Por Pollyanna Xavier
A internet pode ser considerada uma aliada importante na luta contra qualquer forma de opressão. A volta- redondense Rafaela Teixeira, por exemplo, é uma prova de que as pessoas usam as redes para denunciar violações e abusos de qualquer tipo. Ela, mulher preta, 37 anos, teria sido vítima de um caso típico de racismo dentro de uma loja na Amaral Peixoto, na segunda, 15. Confundida com uma ladra, Rafaela precisou provar que a blusa que carregava nas mãos ao sair da loja não tinha sido roubada.
Tudo começou quando ela comprou alguns itens e, ao sair, tirou a blusa de outra loja que estava na sua bolsa e a segurou na mão. Neste momento foi abordada por um segurança, que a questionou sobre a peça de vestiário que exibia. Ao informar que a blusa não era dali e, inclusive, ter mostrado a etiqueta da loja onde a adquiriu, ainda fixada na peça, ouviu um desconfiado “tem certeza?”. Constrangida, Rafaela não reagiu. Foi embora questionando a si própria se a abordagem da segurança teria sido esta caso ela fosse uma mulher branca. Em casa, fez uma publicação do ocorrido em suas redes sociais, marcou a loja e compartilhou o sentimento do momento: raiva. Muita raiva.
A postagem foi a voz de Rafaela, que chegou a pensar em chamar a Polícia e registrar um
boletim de ocorrência. “Não tomei nenhuma medida, pois não tinha testemunhas e
nem provas. Estava sozinha. Seria a minha palavra contra a da segurança que me abordou”, contou, acrescentando que a segurança também era uma mulher preta, assim como outros funcionários.
Antes de ir embora, ouviu da gerente um pedido (insípido) de desculpas, acompanhado de uma promessa de punição à funcionária. “A mão de obra assalariada (da loja) é em sua maioria negra (…) a segurança era preta, como a maioria dos funcionários. Todos gerenciados por uma mulher branca. Nada de novo”, ironizou Rafaela.
Vítima de racismo em outras ocasiões, Rafaela, que é formada em jornalismo e trabalha como auxiliar de contabilidade, já foi chamada de macaca, confundida com atendente de loja e até questionada sobre a forma como penteia os cabelos. O visual é um cabelo volumoso, lindo e identitário. “Já passei por situações de racismo outras vezes, mas não dessa forma, relacionada a furto (…) a gente perde a reação. Mas acho que deveria ter acionado a polícia assim que aconteceu o ato. Me arrependo por não ter feito algo a mais na hora, já que fico militando tanto nas redes sociais. Porém tudo é mais fácil na internet do que na prática”, reconheceu. A facilidade, citada por Rafaela, é relativa. Há situações em que a vítima é cancelada e acusada de autocomiseração. Felizmente, não foi o caso da jornalista, cuja voz digital não embargou e foi ouvida por outros. “Recebi apoio dos meus amigos”, comentou. “A maioria ficou incrédula”, disse, referindo-se ao fato de crimes de racismo, velados ou expressos, ainda não terem sido erradicados. “Não é vitimismo ou mi-mi-mi. O preto sempre será o marginalizado e o branco, a vítima. A sociedade nunca deixou de ser racista. Há pessoas que se escondem em perfis das redes sociais. Com o desgoverno passado, isto só piorou”, criticou. A verdade é que o enfrentamento do racismo é feito com combate. “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, declara a escritora norte- americana, militante e ativista do movimento negro Ângela Davis. A frase virou uma bandeira da causa e vem acompanhada de uma lista de recomendações de como ser e agir de forma a combater o preconceito racial. Uma das recomendações passa por reconhecer que o racismo é uma problemática branca e foi inventado pela branquitude, que, inclusive, deve se responsabilizar por ele. Rafaela entende que essa responsabilização é um processo lento, mas que não pode ser interrompido. “Temos que ter paciência”, reconheceu. A máxima serve pra ela mesma, que sofre a violência do racismo em todas as suas angústias e nem sempre se dá conta de se apropriar das suas percepções. “Parece que o preto espera tanto que algo de ruim aconteça com ele, que fica indiferente. Se fosse anos atrás, eu teria chorado de desespero, teria ficado assustada, traumatizada. Mas eu simplesmente cheguei em casa e fiz tudo oque eu faço sempre, como se nada tivesse acontecido, como se fosse mais um acontecimento na vida, e não deveria ser assim”, lamentou.
Humor
Outra questão que suscitou grande polêmica nas redes sociais foi a divulgação do espetáculo de Leo Lins – comediante que faz piada com assuntos que não têm graça. Leo tem um humor ácido, critica o homem preto, escravizado, e leva multidões aos risos com suas piadas infames. É o que deve ter acontecido na quinta, 18, quando o artista se apresentou em Volta Redonda. Trouxe na bagagem a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a exclusão do Youtube dos seus vídeos que apresentam piadas com pessoas idosas e com deficiências, minorias, escravidão e perseguição religiosa. A decisão do TJ de São Paulo proibiu que tais assuntos sejam falados em tons de ironia nos shows presenciais. Algumas expressões usadas por Leo Lins em seus stand-ups constam em uma cartilha distribuída pelo governo Federal como sendo de cunho racista. Uma delas é ‘humor negro’ – exatamente o tipo de comédia defendido por Léo. “Tem cada expressão que é surreal, e as pessoas acham normais, porque são culturais. Mas pertencem à cultura do racismo estrutural impregnado em nosso país e na nossa sociedade. Isto precisa ser demolido”, concluiu Rafaela.