Não é de hoje que o aQui vem acompanhando a situação dos ribeirinhos de Volta Redonda. Tem mais de um ano, quase dois. Para quem não sabe, ribeirinhos são as pessoas que moram às margens do Rio Paraíba do Sul e que estão ameaçadas de despejo em alguns bairros da cidade do aço, por conta da nova legislação ambiental federal, na qual se baseiam ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal e secretaria de Patrimônio da União (SPU). O imbróglio envolve milhares de voltarredondenses, sem contar os vizinhos de outras cidades, como Barra Mansa e Barra do Piraí.
Na edição passada (nº 1.100), o aQui divulgou, com exclusividade, a existência do estudo feito pela secretaria de Estado de Ambiente do Rio de Janeiro (SEA) e pelo Inea (Instituto Estadual do Meio Ambiente), onde se mostra, claramente, que os bairros com maior possibilidade de ter moradores retirados de suas casas construídas às margens do Rio Paraíba seriam Vila Americana e Pinto da Serra. O estudo faz parte do processo de regularização fundiária previsto na nova legislação.
O ruim na história é que nem o estudo, muito menos as autoridades competentes – incluindo SEA, Inea e prefeitura de Volta Redonda (a quem caberá a ingrata missão de retirar os ribeirinhos) – souberam (ou quiseram) precisar quantos voltarredondenses serão despejados de suas casas às margens do Rio Paraíba, apesar da insistência da reportagem. A situação, como era de se esperar, chamou a atenção de quem devia. Um deles, é claro.
Mais precisamente do presidente da Associação de Moradores da Vila Americana, Júlio Gil, que elogiou a iniciativa do jornal de acompanhar o caso e disse que vai usar as reportagens do aQui para explicar a situação aos moradores, em uma assembleia que irá realizar na quinta, 14, às 18h30min, na sede do clube do Saae-VR, à Rua Cuba, 65, – Vila Americana. Júlio esteve, como convidado, na reunião “pública só pra convidados” promovida pela SEA e Inea – no mês passado, onde foram dados alguns detalhes do estudo feito pelos dois órgãos estaduais.
“Tenho acompanhado a situação ao longo do tempo e, inclusive, participei da reunião com a SEA e o Inea. Mas não adianta só os comitês (Ceivap, grifo nosso) e presidentes de Associações saberem o que está acontecendo; a população tem que ser informada, como vocês estão fazendo. Dia 14 (quinta) vou realizar uma ampla assembleia com os moradores, onde esse estudo deve ser o tema central. Inclusive vou utilizar as reportagens do aQui – que está fazendo um belo trabalho – como uma das fontes”, explica Júlio.
O presidente da Associação de Moradores foi além. Forneceu um detalhe interessante para a discussão: segundo ele, cerca de mil residências da Vila Americana podem ser afetadas com o plano de retirada dos moradores apresentado pelas autoridades responsáveis. Ou seja, considerando a média brasileira de habitantes por casa, o despejo poderia afetar até 4 mil pessoas.
“Nem todas essas casas serão retiradas, mas tem muitas casas na beirada do rio ao longo de toda a Vila Americana. E diferente de outros lugares, como o Pinto da Serra, na Vila Americana, a maioria das construções é de residências. Há muito pouco comércio. E o estudo mostra que muitas dessas casas estão há menos de 15 metros do rio. É um risco muito grande para essas pessoas, por causa das enchentes”, argumenta Júlio, que defende a realização do estudo. “É uma coisa feita com critério, com um objetivo, nada de politicagem. É o primeiro estudo do tipo feito no estado do Rio”, pontua.
Aliás, evitar o uso político da situação dos ribeirinhos é uma das preocupações de Júlio. “Não vejo nenhum político acompanhando esse problema, mas as eleições vêm aí, e pode aparecer alguém querendo se aproveitar da situação. Por isso queremos fazer a assembleia, para informar a comunidade, sem terrorismo, explicando exatamente a situação e o que deve ser feito daqui para frente”, aponta.
Sobre a reação dos moradores que podem ser retirados das casas, Julio aposta na transparência para lidar com a situação. “Há pessoas que moram ali há 30, 40 anos, sabemos disso. Eles também têm ônibus, posto de Saúde, escola, tudo na porta de casa. Não é uma situação fácil. Mas é preciso informar a comunidade e falar a verdade pra eles, é uma questão do governo Federal, uma lei federal. E por isso mesmo vamos acompanhar, até para saber o que deverá ser feito com essas pessoas, mesmo que em um futuro distante. Acho que o meu papel fundamental nesse caso, como presidente da associação de moradores, é trazer o máximo de informações possíveis para os moradores, de forma honesta e transparente”, aponta.
Reunião pública privada
No encontro público “secreto” realizado pelas autoridades ambientais do Estado do Rio, Júlio disse que questionou os responsáveis pelo estudo porque só na Vila Americana e Pinto da Serra estaria prevista a retirada de moradores, e não em outros locais como a Barreira Cravo, por exemplo, onde historicamente ocorrem grandes enchentes, que chegam a isolar o bairro do resto da cidade.
“A explicação que eu tive, e reconheço como correta, é que na Barreira Cravo, por exemplo, as casas não estão localizadas diretamente na margem do rio. Há uma rua entre as casas mais próximas e o rio. Até por isso, nesses locais está prevista a construção de barreiras de proteção, para evitar que os alagamentos atinjam as ruas. Na Vila Americana há muitas casas com menos de 15 metros do rio e o risco para essas pessoas é enorme. Muitas delas já perderam tudo por causa de enchentes no passado”, afirma ele, completando: “Sabemos que muitas pessoas moram ali não porque querem, mas porque é o único lugar que encontraram para viver. Agora vamos acompanhar a situação para saber o que será feito, e continuar informando sempre a comunidade sobre essa questão”, avalia.