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Sem aval do MEC

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EDUCAÇÃO: UGB mantém inscrição do curso de Medicina para Barra do Piraí

Apesar de a Advocacia-Geral da União (AGU) ter cassado a autorização do MEC para a criação no curso de Medicina do UGB em Barra do Piraí, a universidade ainda mantém a chamada do vestibular para a primeira turma, com aulas a partir de 2026. Prova disso é que no site da instituição aparece um banner, logo quando a página é aberta, informando o número da portaria federal que autorizou a graduação (nº 827, de 6 de novembro de 2025). O que eles não revelam é que a portaria foi derrubada 11 dias depois de ser publicada, e que em seu lugar foi editada outra, que não só revogou a anterior, como também cancelou o curso de Medicina do UGB (n.º 849, de 21 de novembro de 2025).

            No site da Ferp, o curso é mantido e os links para inscrição, edital e área do candidato estão disponíveis. Ao rolar para o final da página, é possível acessar todas as informações do curso, como corpo docente, matriz curricular, infraestrutura, parcerias e convênios, atividades acadêmicas, formas de ingresso e até valores referentes ao investimento. Aliás, quanto aos valores, a mensalidade integral a ser cobrada dos ‘futuros alunos’ é de R$ 10 mil, podendo pagar R$ 9,5 mil até o vencimento ou R$ 8,5 mil até o último dia útil do mês anterior. Todas essas informações estão disponíveis aos candidatos, menos a de que o curso não está autorizado a funcionar, conforme decisão do MEC. 

            O aQui tentou falar com o reitor da Ferp, Francisco Sampaio, mas não obteve resposta ao e-mail encaminhado ao jurídico da instituição solicitando a entrevista. O objetivo era justamente saber os motivos de o UGB manter a propaganda do curso, mesmo sabendo que sua criação foi derrubada pela União. Segundo apurado junto ao MEC, um curso de Medicina sem autorização e reconhecimento legal para viger traz uma série de problemas para a instituição e para o estudante. O diploma, por exemplo, não tem valor legal e não poderá ser registrado no Conselho Regional de Medicina, que no estado do Rio é chamado de Cremerj. 

Outro impasse seria o impedimento do estudante formado de fazer uma residência médica, realizar concursos públicos na área estudada, ou atuar em hospitais e clínicas particulares. No SUS, nem pensar. Isso significa que o aluno pode estudar seis anos (que é o tempo completo de graduação) e, no final, não ser considerado médico perante a lei. Há ainda uma questão legal que não deve ser ignorada: cursos sem habilitação do MEC não podem cobrar matrícula, não podem anunciar vagas e muito menos emitir documentos de validade acadêmica, como declarações, carteirinhas, históricos ou diplomas. 

Como se não bastassem esses entraves, alunos que cursam graduações sem habilitação legal ficam impedidos de transferir a matrícula para outra instituição reconhecida pelo MEC. Pior. Caso se sintam lesados e busquem a Justiça para reparar o dano, correm o risco de cair num limbo jurídico. Isto porque, além de ser desgastante, essas ações podem tramitar por anos e buscar uma validação que pode nunca dar certo. Na pior das hipóteses, essas ações dependerão do julgamento de mérito do processo ajuizado pela própria UGB, que busca a validação da Medicina por vias jurídicas. 

Em novembro, o aQui já havia publicado uma reportagem sobre este assunto e mostrado o risco de uma graduação precária, pelo fato de o curso de Medicina do UGB não ter autorização legal para funcionar. Na época, a reportagem mostrou que a instituição tentou habilitar a graduação com base no uso subsidiário da lei e, por este motivo, precisou ajuizar uma ação para conseguir a autorização por meios jurídicos. Os últimos movimentos desta ação, que tramita na 1ª Vara Federal de Barra do Piraí, dão conta que a demanda foi parar no TRF2, que é a segunda instância da Justiça Federal no estado do Rio. Lá, ela aguarda o julgamento de um recurso apresentado pela faculdade. 

Vale ressaltar que a própria portaria que derrubou a autorização do curso de Medicina da Ferp dá plenos poderes de Polícia Administrativa ao MEC para fiscalizar a UGB e fechar o curso de Medicina se este for aberto. Isto inclui tirar da internet (site e redes sociais) todas as informações sobre o assunto. A instituição sabe disso e deveria tratar o assunto com transparência aos candidatos a futuros médicos. Fica o alerta! 

Afinal, faltam médicos no Brasil?

Por Priscila Planelis*

Nos últimos anos, observamos um aumento no número de cursos de Medicina no país, grande parte desses deflagrados pela via judicial e então submetidos ao processo regulatório conduzido pelo MEC. O Brasil tem hoje mais cursos de Medicina do que jamais teve; ainda assim, a percepção generalizada entre usuários do SUS e de planos de saúde é a mesma: faltam médicos, faltam especialistas, falta disponibilidade em prazo razoável.

Enquanto entidades profissionais argumentam que o país já possui escolas médicas em excesso, outros setores sustentam o oposto: ainda não formamos médicos suficientes. No meio desse debate polarizado, um ponto é incontestável: o Brasil enfrenta um déficit expressivo de médicos especialistas, especialmente fora dos grandes centros urbanos.

Os dados mais recentes da Demografia Médica 2025, conduzida pela Faculdade de Medicina da USP em parceria com o Ministério da Saúde e a Associação Médica Brasileira, mostram que, embora o Brasil tenha ampliado o número de profissionais especializados, essa expansão não tem ocorrido de forma equilibrada no território nacional. Enquanto o Distrito Federal e o Rio Grande do Sul apresentam percentuais mais elevados de especialistas entre seus médicos, 72,2% e 67,9%, respectivamente, estados como Rondônia e Piauí registram índices inferiores a 50%, revelando uma clara desigualdade na distribuição desses profissionais.

Essa concentração também se reflete quando se observa a distribuição regional. A região Sudeste concentra mais da metade de todos os especialistas do país (55,4%), seguida pelo Sul (16,7%) e Nordeste (14,5%). Em contrapartida, Norte e Centro-Oeste somam pouco mais de 13% desse contingente. As especialidades mais demandadas pela população, como Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia e Ortopedia e Traumatologia, permanecem concentradas nos grandes centros urbanos, deixando lacunas importantes nos territórios que mais carecem de profissionais. Nas capitais, há concorrência por profissionais; no interior, há escassez crônica.

O Painel da Formação Médica, lançado pela Associação dos Mantenedores Educadores do Ensino Superior (AMIES), confirma esse diagnóstico. O estudo reforça que as áreas com maior número de especialistas coincidem com aquelas apontadas pela Demografia Médica e que a desigualdade regional permanece como um elemento crítico. A convergência entre os levantamentos destaca que a formação de médicos no Brasil segue respondendo prioritariamente às dinâmicas regionais mais desenvolvidas, enquanto regiões com menor infraestrutura de saúde continuam desassistidas.

Nesse cenário, é ilusório acreditar que abrir ou fechar cursos de Medicina, isoladamente, resolverá o problema. O Brasil precisa de políticas públicas coordenadas, estáveis e de longo prazo, que incluam planejamento regional da força de trabalho em saúde, fortalecimento e ampliação da residência médica, incentivos reais à fixação de profissionais no interior.

 Além disso, é imprescindível que haja estabilidade regulatória que permita às instituições privadas contribuírem de forma responsável e contínua com a ampliação da formação médica de qualidade no país. Com presença capilarizada e capacidade de expansão em regiões menos atendidas, as instituições privadas de ensino superior são parte indispensável dessa equação. Ignorar ou desconsiderar sua força formativa significa perder a oportunidade de reduzir desigualdades históricas na oferta de especialistas.

O debate sobre a escassez ou excesso de escolas médicas é longo e possui várias vertentes. Contudo, não há como negar que faltam médicos especialistas nos lugares certos. Para enfrentar esse quadro, o Brasil precisa de um compromisso amplo, envolvendo Estado, setor privado e sociedade, para garantir que a formação de especialistas responda às particularidades de cada território e possa garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. O direito fundamental à saúde, previsto na Constituição Federal, não se concretiza sem profissionais qualificados distribuídos de forma equilibrada pelo país.

Somente com a atuação articulada entre os diversos agentes envolvidos na política pública de saúde e educação será possível assegurar que a população, independentemente de onde vive, tenha acesso a cuidados médicos qualificados. Sem esse esforço conjunto, a desigualdade na demografia médica continuará se traduzindo em desigualdade no atendimento em saúde, um cenário que o país não pode mais adiar enfrentar.

*Priscila Planelis é advogada especialista em Direito Educacional e Secretária-Executiva da Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), entidade representativa dedicada à defesa de políticas públicas que garantam qualidade na educação superior.

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