Delegada Juliana, à direita na foto
Por Mateus Gusmão
“Graças a Deus, os registros de casos de violência contra a mulher estão aumentando”. A frase é da delegada Juliana Montes, que assumiu na segunda, 30, a Deam (Delegacia de Atendimento Especial à Mulher) de Volta Redonda. Ao contrário do que pode parecer, ela não está comemorando o aumento da violência. Segundo ela, os crimes contra as mulheres não estão aumentando; o que está acontecendo é que as vítimas estão tendo mais confiança e coragem para denunciar as agressões que sofrem. E ela quer mais.
Juliana Montes assumiu a Deam no lugar de Flávia Monteiro, que ficou menos de um mês em Volta Redonda. A atual delegada estava lotada na 32a Delegacia de Polícia (Taquara). “O que eu espero da cidade está sendo muito retribuído. A rede de apoio que temos em Volta Redonda é muito grande, é muito necessário para o apoio do trabalho da polícia, o apoio do social, o psicológico. É uma questão familiar (de violência contra a mulher), antes de ser uma questão policial”, disse ela, referindo-se aos projetos da prefeitura de Volta Redonda como a Patrulha Maria da Penha, o Centro de Atendimento Especializado à Mulher (Ceam) e a secretaria de Política para Mulheres.
“A mulher vem aqui (na Deam), e vamos fazer o melhor, aplicar a lei com toda justiça e a competência que nos cabe. Mas precisamos da rede de apoio para que a mulher possa ter um atendimento antes e depois da delegacia. Para abrigamento, acolhimento da família, dos filhos. Quero que trabalhemos juntos para entregar o que for melhor para a população feminina”, destacou Juliana, que está na Polícia Civil desde 2010 e como delegada, desde 2013.
Na entrevista, Juliana lembrou que os desafios à frente de uma Delegacia de Atendimento à Mulher são muitos. “É muito trabalho, por mais que a cidade não seja tão grande. Graças a Deus, o número de registros de violência à mulher está aumentando. E eu digo que ‘graças a Deus’ não porque a violência esteja aumentando. O que está aumentando é a confiança da mulher em comunicar as autoridades policiais”, afirmou, destacando que a ‘cifra negra’ de casos que não chega à polícia está diminuindo. “As mulheres estão confiando mais na Polícia, estão vindo denunciar. E isso aumenta o trabalho da Polícia, mas faz diminuir casos. Quando resolvemos um caso, ele serve de exemplo para outra mulher. E criamos assim uma ‘bola de neve do bem’”, completou.
‘14 agressões por hora’
Questionada em como a sociedade poderia ajudar no combate à violência contra a mulher, ela diz que primeiramente é importante que as pessoas possam também procurar a Polícia. “Digo isso de cara. Temos o disque-denúncia, que é um canal em que as pessoas têm segurança de denunciar em anonimato. Tudo chega para nós. E vamos atrás para averiguar as denúncias que chegarem. Caso perceba que a mulher não quer contar o que está acontecendo, vamos acionar o Ceam, o atendimento psicológico, a assistência social. Essa é uma forma de ajudar”, comentou.
Segundo ela, outra forma de as pessoas ajudarem uma vítima de violência é o acolhimento. “Abrindo as portas para a mulher, acolhendo a mulher que está em uma situação vulnerável, que está em situação de perigo. As mulheres ainda são vulneráveis por uma questão de gênero. Cada um fazendo sua parte de ajudar o próprio ser humano, não só procurando a Polícia, mas estendendo a mão à pessoa para ajudar, é importante”, disse, sublinhando que não é só a violência física que atinge as mulheres, mas também a psicológica, manipulação por questão financeira, humilhações, entre outros.
VR: duas mil mulheres foram vítimas de violência em 2022
Um dia após Juliana Montes ser empossada na Deam, o governo do Estado do Rio lançou a 18a edição do Dossiê Mulher, organizado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) e que tem como objetivo o debate e a construção de metas para políticas públicas voltadas ao combate à violência contra as mulheres, inclusive com a realização de painéis de discussão.
Levantamento feito pelo aQui junto ao Dossiê Mulher mostra os casos de violência que aconteceram no Sul Fluminense. Eles são divididos em violência física, moral, patrimonial, psicológica e sexual. Em Volta Redonda, por exemplo, foram quase duas mil mulheres vítimas de algum tipo de violência. Já em Barra Mansa, foram 656 vítimas. Veja a tabela completa ao lado.
O Dossiê Mulher mostra ainda outros dados assustadores. No ano passado, 43.594 mulheres foram vítimas de violência psicológica. Outro dado que chama atenção é que mais da metade dos crimes aconteceram dentro de uma residência e foram cometidos, em maioria (67,6%), por alguém conhecido. A maior parte das vítimas tinha de 30 a 59 anos e mais da metade eram negras. O material do ISP apresenta análises acerca das cinco formas de violência descritas na Lei Maria da Penha – física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, além de destacar ações do governo sobre o tema, como a criação da primeira secretaria de Estado da Mulher, fundada no início deste ano. O governador Cláudio Castro fez questão de destacar que o combate à violência contra a mulher é prioridade. “Estamos investindo em tecnologia com o aplicativo Rede Mulher, em que a vítima aciona o 190 da PM por meio de um botão, permitindo que o policial visualize sua localização. Os números ainda são altos, mas estamos avançando cada vez mais e não vamos parar”, afirmou.
Uma das novidades do Dossiê Mulher foi a análise etária dos autores de violência contra a mulher. Isso permite, de forma inédita, que novas ações preventivas e políticas públicas sejam implementadas para este perfil. Os dados revelam, por exemplo, que a maior parte dos autores de violência contra a mulher em 2022 possuía entre 30 e 59 anos (52,7%). Ao analisar o tipo de crime por idade, é possível identificar que entre os autores de até 17 anos e aqueles entre 18 a 29 anos, prevaleceu a prática dos crimes da violência física (40,2% e 42,1%, respectivamente).
Já nos autores de 30 a59anose60anosou mais, se destacaram os da violência psicológica, com 36,1% e 35,4%, respectivamente. É importante destacar que a Lei Maria
da Penha foi aplicada em 63,5% dos casos, reforçando o contexto de violência doméstica e familiar, e a Região Metropolitana registrou a maior parte das vítimas, com 71,4% do total.
“Somos o estado mais feminino do país, e esses dados apresentados comprovam a
importância da criação de uma secretaria de Estado da Mulher no Rio de Janeiro. Os números do Dossiê Mulher nos levam a uma reflexão e incentivam a pensar, nesta rede potente que formamos, como atender cada vez melhor as mulheres”, afirmou a secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar.
O dossiê também aponta a distribuição do número de mulheres vítimas e os descumprimentos de medidas protetivas de urgência, considerando a divisão político- administrativa do estado do Rio de Janeiro. “O ISP é pioneiro no estudo sobre a violência contra a mulher. Já estamos na 18a edição e continuamos inovando. O estudo realizado pelo Dossiê Mulher é de extrema importância no planejamento e elaboração de políticas públicas eficazes no combate à violência contra a mulher no estado do Rio de Janeiro. Essa
luta não é apenas de nós, mulheres, mas de toda a sociedade”, finaliza a diretora-presidente do ISP, Marcela Ortiz.
Outros dados do Dossiê Mulher: mais de 125 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no estado do Rio, ou seja, 14 mulheres sofreram algum tipo de violência por hora em 2022. Tem mais. Em 2022, 111 mulheres foram vítimas de feminicídio em todo o estado. Mais de 60% das vítimas tinham entre 30 e 59 anos de idade e eram negras. No ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu 37.741 medidas protetivas de urgência para uma mulher, com o afastamento do agressor de casa.