Uma mega operação da Polícia Civil, realizada na quarta, 9, prendeu 28 pessoas em Volta Redonda, Barra Mansa e na capital, desarticulando uma quadrilha que teria desviado R$ 2 milhões de contas bancárias no Sul Fluminense, graças à atuação de hackers. Entre os presos está um empresário, conhecido como Léo Carroça, dono da boate ‘Mistura Carioca’, no Conforto, fechada há mais de um ano e que estaria por reabrir no bairro São João.
De acordo com a denúncia feita pelo Ministério Público Estadual, que deu origem à operação ‘Open Doors’ (Portas Abertas), a boate teria sido usada em um esquema de lavagem de dinheiro desviado. Léo Carroça foi preso na Rua São João, no centro de Volta Redonda.
A ação foi realizada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e Ministério Público do Estado Rio de Janeiro, envolvendo 190 policiais civis, 63 viaturas, e cinco delegados, entre eles o titular da 90ª Delegacia de Barra Mansa, Ronaldo Aparecido de Brito. O MPE denunciou 88 pessoas por envolvimento com a quadrilha, e a operação tinha como objetivo cumprir 50 mandados de busca e apreensão e 33 mandados de prisão em Volta Redonda, Barra Mansa e Rio de Janeiro.
Além das prisões, também foram realizadas apreensões de 16 veículos – alguns de luxo, avaliados em mais de R$ 220 mil – celulares e computadores. Todo o material apreendido, assim como os presos, foi encaminhado para a sede da Guarda Municipal de Barra Mansa, no Parque da Cidade.
Esquema
Em entrevista coletiva no Parque da Cidade, o delegado Ronaldo Aparecido explicou que a quadrilha agia de forma extremamente organizada, com uma estrutura e hierarquia bem definidas, envolvendo dezenas de pessoas. Disse ainda que os integrantes da organização criminosa ostentavam uma vida de luxo, com gastos de até R$ 50 mil em casas noturnas em apenas uma noitada, além de aluguel de lanchas e compras de imóveis e carros luxuosos.
De acordo com as investigações, que começaram há cerca de oito meses, a quadrilha utilizava hackers para desviar dinheiro de contas bancárias em diversas partes do Brasil, burlando o sistema de segurança dos bancos e obtendo os dados pessoais – senha, identidade, CPF, dependentes, etc. – dos correntistas para fazer os desvios.
O dinheiro desviado era depositado em contas bancárias de laranjas e sacado logo em seguida, em um intervalo de poucas horas, para não levantar suspeitas. Os “laranjas” ganhavam 10% de “comissão” pelo empréstimo das contas e eram os responsáveis pelos saques dos valores. Havia ainda pessoas responsáveis por aliciar mais “laranjas” e apenas os cabeças da organização tinham contato com os hackers, que não foram presos na operação. Segundo as investigações, os aliciadores ficavam com 15% do dinheiro desviado, os “cabeças” com 25%, e os hackers com 50%.
O delegado afirmou ainda que a quadrilha atuava na região há vários anos, e parte dela já havia sido presa na operação “Black Hat”, realizada em 2013, quando hackers do Sul Fluminense foram presos em Búzios. Na ocasião, três PMs também foram presos, acusados de extorsão mediante sequestro. Eles descobriram as atividades da quadrilha e teriam sequestrado um dos integrantes, exigindo R$ 100 mil para libertá-lo.
As investigações a partir da ‘Black Hat’ foram retomadas após denúncias de que soldados da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) estariam sendo aliciados para servirem como “laranjas”. A partir daí, a Polícia Civil e o MPE pediram a colaboração do setor de Inteligência da Academia e as denúncias foram confirmadas, dando origem à operação de quarta, 9. Os promotores do MPE disseram ainda que as investigações vão continuar para identificar como era feita a lavagem do dinheiro desviado.
Tanto os delegados como os promotores criticaram, na entrevista coletiva, a postura dos bancos, já que as eles não teriam colaborado com as investigações. Alguns gerentes tiveram até que ser conduzidos à delegacia por desobediência, para que as informações solicitadas fossem obtidas.
Chapéu Negro
A operação Open Doors (Portas Abertas) desencadeada em Volta Redonda e Barra Mansa foi derivada de outra operação policial, deflagrada em 2013: a Black Hat (Chapéu Negro). Na época, a Polícia Civil prendeu 12 pessoas, também acusadas, como agora, de desviar dinheiro de terceiros. O modo de agir das duas quadrilhas, conforme relato dos policiais, é similar. A diferença é que em 2013 os suspeitos realizavam o golpe pela internet, acessando de forma fraudulenta as contas bancárias, de onde desviavam o dinheiro, que era depositado na conta de parentes e amigos, que faziam a retirada.
Outra coisa é que na Black Hat, de 2013, os próprios hackers foram presos. Entre eles estavam alunos de engenharia e até especialistas em computação. Na Open Doors de quarta, 9, nenhum dos presos foi apontado como sendo um hacker. Muitos, inclusive, pela formação e idade, não teriam controle nem dos celulares que foram apreendidos (o número total de aparelhos não foi divulgado).
Em comum entre as duas quadrilhas suspeitas é que o grupo preso em 2013 tinha um intervalo mínimo de tempo – cerca de 30 minutos – para realizar os saques, que eram coordenados com os “laranjas” – donos das contas onde o dinheiro desviado era depositado. Ou seja, o dinheiro tinha que ser retirado com a máxima rapidez para evitar desconfiança dos funcionários das agências bancárias e das próprias vítimas.
Os suspeitos presos na Black Hat também gostavam de levar uma vida de ‘bon vivant’, fruto do dinheiro que tiravam das contas dos clientes dos bancos. Parte dos integrantes do grupo foi presa em uma casa de luxo alugada em Búzios, na região dos Lagos, com diárias da ordem de R$ 3 mil. No local, promoviam festas regadas a álcool e drogas sintéticas. Assim como agora, a casa caiu para eles.
Mas algumas perguntas estão sem respostas sobre a atuação da quadrilha presa durante a semana em Volta Redonda. Por exemplo, os hackers da Open Doors desviavam dinheiro das contas invadindo diretamente o sistema de informática dos bancos ou usavam “chupas-cabras” para clonar os cartões bancários – conseguindo número da agência, conta e senha – dados básicos para se fazer alguma transação?
A primeira hipótese, segundo um especialista ouvido pelo aQui, é considerada muito mais difícil, mas não impossível. “O principal problema é que este tipo de acesso, diretamente no sistema, é totalmente controlado, com data, hora e registro do computador utilizado. No caso de qualquer anomalia – uma tentativa de acesso fora do horário de expediente, por exemplo – a ação é bloqueada pelo sistema automaticamente”, explicou. Ele vai além. Lembra que há dez anos – tempo que as autoridades calculam que a quadrilha agia – a movimentação bancária via internet estava engatinhando. E, segundo ele, isso tornava muito mais difícil a ação dos hackers, já que as transações eram raras.
No segundo caso, com o uso de chupa-cabras, o procedimento é bem mais fácil. Basta instalar os aparelhos que copiam as informações do cartão em agências bancárias (o que não parece ter acontecido em Volta Redonda) ou em estabelecimentos comerciais, como postos de gasolina, restaurantes e boates, como a Mistura Carioca, hoje fechada, que era de Leonardo Tavares Scatolino, o Léo Carroça, preso na operação e apontado como um dos “cabeças” da quadrilha.
No caso dos postos e restaurantes, o procedimento já foi flagrado por câmeras e é simples: o atendente (frentista ou garçom) aproveita uma distração do cliente na hora de pagar a conta e passa o cartão pelo “chupa cabra”, gravando as informações. Depois ele realiza o pagamento normalmente. O cliente vai embora e não desconfia de nada, mas os dados do seu cartão foram copiados e serão usados pela quadrilha para o desvio de dinheiro.
Já nas boates, a história é ainda melhor (para os bandidos, é claro). Segundo fontes policiais, uma das possibilidades é que as máquinas de cartão do estabelecimento estejam “grampeadas” – funcionando ao mesmo tempo como um chupa cabra – e o toque de mestre seria uma câmera estrategicamente posicionada acima do caixa para gravar o cliente digitando a senha. Pronto, é só ir às compras! Pode ser usado na própria boate para comprar infinitos “combos” de vodka ou cerveja, que na verdade nunca saíam da geladeira da boate. Um “combo” do crime completo.
Mistura Carioca
A boate, famosa quando funcionava, sempre foi envolvida em polêmicas, desde 2014 quando foi flagrada usando um “gato” para se abastecer de água do Saae-VR. O órgão desconfiou porque o estabelecimento continuava funcionando, mesmo com a água cortada por falta de pagamento. O caso foi parar na delegacia – Léo Carroça chegou a se esconder dentro da boate para fugir dos policiais que foram fazer o flagrante do “gato”. Ao ser preso na operação Open Door, Léo estava na obra de construção de sua mais nova boate, localizada na Rua São João, 530, no bairro São João. Uma super boate, dizem os vizinhos.