sexta-feira, março 31, 2023
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Arquitetura hostil

Cerca instalada na Vila para impedir acesso de moradores de rua pode ter que ser removida

Na edição 1259, de 10 de julho de 2021, o aQui publicou a foto de uma intervenção que teria sido feita pelo Condomínio do Justino Mollica, localizado no coração da Vila Santa Cecília, e que chamou a atenção. Não pela beleza da cerca, mas pelo objetivo: impedir que moradores de rua continuassem a usar a calçada pública existente debaixo da marquise do prédio para dormir e se proteger da chuva e do sol. Alguns chegavam a morar entre o edifício e a agência do Banco do Brasil, usando até um varal improvisado para secar as roupas que lavavam na fonte da Praça Brasil.
Pois bem. A instalação da cerca pode gerar um problema à prefeitura de Volta Redonda. É que o Congresso Nacional derrubou na sexta, 16, o veto do presidente Jair Bolsonaro à proposta que proíbe o uso de materiais e estruturas (como a cerca, grifo nosso) destinados a afastar as pessoas em situação de rua de locais públicos – a chamada arquitetura hostil. O texto foi, inclusive, encaminhado para promulgação e vai virar uma lei federal.
Assim que entrar em vigor, até prova em contrário, a cerca instalada no Justino Mollica terá que ser removida. Quem garante é uma fonte do aQui com trânsito junto à prefeitura de Volta Redonda, onde trabalhou durante anos. “A marquise do prédio pode existir, mas a calçada não é do prédio. É área pública, e o correto é a prefeitura intimar o condomínio a retirar a cerca, já que, em tese, foi ele quem a instalou”, afirmou, pedindo para não ser identificado. “Resta saber se a prefeitura autorizou a instalação da cerca”, acrescentou, garantindo que o caso da cerca se enquadra perfeitamente na lei da “arquitetura hostil”.
Para quem não sabe, no Senado, origem da proposta, a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro teve 60 votos favoráveis e 4 contrários. Na Câmara dos Deputados, foram 354 votos pela derrubada e 39 pela manutenção. O Projeto de Lei 488/21, do senador Fabiano Contarato (PT- ES), ficou conhecido como “Lei Padre Júlio Lancelotti”. No ano passado, o religioso viralizou nas redes sociais ao protagonizar cena em que tentava quebrar estacas pontiagudas de concreto instaladas pela prefeitura de São Paulo sob um viaduto.
O veto havia sido publicado na quarta, 14, e a Presidência da República disse em nota que a expressão “técnicas construtivas hostis”, empregada no projeto, poderia gerar insegurança jurídica, por se tratar de “terminologia que ainda se encontra em processo de consolidação para inserção no ordenamento jurídico”.

Preocupação humanitária
O senador Contarato, é claro, comemorou a inclusão do veto na pauta do Congresso antes do prazo e afirmou que a futura lei envolve preocupação humanitária. “O Estatuto das Cidades precisa ser inclusivo, e a utilização de vergalhões, correntes e instrumentos pontiagudos tem o único objetivo de valorizar o patrimônio em detrimento do acolhimento da população em situação de rua”, comentou, ressaltando que a pandemia aumentou o número das pessoas que moram nas ruas e elogiou o trabalho de Lancelotti. “É um verdadeiro humanista, aguerrido, que tem um olhar voltado aos marginalizados, aos que mais precisam”, disse.

Humanização das cidades
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator da proposta na Câmara, disse que a futura lei ajudará no combate ao preconceito e ao ódio aos pobres e às pessoas em situação de rua. “É muito importante que o poder público adote medidas para a humanização das cidades, para o acolhimento. Ninguém vive na rua por opção, por querer, são as circunstâncias que levam a isso”, afirmou.
Orlando Silva cobrou que os municípios revejam os planos diretores das cidades para romper com as construções agressivas à população mais vulnerável. E o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), disse que a proposta é um marco no acolhimento das pessoas mais vulneráveis. “Os gestores deveriam oferecer diálogo e políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população em situação de rua, e não esses métodos construtivos hostis”, avaliou.
Detalhe: Apenas o partido Novo recomendou a manutenção do veto. A deputada Adriana Ventura (SP) afirmou que o texto tem boa intenção, mas fere a autonomia dos
municípios. “Entendo a questão humanitária, mas desumano é não dar conta de cuidar da população de rua, é dar barraca, cobertor e não moradia”, criticou.
Fonte: Agência Câmara de Notícias

Nota da redação: A secretaria de Comunicação do governo Neto, procurada pelo aQui para tratar do assunto, informou que vai ‘analisar a situação’. Caso a cerca esteja ilegal, acrescentou, a prefeitura deverá tomar alguma providência a respeito.

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