MP x Rio Claro

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A pista da discórdia

Por Pollyanna Xavier

O Ministério Público abriu um procedimento preliminar para investigar a conduta do subsecretário de Meio Ambiente de Rio Claro, Pedro Henrique. Ele é citado em uma denúncia feita à promotoria de Tutela Coletiva do MPE-RJ como responsável pela autorização da construção de uma pista de pousos e decolagens no distrito de Passa Três. A obra pertence ao empresário carioca Samuel Alves, que desde meados do ano passado vem construindo uma estância turística no local. Segundo apurado, Pedro Henrique teria, supostamente, concedido documentos autorizativos ao empresário, sem a observância da Legislação Municipal e Ambiental.

De acordo com a denúncia que o aQui teve acesso, o licenciamento – que deveria ser de competência exclusiva do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) – teria sido emitido sem os estudos e os relatórios obrigatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA) e ainda sem o devido processo administrativo de licenciamento. A obra – uma pista com 600 metros de extensão por 18 de largura – teria sido autorizada por Pedro Henrique, que supostamente teria emitido uma licença de terraplanagem para a abertura do solo, sem observar o impacto que o empreendimento causaria.

O problema é que para preparar o solo para a pista, o empresário cortou mais árvores do que deveria e não teria realizado nenhuma compensação ambiental por isto. A supressão da vegetação além do permitido foi descoberta pelo Satélite Olho no Verde, do Inea, que sobrevoa áreas de preservação ambiental monitorando as reservas. Diante do flagrante, imediatamente o órgão estadual determinou o embargo das obras, que seguem paralisadas até hoje, aguardando regularização.

No início de setembro, o MP acolheu uma denúncia contra a conduta do subsecretário de Meio Ambiente e abriu um procedimento investigatório para apurar a possível irregularidade. “As obras em questão envolvem o desmatamento em área significativa, o que agrava a situação diante da ausência de licenciamento adequado”, diz um trecho da denúncia enviada ao MP. Em outro, consta que a obra pode colocar em risco a vida da coletividade, já que Rio Claro não dispõe de forças de segurança (Corpo de Bombeiros), infraestrutura viária e hospitais equipados para atuar em um eventual acidente aéreo.

O texto da denúncia aponta ainda que o dono do empreendimento teria obtido uma licença simples para terraplanagem, enquanto que a obra exigia uma licença mais complexa, devido ao impacto ambiental causado pela supressão da vegetação. Outro detalhe que consta na queixa ao MP é que os documentos autorizativos da prefeitura teriam sido emitidos de “qualquer maneira, sem cobrança de taxas, sem exigências de compensações ambientais e mediante omissão ou ocultação de relatórios de vistoria”. O denunciante pede a apuração de eventuais responsabilidades civis, administrativas e criminais, inclusive com a adoção das medidas legais cabíveis.

Procurado pela reportagem do aQui para falar sobre a denúncia, Pedro Henrique disse que ainda não foi citado pelo MPE e que não trabalha nas emissões de licenças. “Oficialmente eu não recebi nada, não fui notificado de nada. Como subsecretário eu não cuido diretamente desses processos, não acompanhando nada disso. Estou trabalhando na coleta seletiva e em outros projetos”, explicou. Em seguida, disse acreditar que a denúncia não será acolhida pelo Ministério Público pela ausência de provas legais. “Acho que não será acolhida. Quem me denunciou? Eu não recebi nada, não deve ter nada”, questionou, prometendo retornar ao aQui, caso seja notificado da investigação.

A reportagem também entrou em contato com o Ministério Público, no Rio, e a resposta do órgão fiscalizador foi firme: “A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Volta Redonda informa que, no dia 10 de setembro de 2025, foi instaurada notícia de fato (procedimento preliminar) para buscar maiores informações sobre a representação. No momento é aguardada resposta da Prefeitura de Rio Claro”, informou a assessoria do órgão. Na prática significa que o MPE acolheu, sim, a denúncia contra Pedro Henrique e que já notificou a prefeitura para prestar esclarecimentos sobre os fatos narrados.

Entenda – Em janeiro deste ano, o aQui divulgou com exclusividade que Rio Claro ganharia uma estância turística de 51 hectares, no distrito de Passa Três, exatamente no alto da Serra do Piloto. A área pertence ao empresário carioca Samuel Alves, que garantiu tocar o empreendimento com recursos próprios, sem o financiamento de bancos ou investidores. No projeto inicial, estavam previstos a construção de chalés, restaurantes, uma cachaçaria, uma refinaria para extração de óleo de abacate para produção de azeite, uma pizzaria, uma fábrica de chocolates, um viveiro gigante para criação de aves exóticas, uma rampa para voo livre e, claro, a polêmica pista para pousos e decolagens de aeronaves.

E é justamente por conta da construção dessa pista que o caso foi parar nas mãos do Ministério Público. O empresário Samuel Alves teria solicitado uma licença municipal para a sua construção e o município teria emitido uma licença de terraplanagem, ignorando a complexidade do processo e os impactos ambientais que ele causaria. Com a terraplanagem, veio também a supressão da vegetação além do permitido. O Inea detectou o problema através do satélite Olho Vivo, que monitorou a área e flagrou a supressão. As obras foram embargadas, a prefeitura notificada (afinal, houve uma invasão de competências) e o empresário foi autuado para se adequar à legislação.  Com a investigação do MPE, as chances de todo o projeto da estância turística entrar no radar do órgão fiscalizador são grandes.