GMs de VR podem andar armados; os da capital, se depender do MPF, não

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O sonho da maioria dos guardas municipais era e ainda é ser visto como um policial. E poder agir como tal. Armado, se possível, como os agentes da Federal, da Civil, da PM. Em Volta Redonda, onde a Guarda Municipal (apesar de ter um comandante de carreira, grifo nosso) é comandada por um policial militar, o coronel Luiz Henrique, polêmico secretário de Ordem Pública, parte dos GMs já anda armada pelas ruas da cidade do aço. A expectativa é de que isso possa até ser ampliado.

A primeira tentativa de aumentar o número de GMs armados foi feita no último dia 9 de abril, quando a Guarda Municipal tentou contratar uma empresa, conforme norma da Polícia Federal, para aplicar avaliação de aptidão psicológica, acompanhada da elaboração de laudo conclusivo individual, para a concessão de porte de arma de fogo institucional a novos GMs. Seriam comprados até 150 testes, pelo valor total R$ 27 mil. Mas nenhuma empresa apareceu para viabilizar a ideia de armar mais alguns GMs de Volta Redonda.

Aliás, armar a Guarda Municipal sempre foi um tema polêmico. No início da década de 90, por exemplo, agentes chegaram a formar uma equipe, que ficou conhecida pelo codinome de ‘A Guarda que Mata’. Gerava pânico na cidade do aço. Desde então, vale destacar, não houve qualquer debate com a Câmara de Vereadores ou com a sociedade civil. Nunca foi feita uma audiência pública para debater a necessidade ou não de armar os guardas municipais

A ideia de armar as guardas municipais não fica restrita ao Sul Fluminense. Ao aQui, o secretário de Ordem Pública de Barra Mansa, major Daniel Abreu, também já anunciou a intenção de armar a corporação da sua cidade. E a tendência é que ela aumente, pois recente decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada em março, colocou as GMs no rol das instituições de segurança pública, ampliando sua atuação. Ou seja, as GMS poderão agir na prevenção e repressão de crimes, como se fossem policiais militares ou da Polícia Civil, no patrulhamento ostensivo. Inclusive, vejam só, armados.

Na terça, 15, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro aprovou um Projeto de Lei Complementar que permite que a Guarda Municipal da cidade maravilhosa possa atuar armada. Caberá agora ao prefeito Eduardo Paes enviar um novo projeto para o Legislativo para regulamentar como será feito o armamento dos GMs cariocas e a atuação da corporação. Detalhe que, aos menos para o Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) já se posicionou contrário ao armamento da GM.

O órgão argumenta que a aprovação do projeto não contribuiria para a segurança pública e poderia gerar mais perigos para a população e para os próprios agentes da guarda. Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio Araujo, o armamento da Guarda Municipal sem um planejamento prévio adequado pode intensificar a violência na cidade. “Não podemos simplesmente armar a Guarda Municipal sem antes definir claramente seu papel e as estratégias de segurança pública no município”, afirmou o procurador, que atuou por longos anos em Volta Redonda.

A principal preocupação do MPF, conforme consta da nota técnica da Procuradoria, é que não há no Rio (também não tem em Volta Redonda) um plano municipal de segurança pública, documento que deveria preceder qualquer alteração nas atribuições da guarda. O procurador explica que a falta desse plano desrespeita o princípio da legalidade. “O plano de segurança deve ser a base para qualquer decisão sobre armamento. A ausência dele prejudica a efetividade das políticas de segurança pública”, alertou. Outro ponto crucial apontado na nota técnica é a elevada letalidade policial já existente no Rio de Janeiro, que registrou o segundo maior número de mortes em intervenções policiais no país em 2023.

O MPF teme que armar a GM possa contribuir para o aumento dessas ocorrências, especialmente se o treinamento dos agentes não for apropriado. “Armar a Guarda Municipal sem a devida formação é um risco para todos, pois pode intensificar o uso excessivo da força e as violações de direitos humanos que já acontecem”, declarou Araújo. O procurador também manifestou apreensão em relação ao histórico de violência da guarda contra populações vulneráveis, como trabalhadores ambulantes e pessoas em situação de rua.

Tem mais. O Ministério Público Federal questiona se armar a Guarda Municipal de fato irá ajudar a combater a criminalidade no Rio de Janeiro. É que, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o aumento da disponibilidade de armas de fogo no Brasil tem sido associado ao crescimento de homicídios e latrocínios, e não à sua redução. “Não há evidências de que mais armas promovam a segurança, e sim o contrário: o aumento da circulação de armamentos tem levado ao aumento da violência”, enfatizou o procurador.

A nota técnica do MPF ainda expressou preocupação com os riscos psicológicos e emocionais para os guardas municipais do Rio de Janeiro, que não foram preparados para lidar com a complexidade do policiamento armado. Para o MPF, os agentes podem se tornar mais suscetíveis a traumas, como evidenciado pelo aumento de suicídios entre policiais militares no estado.

Nota da redação

O aQui procurou o MPF, através da assessoria de imprensa do órgão, para saber a opinião da Procuradoria acerca do armamento da Guarda Municipal de Volta Redonda e a intenção de outras prefeituras em fazer o mesmo. Até o fechamento desta edição, entretanto, não houve retorno.