo país, o IBGE já tinha informado que a taxa de desempregos no Brasil batia recordes. Segundo o órgão, em fevereiro, com todas as lojas aberta, o desemprego atingiu 11,6%, indicando um total de mais de 12 milhões de brasileiros à procura de trabalho. Para março, o IBGE, já contando os reflexos do Coronavírus, estima um percentual um pouco maior, na casa de 13%.
Caminhoneiros
A pressão dos empresários, apesar dos riscos de novos óbitos provocados pela Covid-19, vai contar com uma ajuda de peso: dos caminhoneiros. A categoria organiza uma paralisação para a próxima terça, 7, para impedir que alimentos, gás de cozinha e medicamentos cheguem até os supermercados e farmácias e assim desabastecer todos os municípios. “Vamos parar (o Brasil) se os governadores não recuarem”, avisou o líder dos caminheiros, Wallace Landim, conhecido como Chorão. As informações são da Folha de São Paulo.
Segundo Chorão, os caminhoneiros reclamam que postos de gasolina e restaurantes estariam fechados nas estradas, o que dificultaria o trabalho deles. Reclamam até da falta de local para pernoitarem. “Se [os governadores] não voltarem atrás e não sair liminar na Justiça, a categoria provavelmente vai parar. Vai paralisar naturalmente, por não ter como trabalhar, e parar em protesto”, avisou Landim.
Os números de VR e BM
Caminhando para a quarta semana da quarentena imposta, os moradores de Volta Redonda e Barra Mansa continuam preocupados com a Covid-19. A cidade do aço, por exemplo, ostenta o ingrato título de ser a terceira do estado do Rio em números de casos e, infelizmente, já registrou dois óbitos – de um casal de irmãos. Vale lembrar que no início da quarentena – 13 de março – a prefeitura não registrava nenhum caso de coronavírus. Três semanas depois, até ontem, sexta, 3, os números chegaram a 52 confirmados e 410 suspeitos.
Como medida protetiva e preventiva, o prefeito Samuca montou um hospital de campanha no Raulino, com 114 leitos, suspendeu aulas, fechou comércio e, pasmem, as entradas da cidade. Desde terça, 31, carros com placas do Mercosul e de outros municípios são parados pela Guarda Municipal e se o condutor for morador da cidade, precisa comprovar vínculo, se não, é impedido de entrar, principalmente se for morador da capital e das cidades da Baixada Fluminense.
Em Barra Mansa, Rodrigo Drable ainda não fechou as fronteiras do município, mas adotou medidas de proteção e prevenção para evitar que os casos da doença aumentem. Até ontem, 4, Barra Mansa tinha registrado apenas dois casos confirmados da doença e nenhum óbito. Mas a cidade carrega um triste fato: de ter tido o primeiro caso da Covid-19 no estado do Rio. Foi no dia 18 de março e a doença infectou uma servidora pública da área do Meio Ambiente, de 27 anos, que viajou em férias pela Itália e passou por cidades endêmicas, como Lombardina. Ela cumpriu o isolamento obrigatório e foi acompanhada pela Vigilância Epidemiológica de Barra Mansa. Felizmente, ela está curada.