Na manhã de sexta, 16, o Brasil acordou surpreso com a notícia de que o presidente Michel Temer havia decidido pela intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, a pedido do próprio governador Luiz Fernando Pezão. Horas depois, a cerimônia já estava montada e o discurso pronto para a assinatura do decreto. O interventor escolhido foi o general Braga Netto, do Comando Militar do Leste, que assumirá as funções do governador no que se relaciona com a Segurança Pública fluminense, até o dia 31 de dezembro deste ano.
A decisão estaria embasada no artigo 34 da Constituição de 1988, sob a rubrica nebulosa da restauração da “ordem pública”, velho artifício que autoriza o uso dos poderes estatais mantendo aparente normalidade jurídica. Apesar de estar prevista, a intervenção federal nunca havia sido realizada, logo uma enxurrada de dúvidas se abateu sobre a população. Como o Sul Fluminense se encontra próximo à capital e não é raro ver bandidos de lá migrando para o interior, onde passam a cometer todo tipo de delito, a sensação de medo e de incertezas também paira por aqui.
Mas não há informações precisas até hoje. Até mesmo os prefeitos se perderam no meio do turbilhão e não têm ideia do que acontecerá em seus respectivos municípios. Samuca, por exemplo, disse que não sabe muito sobre a intervenção, apenas foi informado, em reunião realizada no Palácio Guanabara, de que um plano será traçado. “A estratégia da intervenção ainda está sendo elaborada. Estamos acompanhando o seu desenvolvimento”, comentou, sem maiores detalhes.
Samuca disse ainda que está ciente da preocupação da população de que bandidos da capital possam migrar para o interior e se mantém atento para evitar o problema. “Sim, poderia ocorrer. Mas lembro que a intervenção é estadual e não apenas na capital, como foi o caso da UPP. De qualquer forma, o Conselho Intermunicipal de Segurança Pública – que reúne as cidades da região – terá uma reunião na próxima segunda, 26, para discutir os efeitos da intervenção”, esclareceu.
Para o prefeito de Volta Redonda a Intervenção Militar pode ser benéfica para o Rio de Janeiro. “Principalmente se houver uma real integração entre as forças de segurança. E também se tiver operações nas rodovias e nas fronteiras do estado”, opinou Samuca, lembrando que o próprio município conta com ações voltadas para coibir a violência. “Estamos realizando diversas reuniões pontuais com as forças de segurança que atuam no município. Criamos um grupo de trabalho para integrar todas as forças: as polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal, além da Guarda Municipal. Fortalecemos a Guarda Municipal, que agora tem como comandante um guarda de carreira e demos autonomia para sua operação, inclusive financeira. Também estamos ampliando as ações sociais e culturais na cidade”.
O prefeito de Piraí e presidente da Aemerj (Associação de Municípios do Estado do Rio de Janeiro), Luiz Antonio da Silva Neves, também participou da reunião no Palácio Guanabara e demonstrou preocupação com os efeitos colaterais da intervenção federal para o Sul Fluminense. “Existe uma preocupação dos prefeitos, que essa intervenção envolva todo o estado do Rio de Janeiro para evitar o deslocamento da mancha da criminalidade para outras regiões. É preciso que o plano esteja atento à Baixada Fluminense e todo o Interior do Estado do Rio de Janeiro e não só à capital” comentou.
Luiz Antonio comentou as ações de inteligência envolvendo as forças armadas e as polícias do estado. “Esperamos também que essa ação deixe um legado para o estado do Rio de Janeiro de planejamento organizado, integração das polícias, ações de inteligência, ações de segurança federal permanente nas nossas estradas, portos e aeroportos. E que tenhamos uma solução na área social. O confronto por si só, não resolve essa questão. Precisamos de esporte, educação, saúde e cultura”, defendeu o prefeito de Piraí.
Mesmo dentre as forças de segurança, pouca coisa se sabe sobre a intervenção e seus efeitos práticos na vida de policiais e de cidadãos comuns. A falta de informação foi fator decisivo para criar uma atmosfera de medo. Nos corredores das delegacias e pavilhões dos batalhões, os comentários giram em torno da estabilidade dos cargos de chefia e na manutenção de seus ocupantes. Delegados e comandantes temem virar marionete nas mãos dos milicos. Ao mesmo tempo, a população não sabe se estará mais segura ou se presenciará o agravamento da guerra que há muito tempo mutila o estado.
Poucos ousam falar sobre o tema. O comandante do 28º Batalhão da Polícia Militar de Volta Redonda, coronel Márcio Guimaraes é um dos que prefere se pronunciar com cautela. Questionado como poderia ficar o seu cargo ou mesmo sua autonomia, o policial disse que as respostas estão fora de sua alçada. “Sou absolutamente transparente nas minhas ações de comando, entretanto as perguntas se referem a situações que estão fora da minha alçada. Posso lhe dizer que nossa rotina está, até o presente momento, normal”, declinou o PM.
Márcio disse ainda que não recebeu nenhum chamado oficial do governo para tratar da intervenção federal. “Não houve nenhuma reunião, ordem ou contato direto sobre a intervenção. O 28º BPM está trabalhando normalmente e está mantendo a segurança da população. Não temos áreas tomadas pelo tráfico, transitamos em qualquer bairro da nossa área e, inclusive, os índices criminais estão sendo controlados”, avisou, dando a entender que a intervenção dos militares pode não chegar ao interior com todo o seu poder de guerra.
Para o delegado Antônio Furtado, ex-titular da delegacia de Polícia Civil de Volta Redonda e atual responsável pela DP de Pinheiral, os moradores do Sul Fluminense podem, sim, esperar pela atuação dos militares. “Como a intervenção é em todo o estado, certamente veremos movimentações dos militares por aqui”, disparou Furtado, dizendo-se otimista com relação ao seu posto em Pinheiral. “Notamos certa dúvida sobre o alcance da intervenção e como ela se dará, na prática. É certo que ela se dará efetivamente na cúpula do estado. Não temo pela perda de autonomia, pois temos funções constitucionais bem delimitadas”, garantiu.
De acordo com Antônio Furtado, a ideia da intervenção é reorganizar as forças de segurança e não causar atrito entre elas. “A presença dos militares na rua vai aumentar a sensação de segurança da população, diminuir roubos de carga e sufocar a ação dos bandidos. O interventor Braga Netto já deixou claro que a intervenção será um reforço para a segurança pública do Rio de Janeiro”, pontuou o delegado.
Sobre a possível debandada de bandidos perigosos e chefões do tráfico do Rio para o Sul Fluminense, Furtado disse que dificilmente isso acontecerá. “Quando as UPPs foram instaladas no Rio eu era delegado em Volta Redonda. Posso afirmar que nessa época não vimos migração efetiva de bandidos para o interior. Constatamos alguns casos isolados. Levando em consideração esse passado, planejamos o futuro. Mas estamos a postos e pronto para dar uma resposta imediata caso isso aconteça”, disparou.
Já o delegado adjunto da 93ª Delegacia de Polícia de Volta Redonda, Marcello Russo discorda da opinião de Furtado. Para ele é bem possível que os bandidos que aterrorizam a capital venham se esconder no interior. “Sempre existe esse risco. É questão de lógica, pois quando se oprime o tráfico de uma região ou o Estado conquista território a tendência é que os que não forem presos fujam para cidades próximas, caso do Sul Fluminense”, explicou Marcello Russo.
Mas, independentemente dos efeitos colaterais, Russo acredita que a intervenção é uma oportunidade única e que deve ser encarada pela população e pelos políticos como uma chance de resolver, de uma vez, o descontrole no qual se encontra o Rio de Janeiro. “A parte ostensiva – que significa militares na rua – é importante e pode colaborar com a sensação de segurança, mas o que realmente pode resolver é um trabalho efetivo de inteligência. Não se faz prisões de resultado estando fardado ou com fuzil em punho. É preciso um trabalho discreto, inteligente. E pelo o que ouvi do próprio interventor, é justamente a intenção dele de investir na inteligência”, comentou o delegado.
Para Marcello Russo não há com o que se preocupar com relação ao seu cargo. “Não haverá interferência na nossa autonomia, nem possibilidade de perca de emprego, somos concursados e estáveis. O que pode acontecer são, de fato, mudanças nos cargos de chefia ou nas lotações por questões estratégicas. Sei que mudarão alguns comandantes, mas esse tipo de mudança não quer, necessariamente, dizer que fizeram um mau trabalho. Ao contrário. Pode ser que o interventor veja mais benefícios determinada pessoa trabalhando em outra região”, analisou.
Marcello disse ainda que a intervenção dará destaque ao caos que se encontra a Segurança Pública do Rio e que isso pode ajudar a sensibilizar as autoridades. “Precisamos de mais qualificação. Temos problemas com falta de armamento e com viaturas. Com o exército – e o país passará a ver de perto essa questão – pode ser que os governantes entendam a necessidade de investir nessas questões, pois o problema da segurança só se agravou tanto justamente pelas condições precárias com as quais as polícias tinham de trabalhar. Não vai adiantar colocar militar na rua se não agir na raiz do problema”, pontuou o policial.