Vinicius de Oliveira
Quem trabalha em escola sabe bem que o sinal para o recreio anuncia não apenas um momento de descanso para os professores, mas também possibilidades infinitas de todo tipo de violência. Agentes escolares, por exemplo, têm que se posicionar no pátio como verdadeiros guardas, caso contrário algumas crianças podem se machucar. “Quando o sinal toca, nós precisamos correr o quanto antes para pegar os alunos e evitar brigas, discussões e machucados”, disse a professora Cláudia, que pediu para não ter seu nome completo e nem o da escola identificados.
Cláudia dá aulas na rede municipal de Barra Mansa, mas poderia ser em qualquer outra, e dificilmente o relato seria diferente. Há uma sensação generalizada no país de que as escolas deixaram de ser espaços de aprendizado e convivência pacífica para se tornarem verdadeiros campos de batalha. Pelo menos é o que aponta o resultado de uma pesquisa realizada em julho deste ano pela Nova Escola, organização social que atua para apoiar professores da educação básica.
O levantamento, realizado de forma on-line com 5.305 educadores de todas as regiões brasileiras, de escolas públicas e privadas, revela que 65,8% dos entrevistados acham que os alunos estão mais violentos em 2022, sendo que 22,9% disseram que os casos de violência acontecem mais de uma vez por semana na escola em que atuam. Outros 23,4% afirmam que acontece mais de um caso por mês.
“Nunca vi alunos tão violentos e agressivos. As salas das orientadoras vivem lotadas. Este ano parece que as ocorrências ocorrem em intervalos de tempos menores e envolvem muito mais alunos. Os próprios pais parecem incentivar. Na minha escola mesmo ouvi de uma mãe que ela vai ensinar seu filho a ‘descer a mão’ em quem mexer com ele. Além da violência física, o bullying virou lugar comum. A gordofobia e a homofobia estão pipocando quase que livremente pelo ambiente alfabetizador”, desabafou a professora.
Cláudia e os professores ouvidos pela Nova Escola concordam que a Covid-19 foi o principal causador dessa piora nos índices de violência escolar. 50,6% dos entrevistados consideram, inclusive, que mais estudantes estão doentes emocionailmente. E não é só isso. 46% afirmam perceber o agravamento da vulnerabilidade das famílias durante a crise sanitária. Os participantes da pesquisa também apontam que o problema é resultado da pouca socialização dos alunos nos últimos dois anos (40,5%) e uma parcela considerável dos professores (24,7%) entende que a causa da violência nas escolas está na falta de castigos através de ações disciplinares.
A assistente social Rozana Aparecida de Souza, ex-professora do UniFoa, bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestranda em Saúde Coletiva no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, não se espanta com o resultado da pesquisa e lembra que a escola apenas reflete a sociedade. “A escola é formada por pessoas que representam a sociedade, não dá para deslocá-la de um contexto capitalista; e as relações capitalistas sempre foram violentas. E se a sociedade está violenta, a escola também estará violenta e, por isso, os professores ou são vítimas de violência ou são violadores de direito. A violência é uma expressão da alienação do capital”, observou.
Rozana lembra que a conjuntura política também tende a refletir dentro do espaço escolar. “O contexto atual prejudica as nossas relações, que vão ficando cada vez mais violentas. Além do contexto pandêmico, percebemos que a ideologia propagada pelo presidente do país é muito violenta. A gente vive num momento em que as pessoas não respeitam as diferenças de forma alguma. O pensar diferente é muito malvisto e a escola não está conseguindo marcar a ideia de que aqui ela é um lugar de respeito”, avalia.
Rozana concorda que a solução definitivamente não será fácil e pontua que as escolas precisarão de toda ajuda possível para superar essa fase assustadora. “A pergunta que você faz é bem complexa de responder, não há uma resposta pronta, mas vou fazer alguns apontamentos que são importantes para a gente pensar. Não temos como dizer que a escola vai dar conta de tudo que chegar até ela. Não temos nem como garantir que a escola voltará a ser o que era. A nossa sociedade mudou, e a escola também deve mudar e tentar encontrar um lugar um pouco mais acolhedor. Os profissionais da educação vão precisar de apoio e não temos neste contexto atual instituições e serviços fortalecidos para dar esse apoio. A gente tem muito mais demandas do que possibilidades de atendimento e encaminhamento”, lamenta.
Pandemia agravou casos de saúde mental entre estudantes
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Pesquisas recentes mostram que cerca de 80% dos casos de saúde mental entre jovens de 15 a 29 anos no país ficam sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento. Para os especialistas ouvidos pela Comissão de Educação da Câmara, é preciso entender que as consequências desse problema são prejudiciais para a vida das pessoas e para o país, pois há um aumento da evasão escolar.
Pesquisador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, Matías Mrejen disse que a depressão em jovens de 18 a 24 anos aumentou de 5,6% em 2013 para 11,1% em 2019. E o problema atinge mais as mulheres e pessoas de menor renda.
A diretora-executiva do Instituto Veredas, Laura Boeira, citou pesquisa de 2021 que mostra que 36% dos jovens avaliaram seu estado emocional como ruim ou péssimo naquele momento, em plena pandemia da Covid-19. Segundo ela, a faixa etária entre 25 e 29 anos era a mais afetada.
A pandemia, segundo Carolina Campos, diretora-executiva da Consultoria Vozes da Educação, realmente agravou a situação, até porque vários jovens perderam um ou mais cuidadores. “Hoje, a gente entra na escola e não sabe dizer se aquele aluno tem uma mãe viva ou um pai vivo por causa da Covid. A gente precisa saber quantas crianças perderam o seu cuidador direto: a avó, a mãe, o pai. Gente, como o professor trabalha se a gente não tem essa informação?”, observou Carolina Campos.
Entre as soluções apontadas pelos estudiosos, está o treinamento dos profissionais de Educação para identificar, entre os jovens, sinais que sirvam de alerta, além da implantação de equipes especializadas que possam encaminhar os casos conforme a sua gravidade.
Descumprimento de leis
A deputada Tábata Amaral (PSB-SP) disse que o governo não cumpre algumas leis, como a que determina a presença de profissionais de Psicologia na rede pública de ensino (Lei 13.395/19) e que não há programas relacionados à saúde mental de professores e estudantes. “A gente fica neste lugar de ter leis que, se fossem implementadas, seriam respostas excelentes a esse problema, mas que estão completamente paralisadas”, disse, lembrando que está em tramitação no Congresso o projeto que cria uma política de saúde e valorização do profissional de educação (PL 1540/21) e o projeto que estabelece uma política de atenção psicossocial nas comunidades escolares (PL 3383/21).