A expressão popular ‘Vá plantar batatas!’, usada por Neto ao encerrar uma discussão com Gisele Klingler, na manhã de quarta, 8, durante reunião no Palácio 17 de Julho, está sendo considerada por muitos – especialmente por quem é da oposição em Volta Redonda – como um caso típico de violência política de gênero.
Outros, entretanto, entendem que a frase foi apenas como um ‘vá embora’ ou ‘pare de incomodar’. A verdade é que a discussão entre o prefeito e a vereadora de oposição teve desdobramentos diferentes. Neto pediu desculpas publicamente à parlamentar; e Gisele foi à Delegacia da Mulher (Deam) apresentar queixa por entender que foi vítima de violência política de gênero e violência psicológica. “Fui chamada de mentirosa, mandada ‘ir embora, porra’ e ir plantar batatas, simplesmente por cumprir o meu dever como vereadora”, justificou, para enfatizar que o caso não poderia ser considerado só algo pessoal, de Neto x Gisele.
“Esse episódio não é só sobre mim. É o que tantas mulheres enfrentam todos os dias quando ousam levantar a voz, ocupar espaços de poder e exigir respeito. É não aceitar que o machismo e a prepotência se tornem regra na política”, justificou. Ela foi além. “Eu saio da delegacia de cabeça erguida e com a certeza de que nenhum ataque vai me calar. Minha voz é instrumento de luta – e eu vou continuar usando ela por Volta Redonda, pela saúde e por todas as mulheres que já foram silenciadas. Nem um direito a menos, nenhuma mulher para trás!”, pontuou.
O prefeito Neto, que já tinha pedido desculpas à própria parlamentar de oposição, aproveitou a entrevista a Dário de Paula na manhã de quinta, 9, para falar sobre o incidente. “Virou até um caso político”, disparou ao iniciar a fala. “Ontem eu vi o ex-candidato a prefeito se pronunciando”, acrescentou, referindo-se a Maurinho, empresário derrotado por Neto nas eleições de 2024. “Virou de fato uma questão política”, avaliou. Neto foi além. “Eu quero aproveitar aqui de público e pedir desculpas pelo ocorrido, pedir desculpas para todos os vereadores presentes. E pedir desculpas especialmente à vereadora Gisele pela minha atuação. No final (da discussão), acabou sendo uma questão muito política e eu peço desculpas pela minha situação”, disse o prefeito. “De fato, eu não gostaria de estar diminuindo o salário dos médicos. Pelo contrário, a gente tem é que valorizar muito”, disse.
Ainda na entrevista a Dário de Paula, o prefeito de Volta Redonda lembrou que recebe R$ 17.200,00, menos do que os médicos estavam ganhando até a redução dos salários. “Infelizmente, a minha receita não está sendo suficiente para manter o salário dos médicos. Eu tô passando pra 15 mil. Eu fiz um levantamento e o melhor salário do estado ainda vai ser o meu (de Volta Redonda). Pouquíssimas pessoas (prefeitos) pagam mais que 15 mil. Eu gostaria de continuar pagando os 20 mil, até porque o trabalho que é feito por eles é de excelência, eu tenho que re- conhecer isso”, comparou.
“Então, mais uma vez eu quero pedir desculpas a todos os vereadores presentes, em especial à vereadora Gisele. Não tenho nada contra ninguém, eu entendo a posição de todos”, pontuou. Mais tarde, o prefeito voltou ao assunto. “O episódio é uma questão muito política, você vê as manifestações (nas redes sociais), estão querendo passar (o caso) para um outro lado, o que não tem nada a ver. Eu sou uma pessoa muito respeitosa”, garantiu.
Repercussão
O quiproquó entre Neto e Gisele bombou nas redes sociais, contra e a favor. Fez até ressuscitar alguns políticos, como Maurinho , candidato derrotad por Neto nas eleições passadas, e Granato, ex-vereador. Sobrou também para a vereadora Carla Duarte, da base aliada ao Palácio 17 de Julho, por não defender a colega de Parlamento. Muitos a massacraram por aparecer rindo no auge da discussão, o que a levou a postar uma foto ao lado de Gisele com a seguinte legenda:
“A Gisele foi uma das pessoas com quem mais me conectei quando assumi o mandato na Câmara Municipal. Mesmo que, às vezes, a gente discorde em alguns posicionamentos políticos, o que é absolutamente normal em uma democracia, somos grandes aliadas. Afinal, ser mulher nesses espaços não é nada fácil. E somos apenas duas. Com histórias diferentes, mas muito parecidas. Viemos de famílias humildes, trabalhamos duro, carregamos no corpo as marcas da superação, vencemos batalhas e chegamos até aqui. Gisele, você sabe o quanto eu te respeito e admiro! Tem toda a minha solidariedade e apoio”, escreveu Carla. “Conte comigo sempre, minha amiga. Vamos juntas, nessa e em todas as outras batalhas que a vida e a política colocarem no nosso caminho”, finalizou.
Adversários de Neto, como o vereador Raone e o deputado estadual Jari, ambos cotados a subir a rampa do Palácio 17 de Julho, logo se posicionaram em defesa de Gisele. Raone fez mais. Foi até a Prefeitura de Volta Redonda e, para surpresa geral, conseguiu chegar ao gabinete do prefeito Neto sem ser convidado ou mesmo interceptado na recepção. No vídeo gravado, Raone provocou Neto, e o bate-boca, assim como o do prefeito com Gisele, foi duro. Terminou com Neto afirmando que não o considerava um amigo. Raone respondeu dizendo “ainda bem”.
O bate-boca de Neto com Gisele ganhou repercussão fora da cidade do aço. Até o diretório do PT de Barra Mansa pegou carona e soltou uma nota de repúdio contra Neto. “É um ataque contra a democracia, contra todas as mulheres que lutam para ocupar os espaços de poder e contra o próprio povo, que tem no legislativo sua voz e representação ”, escreveu Fernanda Carreiro, ex-vereadora, atual presidente do diretório do PT e possível candidata à Alerj em 2026. Ah, o PSB Mulher de Gisele, Jari e Raone também soltou nota de repúdio contra a ‘postura desrespeitosa e inaceitável’ de Neto.
Entenda a briga
O bate-boca entre Neto e Gisele, diante de um grupo de vereadores e assessores, foi motivado pela crise financeira que o prefeito diz estar enfrentando e que vai provocar, de imediato, entre outras ações, a redução de salários – de R$ 20 mil para R$ 15 mil – de 80 médicos que atuam na rede pública do município. No dia anterior, terça, 7, Neto já tinha reiterado ao vereador Betinho Albertassi que os pedidos dos médicos para que a medida fosse revista não seriam aceitos. “É um direito deles reivindicar, mas não tem como concordar”, disparou Neto, garantindo que Volta Redonda é a cidade que melhor paga aos médicos.
Na manhã da fatídica
quarta, 8, o aQui publicou, por exemplo, uma reportagem especial nas redes sociais detalhando a proposta que os médicos iriam apresentar a Neto para tentar convencê-lo a mudar de ideia. A mensagem foi levada por Edson Quinto, presidente da Câmara, Renan Cury e mais alguns vereadores. Gisele, mesmo sendo de oposição, também foi. E deu no que deu.
A discussão começou quando Gisele, ao defender os profissionais de saúde, criticou a decisão de Neto de reduzir os salários dos médicos dizendo que outros funcionários da administração municipal estariam recebendo muito mais que R$ 20 mil através de RPAs. Foi o bastante para Neto dizer que a afirmação não era verdadeira. “É mentira”, disse, de forma ríspida, garantindo que o exemplo de pagamento apresentado pela vereadora não seria de funcionário. Seria de uma prestadora de serviços.
Gisele tentou argumentar, insistindo na denúncia, mas Neto elevou o tom de voz. “Não são funcionários, não.Vai plantar batata! Vai embora, porra!”, gritou, levando Gisele a se levantar e exigir respeito. O autor do vídeo, que ganhou as redes sociais, ninguém sabe quem foi, se algum assessor ou um dos seus próprios colegas de Parlamento .