‘Sal e pimenta’

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A crise política no Brasil fez com que muitos empresários caíssem em desgraça. O último foi Ronald Carvalho, dono da Metalúrgica Barra do Piraí, preso na quinta, 2, acusado de receber propina no fornecimento de contêineres para a instalação das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). O que ele nega, é claro. Diz-se até, à boca miúda, que a franquia que mais cresce é a do “passo o ponto”. Diante desse cenário, empreender (que nunca foi fácil, diga-se de passagem) tornou-se uma missão de risco para poucos… muito poucos. 

 

Que o diga Mateus Toledo Pitombeira, de Barra Mansa. Ele é ninguém menos do que filho do vereador Marquinhos Pitombeira e neto do experiente ex-vereador Joaquim Pitombeira, que esteve na Câmara por cinco mandatos consecutivos e, de certo, onde fez muitos amigos poderosos. Coincidência ou não, Mateus mal abriu uma empresa do ramo alimentício para servir quentinhas e, pasmem, já abocanhou pelo menos três contratos com o Poder Público, pouquíssimo tempo depois de iniciá-lo.

 

Ainda em 2017, logo depois de ser aberta, a empresa de Pitombeira (‘Tempero de Mãe’), que tem como capital social pouco mais de R$ 4 mil – conforme é possível constatar através de uma pesquisa junto à Receita Federal através de seu CNPJ –, conseguiu vencer seu primeiro pregão presencial. De R$ 58.380,00 para fornecer ‘quentinhas’ e outros serviços de buffet para a prefeitura de Barra Mansa por 12 meses.  

 

Em 2018, a ‘Tempero de Mãe’ já ganhou mais dois contratos. O primeiro, firmado em janeiro – com dispensa de licitação –, de R$ 7.896,00 para fornecer 600 marmitex para o ‘Encontro de Folia de Reis’, realizado no bairro Água Comprida, no dia 14 de janeiro. O segundo foi em junho. De quase R$ 77,5 mil para prestação de serviços de buffet em geral, também por 12 meses.

 

Até prova em contrário, não há nada demais nisso. Seria até legal. Mas há controvérsias, afinal, não são todos os empresários que mal entram no mercado e logo se dão tão bem, como o jovem Pitombeira. Para o advogado Rafael José Abreu de Lima, o caso é, no mínimo, contraditório. Segundo ele, os juristas divergem se seria um ato de nepotismo o fato de parentes de vereadores participarem de processos licitatórios, mesmo que estes aconteçam na prefeitura.

 

“A lei 8.666, que rege as licitações nesse país, estabelece as seguintes vedações: ‘não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários o autor do projeto (pessoa física ou jurídica); a empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto, servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou o responsável pela licitação; mas existe um embate doutrinário. Uma questão que autores divergem se esse hall é exemplificativo, ou seja, se, em nome da moralidade, poderia bloquear a participação do vereador ou se é taxativo o que faz legal a participação dele nos trâmites”, explicou.

 

Mas, conforme salientou Rafael, é preciso verificar se os termos do edital de licitação estão sendo seguidos à risca. “Se estiver, não haveria proibição expressa que parentes de servidores públicos participem de licitação ou contratem com a Administração Pública. Haveria problema se as circunstâncias do caso evidenciassem o favoritismo ou a influência indevida do agente público (vereador Pitombeira) em favor de seu parente (Mateus Pitombeira), o que ofenderia os princípios que regem a administração, sobretudo a moralidade”, comentou, frisando que se os ditames legais não tiverem sido respeitados, caberia denúncia ao Ministério Público, que investigaria e tomaria as medidas necessárias à salvaguarda dos bens públicos.

 

Legal, mas pode ser imoral

O prefeito Rodrigo Drable tomou um susto ao ser procurado pela reportagem para falar sobre os contratos da ‘Tempero de Mãe’. E, ao ser informado que a empresa seria da família Pitombeira, logo reagiu dizendo que iria mandar sua equipe checar caso a caso para ver se eles poderiam ser cancelados. “Pode ser legal, mas é imoral”, disparou, referindo-se ao fato da empresa ser de um filho de um vereador. “Não importa se ele (pai do empresário) é de oposição ou não”, completou. “A ligação pode gerar suspeitas”, justificou. 

 

Outra reação de Rodrigo – de pedir à Procuradoria da prefeitura que preparasse um decreto para proibir este tipo de contrato comercial – foi por água abaixo. “Avaliamos que se fizer (o decreto) não muda o contrato em vigor porque a legislação, hoje, permite. Os advogados não conseguiram nem um caminho para rescindir o que está em andamento”, explicou o prefeito, referindo-se à última licitação da qual Mateus Pitombeira fez parte. “No meu entender, embora seja legal, deve ser considerado imoral”, disse.

 

Ele está certo. Segundo uma fonte, os preços apresentados pela empresa do filho do vereador seriam baixos e a demanda exigida do vencedor também seria e, por isso, ele costuma vencer as licitações. “Da primeira vez que participou, ele [Mateus] ficou em primeiro lugar oferecendo um valor 20% menor que o segundo. Das outras vezes, ninguém apareceu porque o preço dele é baixo. E os contratos são pequenos. Faturamento do mês é menor que R$ 10 mil”, contou.

 

Nota da redação: O vereador Marquinhos Pitombeira foi procurado ao longo das últimas duas semanas, mas ninguém em seu gabinete atendeu aos telefonemas da equipe de reportagem. Seu filho, Mateus Pitombeira, também foi procurado pela equipe do aQui através do e-mail que o próprio passou à prefeitura como meio de contato, mas, até o fechamento dessa matéria, não houve resposta.