Os membros eleitos para um novo período de trabalho do CMPC – Conselho Municipal de Política Cultural, começam a trabalhar em fevereiro, com a preocupação em adequar o ainda incipiente SMC – Sistema Municipal de Cultura ao SNC – Sistema Nacional de Cultura, no sentido de se criar os mecanismos de reconhecimento, inclusive o FMC – Fundo Municipal de Cultura, que proverá de recursos a nossa cultura. Estarei como Conselheiro Suplente da cadeira de Literatura.
É uma preocupação legítima inserir-se em definitivo no SNC, instituído em 2003, pois o seu objetivo é organizar e valorizar a cultura brasileira. A longa caminhada que o país está vivenciando para a implantação desse sistema, parece muito mais difícil em função das perdas da própria cultura como patrimônio do povo, do que suas exigências burocráticas. Mas esse não é um problema só nosso.
Neste momento de mudanças nacionais e internacionais, que acenam para um horizonte incerto, faz-se necessário preservar valores, por isso, talvez seja a melhor hora para começarmos a tecer o ponto a ponto do novo que queremos desde sempre. Entendemos que é pelo caminho da cultura que substanciaremos os espectros da solução, conferindo sentido, identidade e, portanto, pertencimento dos indivíduos aos seus grupos e espaços.
E para a cultura, isto é, para operadores, militantes, artistas, envolvidos e sonhadores, esta pode ser a oportunidade de começar a resgatar o sentido intrínseco de nossas lides culturais. Apesar da visão generalizada, focamos a cultura em nosso município, Volta Redonda, não obstante o seu sentido cosmopolita.
Com a prática contínua através do tempo, o evento ocupou a vaga e o espaço da manifestação de conteúdo original dessa gente que há algumas décadas teve o privilégio de se juntar para fazer uma nova cidade e reconfigurar os seus requisitos sociais e culturais. Conscientes e desejosos de tais mudanças, mantiveram-se abertos ao novo e fomentaram as inovações a partir de seus valores reais e sonhos. O rádio teve importância fundamental nessa fase, ao cristalizar a visão de mundo aos novos cidadãos.
Logo as coisas começaram a acontecer. Era uma nova cultura que surgia com o fim de guerra, o trabalho na indústria e seu universo de novidades e circunstâncias, a formação da cidade e seu moderno urbanismo, a mobilidade, as músicas, o acesso às informações, a convivência com os americanos, a Rádio Siderúrgica, especialmente com o seu Festival P26, a Festa de São Cristóvão, as comemorações religiosas, cívicas, políticas e, enfim, o sedimento de um novo perfil social, aquilo que Waldyr Bedê constatou ao definir Volta Redonda como “um laboratório humano que deu certo”.
O tempo foi passando e, em função da suscetibilidade, Volta Redonda abrigou propostas experimentais e conheceu de tudo um pouco, até que começou a fermentar o seu próprio bolo cultural e a projetar caminhos a partir dos valores que fundamentavam a nova sociedade, ainda na segunda metade dos anos 40, já com o sentimento de efetividade, de apropriação territorial, com o nascimento dos primeiros volta-redondenses e o surgimento das instituições pertinentes.
Após a fase de assimilação, tiveram início as manifestações genuínas de crescimento a partir daquele grande canteiro de obras. Enquanto esse novo status sociocultural se pronunciava, experimentava e apreciava as resultantes das suas iniciativas diversas, com as quais caminharam nos anos seguintes. Entre elas, o Centro Musical, o Recreio do Trabalhador, as escolas de samba, os cinemas, o grupo de teatro do Gacemss, os concertos no Hotel Bela Vista e no Umuarama, os clubes sociais, o campo do Guarani e outras.
Após o arrefecimento cultural promovido pelos 21 anos do regime militar, o “renascimento” das iniciativas culturais na região, como em todo o país, parece ter sofrido uma guinada internacionalizante, não no bom sentido de conquistar novos conhecimentos, mas de perder parte de sua originalidade, inscrita ao universo dos valores oriundos de sua formação, da preservação do lugar e da história, em consonância com as particularidades de sua origem.
Então, passamos a aceitar produtos prontos ou recriar formatos intercambiados, colocando uma universalidade sem lastro, acima da identidade. Nas últimas décadas vimos o esmaecer da nossa ainda embrionária teia identitária, com recuos, alterações de caminhos e perdas de espaços. As consequências da perda da identidade e redução da auto-estima, como vimos, foi a dissipação de valores e seus desdobramentos, entre eles se destacam o aumento da intolerância e da violência, com os prejuízos de ordem moral, cujos danos atingem diretamente todos os setores do ordenamento social, além de nublar os sonhos e o mito da transcendência cultivado pela natureza humana e que é exercitado através da arte.
Reencontrar o caminho nesse emaranhado de picadas artificialmente criadas pelas incongruências sociais, políticas, culturais, não é uma tarefa simples, mas é desejável por todos até inconscientemente. E para começar é recomendável a releitura de um cenário anterior de resistência cultural e suas motivações, que tiveram como resultantes o Cinema Novo, o Teatro de Arena, a Bossa Nova/MPB/Jovem Guarda/Tropicalismo, incluindo o movimento hippie, o levante estudantil, além de outras expressões e movimentos característicos das diversas modalidades da arte.
Apreciando o atual cenário social e político pelo viés da cultura, vislumbramos a necessidade de resgatar os valores genuínos de Volta Redonda, no sentido de atualizar a identidade de sua curta história a partir do ponto a ponto e palmilhar a recuperação de seus valores originais, ao tirar a poeira da história e ouvir o palpitar dos corações.
Cogitamos que demandará o trabalho zeloso de garimpar, com a peneira da sensibilidade, as porções enfraquecidas e pontas fugidias da teia orgânica de nossa cultura, e, a partir daí, fomentar os caminhos projetados sobre os genuínos valores ciclopolitanos e seus sonhos transformadores. Tal retomada, certamente acenará com a integração das iniciativas isoladas, incentivará o surgimento de outras e, ao remexer o baú de valores, estaremos prospectando ingredientes que possibilitarão restituir a liga, atualizar os elementos e enxergar um horizonte, mesmo que próximo, capaz de fazer verter o fermento diluído que suscitará o renascer da identidade, o sentimento de pertencimento, com o consequente fortalecimento do sentido volta-redondense para todos os que vivem nesta Cidade do Aço.
A solução pela cultura é fidedigna por partir de intrínsecos valores humanos e fomentar o verdadeiro desenvolvimento, aquele em que as pessoas são agentes e beneficiárias. E nada mais é que a consideração da diversidade, dos quereres e dos sonhos. O respeito às pessoas nunca foi tão urgente como agora, quando vemos mazelas sociais por todo lado e assistimos talvez a maior crise humanitária de nossa história.
Porém, assim como a Educação não é problema apenas da Secretaria de Educação e os Direitos Humanos não são resultantes de um setor, a Cultura, o Planejamento, a Saúde, enfim, todas as demandas sociais devem ser consideradas como fatores determinantes das ações de todos os órgãos públicos. De forma coordenada e consequente, afinal, quando o setor de obras constrói uma calçada, é essencial que esteja consciente de que trabalha para que os estudantes tenham conforto, segurança e garantia de acesso a escola. A cultura, antes da busca pelos sonhos e transcendências substanciados no feito artístico, é o compartilhamento qualificado dos valores que compõem a identidade do grupo social – crença moral, costumes, hábitos e demais interações, no sentido sociológico. Mais que nunca precisamos entender o sentido do bem comum em sua real dimensão, para conseguirmos identificar os reais valores e serem preservados e desenvolvidos. Assim, estaremos todos absolutamente juntos nessa missão.
Vicente Melo, jornalista, membro da AVL